Relatório Way Forward: o futuro da mobilidade urbana descarbonizada

20/10/2020

Um novo e significante relatório apoiado pelo Fórum Económico Mundial defende que deverá acontecer uma transformação na área dos transportes. Isto se o planeta quiser beneficiar do Acordo de Paris relativamente às políticas de descarbonização.

O projeto Transport for Under Two Degrees (T4<2°) publicou a 8 de outubro o seu relatório Way Forward. Através deste documento defendeu-se que todos os governos em redor do mundo deveriam parar de subsidiar o automobilismo. Em vez disso, deviam construir ciclovias e passeios mais largos a fim de antecipar o provável futuro do “transporte ativo” nas cidades. Nesse sentido também foi proposto, no âmbito deste estudo, o impulsionamento do uso de transportes públicos.

A iniciativa T4<2° foi encomendada pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, também conhecido por Auswärtiges Amt. Na execução do projeto estiveram envolvidas as empresas alemãs Agora Verkehrswende e Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ). Este último grupo, o GIZ, é apresentado como um serviço de consultoria federal.

O relatório Way Forward, em desenvolvimento há já dois anos, é baseado em estudos já existentes e novas entrevistas qualitativas. Entrevistas essas feitas a especialistas internacionais do setor dos transportes e da energia. Incluindo empresas, ONG’S e governos locais e nacionais. Outros 346 especialistas seniores, de 56 países, foram questionados com pesquisas de acompanhamento.

“Tal como o estudo evidencia, a descarbonização do sector dos transportes é crucial”, começa por referir Hinrich Thölken. Além de que “é muito possível concretizar essa descarbonização tendo em conta os nossos avanços tecnológicos e as estruturas de governação internacional”, frisou o Diretor de Política de Energia e Clima da Auswärtiges Amt quando escreveu o prefácio do relatório Way Forward.

Covid-19 veio provar que é possível mudar o setor da mobilidade

O estudo T4<2° reconhece que a acentuada quebra no automobilismo durante a quarentena ajudou a provar que é possível mudarmos. “As respostas ao COVID-19 têm mostrado o potencial de uma eventual mudança sistémica no sector da mobilidade”.

Existe agora “uma oportunidade para alinhar as estruturas governamentais e o setor da mobilidade”. Caminhando-se assim para “um sistema mais sustentável, resiliente, eficiente e inclusivo”, defende-se no relatório The Way Forwards.

Documento esse onde são igualmente sublinhados dez insights chave que os legisladores de todo o mundo deveriam ter em conta para descarbonizar os seus sistemas de transportes.

Os insights dificilmente são novos: os transportes só podem ser descarbonizados se conjugados com uma massiva expansão da energia solar e eólica, por exemplo. Este e todos os outros insights estão devidamente detalhados no site do projeto.

As previsões de como iremos viajar em áreas rurais e cidades dentro de 30 anos são chocantes para aqueles que continuam apegados aos seus veículos. Os especialistas dizem que o uso de um carro pessoal nas cidades do futuro não será sustentável e os legisladores terão de legislar a remoção de carros do ambiente urbano.

Se isso acontecer, a maioria dos especialistas acredita que a total descarbonização do setor dos transportes será possível em meados do século. Contudo, esqueça as correções inteligentes. A esmagadora maioria dos especialistas concordam que, em vez de soluções tecnológicas, a população deve ser forçada a abandonar os meios de transporte que destroem o planeta.

“Não existem soluções tecnológicas que resolvam um problema social”, afirmou o diretor da empresa Agora Verkehrswende. Christian Hochfeld considera ainda que “somente os modelos de negócio que se regem pelos objetivos do Acordo de Paris são “à prova de futuro’”.

A espinha dorsal dos transportes urbanos

A maioria dos especialistas acredita que as taxas aplicadas nos combustíveis devem ser aumentadas, a fim de se desincentivar o consumo destes produtos. A par disso, “é necessário acelerar a eliminação dos motores de combustão” defendem os especialistas. Mas não pense que os carros elétricos ou os drones vão resolver o congestionamento ou outros problemas urbanos.

“Dado o seu grande consumo de energia por unidade ou por passageiro transportado, os drones continuarão provavelmente a ser um nicho da tecnologia”. Afirmam os especialistas pesquisados. O mais urgente nesta fase inicial é “reorientar o dinheiro público atualmente gasto na subsidiação do consumo de combustíveis fósseis”.

A espinha dorsal dos transportes urbanos serão: “transportes públicos, modos ativos de transporte, serviços de mobilidade partilhada”. Assim como “o planeamento urbano sustentável”. No relatório é igualmente referido que “o investimento em transportes públicos, juntamente com a promoção do ciclismo e das caminhadas, tem de ser priorizado”.

Os carros sem motorista

Elon Musk, CEO da SpaceX, vê para lá do agora. No entanto, os especialistas em transportes globais não acreditam que os veículos autónomos (AVs) irão surgir em grandes quantidades em 2030.

Além disso, afirmam, “os governadores não devem encorajar ao uso deste género que automóveis”. Isto porque “os AVs podem acarretar potenciais efeitos negativos devido à expansão urbana e dos volumes de transporte”. Assim como “por via de uma maior demanda de energia”.

Isto, afirmam os especialistas, “prova a necessidade de uma governação política que reja os AVs”. Mais especificamente, “leis que restrinjam o seu uso a determinados cenários”. Um professor de transportes e economia, cujo nome não foi divulgado, alegou que “o foco principal deve ser tirar as pessoas dos carros, não apenas do lugar do condutor”.

Os especialistas consideram também que “novas tecnologias e soluções de mobilidade apenas podem revelar o seu máximo potencial para a descarbonização se os legisladores também se focarem numa mudança do comportamento da mobilidade. Algo que surgirá através “da redução do número de lugares para carros, banindo totalmente os carros ou priorizando meios de transporte mais eficientes”, lê-se no relatório.

Elon Musk, CEO da SpaceX

Ciclismo e caminhadas devem ser novamente priorizados.

O acadêmico americano Peter Norton, autor do Fighting Traffic: The Dawn of the Motor Age in the American City, fez uma apresentação (entregue virtualmente) no lançamento do relatório. Nessa sua intervenção, Norton afirmou que “os motoristas se apoderaram das estradas das cidades num período de 30 anos”. Mais precisamente a partir de 1920, “quando as companhias de automóveis e as associações de automobilismo não estavam seguros de que iriam ganhar contra meios de transporte de massa, como os autocarros e os elétricos”.

Essas associações – que Norton rotolou de Motordom – “cometeram muitos erros, e entraram em muitos becos sem saída”, apontou Peter Norton. “Eles estudaram esses erros e aprenderam com eles. Essa foi a mais transformação do setor dos automóveis mais bem-sucedida na história do mundo”, acrescentou. Na opinião de Peter Norton, “temos muito a aprender com isso”.

Para começar, “não podemos procurar mudanças individuais nos setores da engenharia, da política e das normas sociais”, afirmou. “Cada uma, pesquisada de forma isolada, será derrotada pelas outras duas. As três devem ser integradas e procuradas em conjunto”.

O profissional acrescentou ainda que “nós devemos apresentar a mudança como algo libertador, como uma expansão de escolhas” e não como “algo restritivo ou redutor de opções”. O profissional disse ainda que “atividades como o ciclismo e as caminhadas devem ser novamente priorizadas”. Para Peter Norton, “os mais sustentáveis e inclusivos meios de deslocação são os mais fáceis e económicos de acomodar”, defende.

A título de curiosidade referir que Norton é professor de história, ligado ao departamento de engenharia e sociedade da americana Universidade de Virginia.

Meios de transporte mais eficientes e sustentáveis

Segundo previsões divulgadas através do relatório T4<2°, “os autocarros e os elétricos vão recuperar algum protagonismo”. 82% dos especialistas dos especialistas oriundos de países desenvolvidos e 96% dos especialistas oriundos de países em vias de desenvolvimento defenderam que “o transporte público será o meio dominante na mobilidade urbana descarbonizada, em 2050”.

O ciclismo será o segundo meio de transporte mais importante, acreditam 50% dos especialistas inquiridos. Estes defendem que “as bicicletas serão um meio de transporte dominante na maioria das cidades dentro de 30 anos”.

Os profissionais defendem ainda que “caminhar permanecerá um modo de deslocação fundamental para muitas pessoas”. Além da mobilidade, tanto o ciclismo como as caminhadas oferecem excelentes benefícios para a nossa saúde, lê-se no relatório Way Forward. Assim como ajudam a reduzir o custo social das chamadas “doenças de estilo de vida”, acrescentam. No documento é defendido também que estas atividades “assumem especial importância no desenvolvimento sustentável em geral”.

Os especialistas elogiaram o facto de algumas cidades do mundo terem começado a reduzir os lugares para os espaços para os carros. Tanto nas estradas como em termos de estacionamento. Elogiaram também o reaproveitamento desse mesmo espaço em prol do funcionamento de meios de transporte mais eficientes e sustentáveis. Isto, afirmam os especialistas, “vai levar a um melhor acesso para todos os grupos da sociedade”.