São Cristovão e os anjos amarelos

04/12/2016

Mais do que uma medalhinha a balançar no espelho retrovisor (ou uma imagem colada no tablier) do carro de família, nas demoradas viagens de férias para o Algarve, nos idos de setenta, São Cristóvão, padroeiro dos viajantes, em geral, e dos condutores por afinidade, encontra profundas raízes na mitologia grega

 
A lenda, numa versão muito resumida e atualizada, versa sobre o dilema de um barqueiro chamado Óforos, num certo dia em que se deparou com um menino a pedir-lhe uma boleia para atravessar o rio. O barqueiro ainda hesitou, uma vez que o seu pequeno barco estava bastante danificado e necessitava de cuidados. Mas o catraio, algo abusador, diga-se, disparou-lhe, à queima-roupa.
– Se não podes consertar o barco, leva-me aos ombros!
O pobre Óforos era muito bem-mandado e aceitou carregar o fedelho às costas. Uma ideia que, passo a passo, se foi tornando mais pesada, apesar da sua constituição agigantada. O puto tinha o cu de chumbo. Ao chegar à outra margem, o barqueiro desabafou.
– Irra, como é possível o menino pesar tanto? Parece que carreguei o mundo aos ombros!
– Pois bem, meu bom homem – disse o puto – foi exatamente o mundo que trouxeste aos ombros.
E desapareceu, perante o espanto de Óforos. Surpresa ainda maior teve quando regressou à outra margem do rio e viu o seu pequeno barco completamente reparado.
O puto mandão era, afinal, Jesus Cristo! Ora, São Cristóvão, em grego, significa “aquele que carrega Cristo”.
Ao longo da história, os viajantes adotaram São Cristóvão como seu santo protetor para as viagens. Contra males, azares e marés, já agora, dado que, na sua generalidade, as epopeias eram, então, necessariamente marítimas.

Santo padroeiro dos automobilistas
A forma como São Cristóvão aparece como santo padroeiro dos condutores, por todo o mundo, coincide com a massificação das linhas de produção automóvel, algures entre os finais do século XIX, inícios de XX. A associação era óbvia. Os automóveis metiam mais água do que os barcos e as estradas eram mais onduladas do que os mares. E se durante algum tempo, as velocidades praticadas na via pública não iam além dos 40 km/h, como era o caso do Opel Patent Wagen, de 1899, depressa estes veículos se tornaram numa ameaça de quatro rodas à vida humana. Para mais, a velocidade dos automóveis crescia a um ritmo bastante maior do que o dos sistemas de segurança. E o equilíbrio, em cima de rodinhas tão finas, quase de salto alto, exigiam uma intervenção divina.
Nesta época, quem talhava e comercializava medalhas com a imagem de São Cristóvão fazia o seu pé de meia, pois estas começaram a multiplicar-se pelos quatro cantos do planeta, havendo registo, inclusivamente, de um batismo oficial de um automóvel, em 1928, na Áustria.

Intervenções divinas… e tecnológicas
Uma intervenção divina nunca será de desprezar, seja no ar, no mar, ou na estrada. Mas, por vezes, uma intervenção mecânica será ainda de maior utilidade. Foi nesse contexto que nasceram os designados “anjos amarelos”. Veículos de assistência que pareciam vindos do céu.  Com eles nasceram também as associações de automobilistas, em Estugarda, na Alemanha, depois de compreendida a fragilidade dos veículos. Depois de alguns formatos iniciais, a associação ADAC Strassen foi criada em 1928 e rebatizada, já depois da Segunda Guerra Mundial, em 1954, com a definitiva sigla ADAC Strassen Watch.
A Opel, de resto, teve uma palavra a dizer nesta matéria, uma vez que os Kadett Caravan, tidos como os mais fiáveis de todos, eram a mais fiel e imaculada representação dos anjos amarelos. Ainda hoje, esta associação detém uma frota de largos milhares de veículos preparados para ajudar os condutores desesperados à beira da estrada.
A assistência em viagem nascia, assim, fruto de uma intervenção divina. Mas, na atualidade, à intervenção divina e mecânica teve de juntar-se ainda a tecnológica.
Nessa lógica de santos e anjos, a Opel decidiu equipar os seus modelos com o OnStar. Um dispositivo instalável em qualquer veículo da marca, mas cujo protagonista do seu lançamento foi o Astra Sports Tourer. Não se trata de um anjo amarelo, mas sim digital. Em caso de acidente, mal o airbag dispara, o OnStar alerta uma central, sempre disponível, onde uma operadora (não uma máquina) tratará de apoiar a vítima, enviando a assistência necessária. Mais fará ainda mais. Se São Cristóvão não tiver sido competente no sinistro e o condutor não estiver em condições mínimas de falar, o sistema OnStar acionará logo todos os mecanismos de emergência médica.