O Ciclo da Segurança do Automóvel

19/10/2017

Embora seja evidente a evolução na segurança conferida pelos automóveis, a inclusão de novos atributos neste campo é um processo que demora por vezes mais que uma década a ficar completo. Para saber como é feito este processo para a inclusão de novos componentes e sistemas para reduzir a sinistralidade rodoviária estivemos a falar com Lotta Jakobsen, que é uma das responsáveis da Volvo nesta área e nos deu a conhecer o Ciclo da Segurança do Automóvel.

Quando pensamos em fabricantes que apostam na segurança automóvel a marca com mais visibilidade nessa parâmetro é a Volvo. Além do seu passado histórico, com a invenção do cinto de segurança de três pontos (ainda hoje referido como o maior avanço nesta área), o emblema sueco faz precisamente da salvaguarda dos ocupantes e outros utentes da via um traço essencial da sua personalidade. Esteve recentemente em Portugal uma das responsáveis da marca nórdica nesse campo, Lotta Jakobsen, que nos mostrou como é feito o processo para que cada vez surjam mais sistemas, componentes e materiais para garantir a redução da sinistralidade rodoviária ao máximo. De preferência até zero, como indica a própria Visão 2020 da marca.

Lotta Jakobsen é sem dúvida uma das pessoas que mais pode falar sobre a evolução da segurança automóvel, pois tem já 28 anos de experiência na Volvo e de momento é Senior Technical Leader no campo da prevenção de lesões de acidentes. Um trabalho que desempenha em Gotemburgo, no Volvo Cars Safety Centre, de onde veio até ao sul da Europa para falar aos portugueses sobre a prevenção de lesões causadas por acidentes.

A sua presença no nosso país esteve relacionada com a participação num Congresso da APSI sobre segurança infantil, onde procurou enfatizar a importância da colocação das crianças até aos 4/5 anos viradas para trás nas cadeirinhas, por ser a melhor forma de contrapor o peso superior da sua cabeça. Para se perceber a importância que a marca coloca neste ponto, as mais recentes cadeiras da Volvo para os bebés mais pequenos nem permitem a utilização em outra posição. Segundo nos foi explicado, isso representou uma quebra de 60% nas vendas, mas é referido que como o principal foco está na segurança, os nórdicos não estão muito preocupados com essa quebra.

O ciclo da segurança do automóvel em 6 passos

Mostrando que o desenvolvimento de novos atributos de segurança segue um verdadeiro método científico, Lotta Jakobsen explicou que até que seja comprovada a sua efetiva eficácia é necessários cumprir seis passos. Cada um deles representa uma fase diferente que pode descobrir de seguida

Recolha de Dados

Para se compreender quais as necessidades reais e as formas de ter impacto mais significativo na redução da sinistralidade, tudo começa com a obtenção de informações. No caso da Volvo isto decorre através da análise das estatísticas dos acidentes e a própria investigação de casos reais. Na Suécia a marca vai mesmo ao local do sinistro para obter dados próprios, e consegue até replicar no seu Safety Centre o próprio acidente, replicando os ângulos de embate, velocidade e deformação.

É com base neste trabalho de recolha e análise de dados que se decidem os passos seguintes. Mas, além de poder ficar a saber de forma mais evidente como se comportaram os carros e as forças que foram geradas e absorvidas pelo embate, este estudo também tem outro efeito importante. Ao comparar as lesões que os condutores acidentados tiveram e as que apresentaram os crash-dummies, torna-se possível aproximar estas “cobaias” dos humanos, aperfeiçoando-as e ajudando a que elas repliquem de forma mais segura os efeitos de embates.

Neste campo Lotta Jakobsen destacou ainda outro importante apoio nos tempos modernos, e que passa pela utilização dos computadores para replicar os dados obtidos pelos bonecos de testes. Estes testes virtuais permitem análises mais pormenorizadas e também a repetição das simulações de acidentes a uma velocidade muito superior.

Requerimento de segurança

Ao verificar as tendências, passa a ser possível comprovar que existe uma necessidade para reduzir a sinistralidade rodoviária. Então são observadas as implicações reais e os requerimentos legais para encontrar novas soluções. Elas podem ser as mais diversas, especialmente nos tempos modernos onde se pode atuar de diversas formas. Ou seja, com os novos radares, capacidades de comunicação e softwares não se está limitado aos componentes mecânicos dos carros.

Um bom exemplo dessa multiplicidade está no sistema de proteção em casos de saída de estrada da Volvo. Uma das principais consequências destes sinistros são as lesões espinais, que normalmente são bastante complicadas e podem causar consequências físicas para toda a vida. Com o XC90 foi introduzido um sistema que combina a análise preditiva, através dos radares, com sistemas de segurança e componentes no próprio carro. Resumindo, quando os radares do carro verificam que ele saiu de estrada, um sistema de segurança faz a pré-tensão dos cintos de segurança para melhor reter os ocupantes. Além disso, uma pequena mola que foi adicionada aos bancos dianteiros ajuda a absorver os impactos, reduzindo a compressão da espinha e mitigando as consequências dos acidentes.

Desenvolvimento de Produto

Após saber que existe uma grande tendência para um acidente, e que isso cria a necessidade de encontrar soluções de segurança, a Volvo entra na fase de desenvolvimento de produto. Ou seja, neste momento começa o trabalho para dar novas capacidades aos carros, encontrando soluções para resolver os problemas de proteção existentes.

Aqui entram em jogo várias possibilidades, seja na utilização de novos materiais (como a inclusão dos aços de alta resistência, alumínio ou fibras de carbono, por exemplo), novos componentes integrados (sejam as referidas molas dos bancos ou os radares e câmaras) ou ainda na programação do software (por exemplo, estão a ser desenvolvidos protocolos para que os carros comuniquem entre si).

Outro campo é a própria arquitetura dos veículos, e foi dado como exemplo o atual problema dos embates fora das grandes estruturas centrais da dianteira. Ou seja, apesar de serem já realizados testes de embates frontais, é dada pouca atenção às colisões também frequentes que são fora dessa zona central, por exemplo quando dois carros que seguem em vias contrárias chocam e apenas são afetadas as zonas onde estão as óticas, rodas e componentes da suspensão. Este foi um exemplo dado por Lotta Jakobsen de uma área onde ainda é preciso desenvolver novas soluções para mitigar os efeitos dos acidentes, pois os danos “fogem” das principais zonas de deformação e absorção de forças dos automóveis.

Protótipos e Verificação

Como pode ver no vídeo seguinte com as imagens do Volvo XC90, cada vez que existe a introdução de um sistema de segurança é porque ele já foi alvo de vários testes. Os protótipos servem para fazer as medições com os crash-dummies, e procura-se confirmar que, em comparação com os resultados da fase da investigação, são reduzidas as lesões. Caso os resultados sejam positivos, passa-se à fase seguinte.

E finalmente…

Após este trabalho, que pode demorar anos, finalmente chegam aos automóveis da Volvo os seus novos sistemas de segurança. Foi assim em 1959 com o cinto de segurança de Nils Bohlin, das colunas de direção com absorção de impactos em 1973 ou dos airbags para condutores e dos pre-tensores dos cintos de segurança em 1987. Mas demostrando que para o mesmo problema podem ir sempre sendo desenvolvidas novas soluções, Lotta Jakobsen falou sobre os impactos laterais, com o direcionamento das energias pela estrutura em 1991, os airbags laterais em 1994, os airbags de cortina em 1998 e já em 2015 a travagem de emergência que antecipa e evita os acidentes.

Curiosidades

A conversa com Lotta Jakobsen também nos deu a oportunidade de ficar a saber algumas curiosidades que mostram como a imaginação e a capacidade de pensamento “out-of-the-box”é por vezes um dos maiores trunfos dos investigadores de segurança automóvel. Um desses exemplo está logo na colocação das cadeiras dos bebés viradas para trás, uma ideia vinda do espaço. Mais precisamente, das viagens para ir até fora da atmosfera terrestre, pela colocação dos astronautas também virados para trás durante a subida nos foguetões. E se serve para eles, também certamente ajuda na proteção das crianças mais pequenas…

Sabia que o desenvolvimento de um crash-dummie, além de bastante caro, pode levar mais de 20 anos? Desde que se começa a pensar no conceito até que ele está totalmente otimizado passam quase duas décadas, explicou-nos Lotta Jakobsen. Os modelos mais avançados já detetam totalmente as lesões ao nível do tórax, mas continuam a ser incapazes de avaliar com total eficácia os efeitos ao nível da espinha. Mas começam já a contar com ajudas da parte de simulações virtuais, que cumprem esse trabalho e podem mais facilmente ser repetidas…


Sabia que os cangurus confundiram os sistemas de segurança da Volvo na Austrália?


Nos estudos do Volvo Cars Safety Centre não são consultados apenas especialistas em biomecânica, mas também psicólogos e analistas de comportamento. Saber o que pensam efetivamente os condutores e a forma como vão reagir é fulcral para desenvolver capacidades de segurança para o mundo real.

Para finalizar, Lotta Jakobsen explicou-nos que a Visão 2020 da Volvo é mais um mote do que um compromisso total. E, como habitualmente nas estatísticas da sinistralidade rodoviária, a maior culpa… é dos humanos. Isto porque embora em zonas mais desenvolvidas, como a Europa e Estados Unidos, o cumprimento das leis torne exequível que ninguém venha a falecer ou ficar gravemente ferido a bordo de um Volvo, não é possível assegurar o mesmo em países como a China ou Índia. Isto porque mesmo nos bancos da frente muitos continuam a não utilizar os cintos de segurança! Pode parecer algo incrível no Séc. XXI, mas é a realidade…

Nuno Fatela

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