A tração traseira e o comportamento dinâmico são duas características que até aqui nunca tinham sido sublinhadas pela Kia. Mas a chegada de um antigo engenheiro da BMW à insígnia sul-coreana veio mudar tudo. O Stinger é o primeiro passo de um futuro diferente, mas que poderá ser igualmente auspicioso para a marca que mais cresce na Europa.

A admiração é justificada: a Kia nunca se tinha aventurado no segmento das berlinas médias e nunca tinha produzido um modelo de tração traseira. Como se não bastasse, o Stinger, cuja gama europeia está já definida, alia às formas desportivas um habitáculo harmonioso. Numa cadência de acontecimentos em tudo semelhante ao passado recente, a Kia voltou a recorrer ao génio de um executivo europeu para transformar os seus destinos. Em 2006 a escolha assentou em Peter Schreyer. Nove anos depois, no início de 2015, virou-se para Albert Biermann (o rosto da mágica sigla “M” da BMW), desta feita não para revolucionar a imagem, mas o comportamento dinâmico dos seus modelos.

Assente numa carroçaria de quatro portas ao estilo coupé, com 4,83 m de comprimento e uma distância entre eixos de 2,91 m, o Kia Stinger é o primeiro exemplo do que poderá sair desta associação entre os dois homens mais importantes para as suas aspirações futuras. Capaz de ombrear com o Audi A4 ou o BMW Série 3, embora as dimensões o aproximem mais da família de modelos que se encontra logo acima, a sua mera existência é também um sinal claro de que há uma cultura em mudança no posicionamento da empresa. Já não quer ser conhecida como a marca dos carros giros e baratos, antes como um fabricante que traz para o mercado bons produtos, elegantes, a um preço acessível. Parece a mesma coisa, mas representa toda uma nova forma de estar. No fundo, é como se no Salão Automóvel de Detroit, palco da grande revelação, a Kia se tivesse despedido da infância e abraçado a puberdade.

Mas não é de estranhar que o Stinger continue a ser um modelo muito emocional, sobretudo porque foi com o design — com aquilo que os olhos veem — que se iniciou o caminho que tem vindo a ser percorrido ao longo dos últimos dez anos. “Peter Schreyer conseguiu coisas notáveis — algo impensável para um europeu no seio de um construtor sul-coreano. Tal só foi possível porque conquistou um enorme capital de respeito e confiança junto da liderança da empresa, assente nos resultados conseguidos”, revela Artur Martins, Vice-Presidente de Marketing da Kia Motor Europe. Assim se explica que, a partir do GT Concept (o protótipo apresentado em 2011 no Salão Automóvel de Frankfurt e que lhe serviu de base), o Stinger tivesse visto a luz do dia, apesar das reservas, do ponto de vista financeiro, sobre se será capaz de alcançar resultados positivos enquanto produto de grande volume.

Sem camuflar o peso das expetativas comerciais, a verdade é que nada disso importa neste momento: “Quando a marca passa a ter um modelo como este, que se equipara ao que de melhor a indústria apresenta, nasce nos potenciais clientes uma sensação de entusiasmo que é mais ou menos esta: ‘Uau — é um Kia, a marca que tem o Stinger’. Isto é muito importante”, ressalva o dirigente português. “Na Coreia todos têm consciência de que para conseguir uma expressão global é importante ter em conta os gostos europeus. É o que temos feito, e o que o Stinger representa”, reitera. “É um carro que veio reforçar o que já sabíamos da importância que o desenho tem para a Kia no mercado; o reconhecimento do setor de que efetivamente há uma aposta muito grande da nossa marca no desenho. E isso é obviamente muito bom”.

Evoluir sem esquecer

Honrando esse novo posicionamento, a responsabilidade de mover o Stinger caberá a um potente V6 twin-turbo a gasolina, de 3.3 litros, capaz de transmitir às rodas traseiras (ou às quatro rodas, como acontecerá em alguns mercados em que o modelo será disponibilizado na variante de tração integral) 370 CV de potência às 6000 rpm e cumprir o registo até aos 100 km/h em rápidos 5,1 segundos. A única concessão no porte, consumos e emissões reside no esperado Diesel de 2.2 litros, mais direcionado para os europeus, e no já confirmado 2.0 Turbo, igualmente a gasolina, mas reduzido a quatro cilindros e a correspondentes 259 CV às 6200 rpm. Todos estarão acompanhados por uma caixa automática de oito velocidades, desenvolvida a preceito para o novo porta-estandarte da marca. E tudo com a promessa de uma agilidade sem paralelo nos modelos Kia, à custa do envolvimento de Biermann. A decisão de romper com a tração dianteira e os exaustivos testes no Nürburgring, no centro de testes partilhado com a Hyundai, são duas formas de se notar a sua influência. “A sua experiência cativou quase instantaneamente os responsáveis da empresa. De tal maneira que ele vive hoje na Coreia e é o responsável por tudo o que influencia o ‘handling’ de todos os carros do grupo”, desvenda Artur Martins.

Apesar do irresistível apelo associado às formas e às motorizações, a verdade é que os valores racionais até aqui apregoados pela casa coreana não desapareceram por completo no Stinger, mesmo que o management enalteça essa rutura. Afinal, há um enorme potencial no que concerne a dinâmica, mas também espaço para os ocupantes traseiros, uma bagageira ampla e muita tecnologia.

Albert Biermann, no entanto, prefere salientar outros aspetos: “Tem uma distância entre eixos muito longa, o que o torna muito estável a altas velocidades e em situação de autoestrada. Mas quisemos também que tivesse um bom comportamento e uma boa resposta da direção, características que o deixassem à vontade perante uma estrada de montanha. Esse foi um grande desafio”.

A pensar nesse prazer que deverá estar associado à experiência de conduzi-lo, o novo Stinger conta igualmente com alguns dos artificialismos modernos para provocar emoção no condutor. Nomeadamente, um sistema de som artificial que sobressai no modo mais desportivo — a forma encontrada para ‘escapar’ ao isolamento da cabina, essencial para o conforto dos passageiros que frequentam este segmento.

Quem o conduzir poderá igualmente desligar as ajudas eletrónicas para melhor desfrutar da viagem ou testar a arte do ‘drift’, já que o sistema é suficientemente permissivo.

A posição de condução, propositadamente mais baixa em comparação com os rivais, também passou pelo aval de Biermann — mais uma forma de enaltecer a experiência ao volante.

“É como se estivesses sentado num carro desportivo”, garante, despreocupado com o facto da plataforma ser composta em 55 por cento por aços de alta resistência (o alumínio apenas foi utilizado em alguns componentes da suspensão), e por isso longe de ser leve (1640 kg para a versão-base de 2.0 litros e 1800 kg para o GT com tração integral que será comercializado nos EUA).

“No final, o mais importante era tornar o chassis do carro o mais rígido possível”, assegurou, antes de concluir: “Penso que para a Kia, o Stinger é uma espécie de evento de gala, porque ninguém estava à espera de um automóvel assim. Não só pelo aspeto que apresenta, mas também pela maneira como se comporta. É um animal totalmente diferente”.

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