Roda elétrica: número de circo ou ovo de Colombo?

03/04/2019

Com cada vez mais utilizadores em Portugal, a roda elétrica é uma das ofertas de mobilidade urbana mais originais. Conversámos com Acácio Nuno Bernardo, utilizador frequente e fundador do grupo do facebook Roda Eléctrica PT para compreendermos este fenómeno.

O que é uma roda elétrica?

A roda eléctrica é uma ideia dos anos 80. Tornou-se recentemente possível graças ao avanço tecnológico dos microprocessadores e das baterias.

O nome do veículo que vemos hoje é uniciclo elétrico ou monociclo, como dizem em Espanha e no Brasil. É um veículo fantástico, super simples. Se pensarmos num carro ou numa mota e retirarmos o chassis, os assentos, o volante, enfim tudo. Deixarmos apenas uma roda, com um motor. Este parece invisível, pois está praticamente dentro dessa roda, ficamos com algo incrível.

Quando olhamos para ela, nem percebemos que tem um motor e por isso parece tirada de um filme de ficção científica. Depois há os apoios onde colocamos os pés e finalmente lá dentro está uma bateria e um cérebro que mantêm o veículo equilibrado.

Que especificações precisa para ser um meio de transporte e não um brinquedo?

Ao início, muitas pessoas confundiam estes veículos com aqueles brinquedos autoequilibrados, conhecidos por hoverboard, que estiveram na moda a partir do Natal de 2017. De facto, ambos são autoequilibrados, mas a semelhança pára aí.

Um veículo para poder ser usado como meio de transporte sério tem que ter uma performance semelhante ou superior a uma bicicleta. Para isso há vários requisitos. O principal, tem a ver com o tamanho da roda.

Quem já teve que passear com carrinhos de bebé na calçada portuguesa ou estrada com buracos, sabe bem como é uma tortura. É preciso ter pneus de pelo menos tamanho 14, ou suspensão para conseguir o conforto mínimo necessário.

O segundo é a autonomia, que tem que ser suficiente para fazer as deslocações diárias. O terceiro é a velocidade, que deve andar perto da mesma velocidade de cruzeiro das bicicletas, que ronda os 20km/h.

Quanto custa um modelo razoável, com especificações que permitam deslocações diárias de 15/20 km?

Os valores têm vindo a cair ligeiramente e há de vez em quando promoções que convém aproveitar porque se conseguem grandes descontos. Começam nos 350 € e vão até os 3000 €. É nas lojas online que se encontram os melhores preços.

Aconselho a pesquisar bem antes de comprar, especialmente se quiser comprar numa loja física. Alguém que use diariamente percebe muito rapidamente que é um investimento que permite fazer grandes poupanças de tempo e dinheiro e acaba por optar por um modelo com melhor autonomia. Algo por volta dos 600€ a 1500€ estará na melhor relação preço/qualidade.

De acordo com a legislação portuguesa, onde podem circular?

Na legislação portuguesa, os uniciclos são referenciados como veículos auto-equilibrados. Devem circular nas ciclovias sempre que estas estejam disponíveis. Caso contrário, têm que circular na estrada, tal como as bicicletas e as trotinetes. As bicicletas só podem circular no passeio se for uma criança até dez anos.

O seguro ainda não é obrigatório, mas, penso que poderá ser em breve, como em outros países europeus – algo como um seguro de responsabilidade civil. Quanto ao capacete, é aconselhado, mas não é obrigatório, tal como no caso das bicicletas e das trotinetes.

A esmagadora maioria dos que temos hoje a circular, estão limitados a andar perto da velocidade máxima das bicicletas nas ciclovias, que é 20 km/h. No entanto, já existem e vamos começar a ver outro tipo de veículos elétricos pessoais que podem bem andar acima dos 40 km/h. Para esses, o capacete poderá e bem, vir a ser obrigatório.

Quais as principais vantagens nas deslocações urbanas?

O que me fascinou quando vi um uniciclo elétrico pela primeira vez, foi perceber que conseguia englobar num único veículo todas as vantagens que eu procurava e só encontrava antes parcialmente em outras soluções.

Vendi a minha moto e deixei de ter despesas de impostos de circulação, seguro, gasolina e manutenção. Tem uma velocidade que me permite ir da Alta de Lisboa ao Marquês em 15 minutos. Como? Porque evita muitos semáforos e trânsito. Depois permite arrumar facilmente debaixo da secretária ou na mala do carro.

No meu caso nem preciso carregar, pois tem uma autonomia de 50 km. Permite chegar ao destino sem transpirar e sem depois me preocupar com estacionamento, roubos etc. E se precisar ir de metro ou autocarro? Tem uma pega que permite levar pela mão como uma mala com rodas!

Como vê as alterações na mobilidade urbana em Portugal?

A atual Câmara Municipal de Lisboa tem apostado na criação de ciclovias para deslocações diárias, não lúdicas. Vemos o mesmo a acontecer, talvez com menos orçamento nas cidades vizinhas.

O que falta é uma rede que interligue as periferias a Lisboa. As ciclovias são como as autoestradas dos veículos elétricos pessoais. Falta também ainda um mapa atualizado para consulta e para calcular a forma de fazer do ponto A ao ponto B, aproveitando ao máximo as vias que já existem.

Especialmente no centro de Lisboa ainda vemos muitos peões a usar a ciclovia. É preciso campanhas de sensibilização e demarcar no chão com o símbolo da bicicleta para que seja mais fácil perceber que ali não é para andar a pé.

Como reagem às pessoas quando se cruzam com vocês?

Ao início muitas pessoas não compreendem bem o que estão a ver. A reação costuma ser positiva, mas não sabem bem o que pensar.

Ainda hoje, há muitas ideias erradas, mas com o tempo tudo encontra o seu lugar. Foi assim com os carros e quem ainda se lembra de quão estranho era ver alguém a falar ao telefone em plena rua? Uns achavam que era exibicionismo, outros que era fantástico.

No final, passou a ser apenas uma função que cumpre uma necessidade e até falar ao telefone está a ser ultrapassado por outros meios de comunicação. O mesmo se passa aqui.

O que tem em comum é que são tudo coisas que se bem geridas, trazem poder e liberdade ao cidadão comum e isso é algo que devemos proteger.

Qualquer pessoa pode andar de roda elétrica?

Essa é daquelas perguntas que as pessoas na rua nem chegam a fazer — acham que será impossível alguma vez andarem numa coisa destas.

O facto de ser autoequilibrado faz parecer que o condutor tem uma super habilidade que na verdade não tem. O cérebro eletrónico da roda faz o trabalho que uma segunda roda faria, se fosse uma bicicleta, ou seja, não deixa a roda cair para a frente nem para trás. É algo que demora algum tempo a perceber, mesmo quando vemos à nossa frente. Por vezes peço às pessoas para segurarem nele com a mão para perceberem. É tão estranho que é preciso tocar para entender.

Eu nunca fui particularmente hábil com a bicicleta nem com a moto e aprendi a andar em três horas, que é a média do que tenho ouvido das outras pessoas. Pode ser uma hora por dia e em três dias está a andar. Há pessoas que demoram uma hora e há quem demore uma semana até se sentir confortável. Esta é a única desvantagem face à trotinete que demora 5 a 10 minutos a aprender.

Mas em relação às bicicletas, a diferença é que a maioria de nós aprendeu há muitos anos e já nem se lembra como foi. Mas se pegarmos num adulto que não sabe andar de bicicleta, penso que demoraria um pouco mais a aprender a andar de bicicleta do que de uniciclo.

Depois compensa imenso o esforço. Primeiro porque sentimos que temos uma habilidade nova que antes não tínhamos. Como quando se aprende a nadar. Uma sensação de realização. E por fim, ganhamos o super poder de fazer cinco ou mesmo dez quilómetos como se fossem uns poucos metros, em minutos. Sem precisar de pensar em transportes ou carros ou estacionamento. A cidade parece que encolheu!

Quais os melhores modelos e onde encontrá-los?

Neste momento as principais marcas são a Inmotion, a Kingsong, a Gotway e a Ninebot. Isto pela ordem que eu pessoalmente, neste momento, aconselharia. Penso que são todas de origem asiática.

A maioria das pessoas comprou online, de preferência dentro da Europa para evitar pagar alfândega, que é sempre um problema porque são valores relativamente elevados. Já há lojas em Espanha, Reino Unido, França, Polónia ..

E em Portugal?

Recentemente abriu uma loja em Lisboa dedicada à roda elétrica. E há uma página da Inmotion Portugal no Facebook. Também há uma empresa a vender através das lojas de tecnologia dos centros comerciais.

O que falta ainda é uma loja que dê suporte para manutenção multimarca. No caso da inmotion há uma loja em Barcelona que por menos de 30€ recolhe a roda em casa em 24h, faz a reparação e em dois dias temos a transportadora a entregar a roda em nossa casa. É o melhor caso de suporte que conheço.

As máquinas são simples, a maioria dos problemas são pneus furados e a maioria dos proprietários acaba por resolver o problema desmontando a roda e fazer a substituição de forma autónoma.

Qual é o objectivo do grupo Roda Elétrica PT em Portugal?

À semelhança de outros grupos noutros países, o nosso objetivo principal é criar um espaço de partilha que ajude as pessoas a trocar informações sobre estes fantásticos veículos e também divertirmo-nos no processo. Há sempre muitas novidades interessantes e estamos constantemente a ser surpreendidos. Os entusiastas e curiosos são muito bem-vindos, começamos todos dessa forma.

Já sabem qual vai ser a próxima iniciativa do grupo?

Estamos a planear para breve o segundo encontro. Ainda não sabemos quando, mas depois de Lisboa, estamos a pensar numa cidade no norte que é famosa pelos ovos moles…

Mais informações sobre o grupo e como pode começar a utilizar as rodas elétricas através do site oficial, aqui.

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