O Louvre dos automóveis

28/07/2017

Quando lemos a apresentação das mais afamadas coleções de automóveis do mundo há de comum a todas a elegância de nenhuma se intitular como a melhor. Os colecionadores de automóveis sabem bem o perigo das expressões superlativas e, sobretudo, têm a consciência plena de que a riqueza da história do automóvel reside, também, na sua diversidade.

Essa é “só” uma parte do fascínio do Museu Nacional do Automóvel – Coleção Schlumpf. Designação extensa que condiz com a riqueza da exposição e, sobretudo, com o trajeto complexo percorrido desde 1957, ano em que Fritz Schlumpf adquiriu o seu primeiro automóvel de coleção para “fazer companhia” ao Bugatti 35B com o qual participava nalgumas das mais carismáticas corridas, desde 1939.

Ele e o irmão, Hans, lideravam, então, um negócio de lanifícios em Mulhouse, na fronteira entre a França e a Suíça, o qual prosperava ao mesmo ritmo que Fritz adquiria automóveis antigos um pouco por todo o mundo, mas com clara preferência pelas marcas europeias. Esta atividade estava, porém, envolta por um grande secretismo, mesmo que os quase 200 automóveis estivessem já cuidadosamente alinhados numa das alas da fábrica, numa zona onde eram poucos os que tinham permissão para aceder.

É pouco depois de um artigo no jornal L’Alcace, dando conta desta coleção secreta, que os irmãos Schlumpf decidem transformar esse armazém no então denominado Museu Schlumpf. Para tal são demolidas paredes e pilares, dando origem a uma galeria com 17 mil metros quadrados, com 23 zonas independentes, cada uma expondo 10 a 20 automóveis que tivessem entre si algo em comum. A ligar estes espaços, alinhavam-se três “avenidas” principais: Avenida Carl Schlumpf, Avenida Jeanne Schlumpf (pai e mãe dos fundadores) e Avenida Royale que, como já se vê, identifica a paixão por aquele que sempre foi (é) o modelo mais carismático de toda a mostra, o Bugatti Royale.

O Museu Schlumpf atrai a atenção de todo o mundo; é a concretização de um sonho com 10 anos no qual foram investidos mais de 12 milhões de francos (à época, o equivalente a quase 1,4 milhões de euros).

Mas os tempos eram de incerteza e a primeira metade dos anos 70 do século passado é marcada por uma forte instabilidade económica. A indústria têxtil entra em crise e em 1976 os operários da fábrica HKC (dos Schlumpf) entram em greve para denunciarem a falta de estratégia e os atropelos à lei que consideravam ser prática frequente na empresa. Os irmãos Schlumpf tentam vender a empresa que acumula dívidas. Falhada essa tentativa, refugiam-se em Basileia (do outro lado da fronteira), iniciando uma longa batalha jurídica com os credores.

Em 1977 o Museu Schlumpf é rebatizado de Museu dos Trabalhadores. “Devolvê-lo-emos quando os nossos postos de trabalho na fábrica estiverem garantidos” – lê-se num panfleto distribuído à entrada que agora é gratuita. Lá dentro, na grelha de um dos carros, outra inscrição sintomática: “eu ganhava 1400 francos (140 euros) por mês. Era para isto que servia o resto do dinheiro”. No ano seguinte, temendo pelo futuro das peças expostas, o governo francês atribui à coleção o título de Monumento Histórico, o que resulta na interdição da venda de qualquer dos carros para fora do território francês. As tentativas para contornar essa determinação não são raras e para lhes por fim, a associação proprietária do Museu Nacional do Automóvel (entidade da qual fazem parte diversos organismos públicos, como a camara de Mulhouse, a Região da Alsácia, o Automóvel Clube de França ou o comité do Salão Automóvel) adquire todo o espólio por 44 milhões de francos. O valor viria a ser contestado pelos irmãos Schlumpf que 20 anos mais tarde haveriam de conseguir adicionar-lhe mais 25 milhões de francos (no total, o equivalente a cerca de 6,9 milhões de euros).

Em 1982 abre as portas o Museu Nacional do Automóvel mas… a história ainda não tinha terminado. Sete anos volvido, dando cumprimento a uma determinação do Tribunal de Paris, o Museu Nacional do Automóvel é obrigado a juntar à designação a indicação “Coleção Schlumpf”.

Têm, em paralelo, início diversos trabalhos de ampliação e melhoramento da estrutura que a 25 de março de 2000 abre finalmente as portas com o atrativo de alojar a maior coleção de automóveis do mundo. De então para cá a estrutura recebeu diversas ampliações e melhoramentos, casos da entrada, com diversas maquetas de automóveis suspensos, do restaurante e, sobretudo, da pista exterior onde aos fins-de-semana é possível ver em evolução algumas do automóveis mais carismáticos.

A nova designação, Cidade do Automóvel (www.citedelautomobile.com), resulta, precisamente, desta diversidade de abordagens ao tema automóvel, sempre numa perspetiva capaz de atrair não só os apaixonados mas também aqueles para quem o automóvel também é cultura. E é também por isso que lhe dizemos que, se planeia viajar até esta região de França (500 km a sul da Paris) esta é uma visita que não deve perder.

Júlio Santos

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