Fomos a França experimentar um protótipo que estreia uma série de tecnologias com que a Citroën pretende voltar a ser a referência do conforto automóvel. Bancos inspirados em colchões e uma suspensão revolucionária fazem parte do pacote, mas há mais…

Longe vai a época em que os médicos de província em França receitavam Citroen para pacientes com problemas nas costas. O lendário DS, “Boca de Sapo” para os amigos, foi um automóvel que revolucionou o conforto automóvel no seu tempo e a partir daí a marca francesa passou a ser um sinónimo disso mesmo, de conforto.

Lembro-me bem do meu primeiro carro, foi um velhinho GS comprado a meias com um amigo. Vinte contos, para cada um fingir que era o Jean-Paul Belmondo da sua rua. O carro estava velho demais para a nossa juvenil impetuosidade, mas nunca mais me esqueço do extremo conforto dos bancos e do rolamento suave, graças à sua suspensão auto-nivelante. Foi um dos 9 milhões de carros produzidos com aquele sistema que ficou para a história do automóvel com o nome de “tapete voador”.

Lembro-me bem do meu primeiro carro, foi um velhinho GS comprado a meias com um amigo. Vinte contos, para cada um fingir que era o Belmondo lá da rua

Agora, uns bons anitos depois, a Citroen pretende desenrolar de novo a filosofia do “tapete voador” e voltar a ser referência absoluta em matéria de conforto. A próxima geração de modelos da marca francesa vai receber um completo tratamento tecnológico chamado Citroen Advanced Comfort, que inclui uma nova e revolucionária suspensão, bancos inspirados em colchões e novos processos de fabrico para reduzir vibrações.

Foi para conhecer estas tecnologias que a Citroen nos levou a França para um workshop sobre conforto automóvel e conduzir um protótipo que integra já este novo pacote tecnológico a ser adotado em toda a gama de novos modelos do double chevron.

Conforto é a ausência de desconforto

Quando entra numa loja de móveis e procura um sofá confortável a primeira impressão que conta é sempre a visual. “Aquele ali, tem um ar confortável”. Depois experimenta sentar-se uns cinco minutos para tentar projetar como será o conforto ao longo da sua utilização. As lojas de sofás, que eu saiba, ainda não oferecem test drives aos seus sofás para poder perceber se serão mesmo confortáveis e não raras vezes alguns modelos acabam por se tornar tortuosos ao longo da vida.

Com os carros não é exatamente a mesma coisa, mas a impressão visual que transmite conforto e qualidade de vida a bordo pode acabar por ser traída pela cruel realidade da utilização.

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O responsável de projeto do Citroen Advanced Comfort explica que vários factores concorrem para o conforto de um automóvel, todos eles se podiam resumir a um único objetivo — conforto é a ausência de desconforto: “Se há um aspecto ou um componente em que um carro se revela desconfortável, ele pode ser bom em tudo o resto, mas o condutor vai achar sempre que o carro é desconfortável, por isso não podemos descurar nenhum dos aspectos valorizados pelos cliente para essa perceção”.

O conforto dinâmico das suspensões e amortecimento ou a envolvência dos bancos, não são por isso os únicos fatores determinantes do conforto a bordo.

A posição de condução, a visibilidade, a qualidade de construção e dos materiais, a ausência de ruídos ou vibrações, a funcionalidade, a ergonomia, a facilidade de condução, os espaços de arrumação, a capacidade da bagageira, o acesso ao habitáculo ou os sistemas de infoentretenimento, são alguns dos elementos que contribuem para essa percepção global de conforto. Se algum deles falha clamorosamente, compromete todos os outros.

A Citroen está consciente que a própria definição de conforto está em permanente evolução, à mesma velocidade que os estilos de vida e a tecnologia. Por isso a marca identificou cinco novas realidades que condicionaram o trabalho de engenharia.

1º Os trajetos fragmentados: Atualmente a maior parte das deslocações são feitas em percursos curtos e essencialmente citadinos.

2º Novas formas de conduzir: Os sistemas de auxílio à condução a proliferação de caixas automáticas estão a produzir novas formas de conduzir.

3º Multitasking: Os sistemas de infoentretenimento, a conectividade com smartphones e as solicitações da vida moderna obrigam o condutor a desempenhar múltiplas tarefas.

4º Agressividade do ecossistema rodoviário: A tranquilidade a bordo é cada vez mais penalizada por fatores de agressividade externos, como os engarrafamentos, o fluxo de trânsito ou as condições climatéricas.

5º Topologia das rede viárias: Das cidades às autoestradas, as redes viárias têm sofrido inúmeras transformações que vão desde o tipo de piso, à sinalização ou à conservação e isso tem reflexo no conforto a bordo.

Combinando todas estas novas variáveis com permissas clássicas do conforto estático e conforto dinâmico de um automóvel, a Citroen desenvolveu um conjunto de tecnologias capazes de devolver à marca o seu estatuto como marca de referência de conforto sobre rodas. Vamos então conhecê-las em maior detalhe.

1 – Suspensão revolucionária

As suspensões que filtram bem as irregularidades do terreno são quase uma imagem de marca da Citroen. Desta vez e graças a um conjunto de inovações protegidas por vinte patentes industriais, a marca francesa promete voltar a revolucionar no quadro do conforto de rolamento. A síntese do sistema pode chamar-se de duplo batente hidráulico, que permite à suspensão trabalhar em dois tempos — extensão e compressão — em função das solicitações,  evitando dissipações de energia que têm sempre efeitos nos movimentos verticais e longitudinais do chassis. Desta forma a Citroen promete maximizar a eficácia da sua suspensão, elevando os patamares de conforto com um sistema mecânico que não depende da electrónica, o que lhe garante ainda uma maior fiabilidade.

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2 – Bancos são como divãs

Quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga, ou bancos são como divãs, podiam ser duas rapsódias musicais para explicar o trabalho feito pela Citroen nos seus novos bancos.

De facto o corpo é o melhor juiz do conforto de um automóvel e por isso convém tratá-lo bem, com bancos capazes e confortáveis. Os bancos contribuem para a filtragem de vibrações do veículo e das oscilações da estrada, por isso são uma peça fundamental para o conforto estático e dinâmico de um automóvel.

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Para melhorar o conforto dos bancos, a Citroen foi buscar inspiração aos colchões e passou a considerar outras áreas de aplicação, em especial materiais para camas, área na qual a memória da forma do corpo constitui o máximo em matéria de conforto: “Graças ao uso de várias camadas de materiais específicos, a Citroen desenvolveu bancos que se adaptam perfeitamente à morfologia dos passageiros, oferecendo uma abordagem inédita em conforto macio num automóvel. Graças às suas propriedades, os bancos regressam à sua forma original entre a passagem de dois ocupantes”, pode ler-se no comunicado.

3 – Colagem estrutural da carroçaria por traços

Esta é a parte que já é preciso ter passado no exame de admissão do Técnico para explicar. Como não foi o meu caso, passo a palavra ao engenheiro responsável da marca: “Uma vez cumprida a função de amortecimento por parte da suspensão, as solicitações decorrentes das deformações do piso são transmitidas à carroçaria. O recurso à técnica de colagem estrutural vai permitir a redução desse fenómeno de forma significativa, para um incremento global da rigidez. O processo industrial de colagem, específico da Marca, permite a montagem da carroçaria em bruto através de cordões de cola descontínuos. Em cada interrupção de um cordão de cola, um ponto de soldadura elétrica finaliza a montagem. Esta técnica de colagem permite garantir uma montagem por soldadura/colagem sem os gases tóxicos gerados pelas soldaduras sobre a cola.”

Ficou claro? Em resumo, novo método de fabrico, mais ecológico e que permite melhorar a rigidez estrutural da carroçaria sem afetar o peso, o que tem reflexos no conforto.

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Agora vamos ver como é que tudo isto se reflete na condução. Estacionados à porta do Chateau onde decorreu a apresentação, estão estacionados três Citroen C4 Cactus, dois deles normais e um que é um protótipo com todas estas tecnologias. Vamos para a estrada jogar ao jogo do “descubra as diferenças”.

Não entorne o café no tapete

Uma boa maneira de medir a eficácia da filtragem de um automóvel é colocar um copo de café a meio no porta-copos e fazer a mesma estrada duas vezes com dois automóveis diferentes. Aquele que não cuspir gotas de café para fora, ganha.

Não foi exatamente isso que fizemos, mas o exercício era comparar o comportamento em estrada de um C4 atual com o protótipo equipado com as tecnologias que a Citroen quer incorporar em todos os seus futuros modelos. E, as diferenças são óbvias e perceptíveis logos nos primeiros quilómetros, e não é só o “pisar” da suspensão em lombas ou asfalto irregular, que melhora substancialmente, é também a redução de ruídos e vibrações da carroçaria, transmitindo uma maior sensação de qualidade e robustez que se nota assim que se pega no volante.

O exercício era comparar o comportamento em estrada de um C4 atual com o protótipo equipado com as tecnologias que a Citroen quer incorporar Nos seus futuros modelos

Só em relação ao material dos bancos não posso ser tão afirmativo, até porque uma das suas qualidades, a memória do corpo dos ocupantes, não pode ser medida por apenas um dos ocupantes.  Ainda assim, a verdade é que a Citroen tem fundadas esperanças neste seu novo pacote tecnológico que pode devolver aos seus carros o estatuto de tapetes voadores das estradas.

O único desconforto que senti mesmo ao volante deste protótipo, foi saber o seu preço, quando passava por mim um trator de ombros largos numa pequena estrada rural francesa.

Rui Pelejão, em Paris