Por: Fátima Ferrão / Dinheiro Vivo
Além disso, “é a única indústria que consegue registar o equivalente a uma patente por dia na Europa”, revela José Couto. Para o presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA), esta capacidade de inovação e de apresentar soluções criativas e tecnológicas aos clientes explica a confiança de vários fabricantes de automóveis europeus, e mostra que tem capacidade de reforçar esta presença internacional. No entanto, admite, “é preciso dar resposta a algumas questões, nomeadamente, no reforço de infraestruturas e logística”.
Elevado à categoria de “construtor automóvel” por ter ultrapassado uma capacidade de produção superior a 300 mil unidades, Portugal está hoje à frente de países com tradição na indústria automóvel, como é o caso da Suécia ou da Holanda, “e este posicionamento é muito importante para o cluster nacional, e fundamental na nossa economia”, afirma Hélder Pedro, secretário-geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP). Recorde-se que o peso deste setor no Produto Interno Bruto (PIB) ronda os 2,4%.
Atualmente, a indústria automóvel conta com quatro polos agregadores – Aveiro (Toyota e Renault), Mangualde (Stellantis), Tramagal (Mistsubishi Fuso) e Palmela (Autoeuropa) -, mas, aponta o representante da ACAP, “conseguir mais uma fábrica seria muito importante para o país”.
Assim, o setor automóvel emprega 150 mil pessoas e é aquele que gera mais receitas fiscais para o Estado, que arrecadou, em 2023, mais de nove mil milhões de euros.
Não obstante o esforço de atração de investimento que continua a ser feito a nível nacional, importa destacar a capacidade de transformação, de reforço e de investimento das empresas que já têm presença em Portugal. Esta semana arrancou com o anúncio do início da produção de oito modelos 100% elétricos na fábrica da Stellantis, em Mangualde que, desta forma, se tornou a primeira a produzir veículos de passageiros e comerciais ligeiros em larga escala em solo luso, depois de um investimento global de 119 milhões de euros, ao abrigo do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência). Os novos veículos, das marcas Citroën, Fiat, Peugeot e Opel, serão comercializados no mercado doméstico, mas seguem igualmente para exportação.
Ameaças olhadas como oportunidade
Apesar da crescente competitividade, o presidente da AFIA acredita que o país tem argumentos suficientemente fortes para manter a atratividade. Aquele responsável destaca, por exemplo, o elevado nível de qualificação dos profissionais do setor ou a capacidade de ligação com centros tecnológicos, universidades e centros de produção de serviços, a par com a digitalização do setor e o caminho que tem feito ao nível da sustentabilidade ambiental.
Em termos da gestão ambiental, lembra Helder Pedro, o setor tem enormes desafios impostos pela União Europeia, nomeadamente, no processo industrial, na reciclagem de componentes ou na economia circular. Esta última, salienta, “contribui para a sustentabilidade ambiental, mas ajuda igualmente a combater a escassez de matérias-primas com que a Europa se debate”.
Por outro lado, a aposta em nichos muito especializados poderá, na opinião de Rodrigo Ferreira da Silva, criar boas oportunidades de desenvolvimento à vertente industrial do setor automóvel. Na transformação de veículos – adaptação de veículos depois de fabricados -, sublinha o presidente da Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN), “poderíamos estar a fazer o dobro porque temos know-how e capacidade”. A título de exemplo, o responsável da ARAN explica que este é um mercado que transforma diferentes tipos de veículos em ambulâncias, carros de bombeiros, camiões-gruas, autocarros em clínicas, entre outros, e que soma mais de duas centenas de empresas.
Mas, para desenvolver este mercado são precisos apoios, como defende Rodrigo Ferreira da Silva. Em primeiro lugar, diz, é preciso reduzir os custos da energia para garantir uma logística mais barata, mas também é fundamental desburocratizar. “Esta é uma atividade que exige muitas homologações e inspeções, pelo que necessitamos de um IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes] mais envolvido e próximo do terreno”.
De forma mais transversal ao setor, Helder Pedro destaca também a importância de medidas fiscais “mais amigas das empresas”, justiça fiscal e económica mais célere, e de uma legislação laboral compatível com as reais necessidades, como forma de garantir competitividade e maior capacidade de investimento, mas também de atratividade face a novos investidores internacionais.
Do lado do comércio automóvel, o ano de 2024 não está a corresponder, para já, às expectativas. O primeiro semestre espelha um crescimento ligeiro, como revela Rodrigo Ferreira da Silva, muito por via da matrícula de viaturas encomendadas em 2023, mas entregues apenas no primeiro trimestre do ano, e também por algum crescimento motivado pelas compras realizadas por empresas de rent-a-car, por altura do período da Páscoa.
Contudo, explica o presidente da ARAN, apesar de as empresas estarem a comprar e a renovar frotas, o cliente particular não está a comprar novo. “O preço dos combustíveis que se mantém elevado, as taxas de juro ainda altas e alguma indecisão face à tecnologia subjacente aos veículos elétricos está a roubar espaço de manobra aos investimentos das famílias”.
Este contexto está, no entanto, a fazer crescer as vendas de veículos importados o que, na opinião de Rodrigo Ferreira da Silva, está a colocar no mercado carros mais antigos e mais poluentes, e a impedir a renovação que o parque automóvel nacional tanto necessita.
Passo a passo, a venda de veículos 100% elétricos e híbridos tem estado a ganhar espaço no mercado nacional, apesar de estar longe das metas definidas para 2030 (chegar aos 35% de penetração na frota de veículos ligeiros).
Essencial ao desenvolvimento deste mercado será também a paridade de preço entre o veículo elétrico e os de combustão, na altura da aquisição. “É importante que se alcance o mais rapidamente possível, com a ajuda de uma política de incentivos, e com a evolução da infraestrutura de carregamento”, defende o presidente da UVE.