Ni Amorim e as apostas da FPAK: “Recuperámos o interesse das marcas e isso é fundamental para o desporto automóvel”

Habituado a dominar as potentes máquinas de corrida, Ni Amorim tem nas mãos a missão de revitalizar a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK). O desporto automóvel continua a arrastar multidões no país mas reclama, há décadas, um esforço de reestruturação, modernização e promoção. Aos 55 anos, este é o projeto de vida de um português que correu o mundo… a alta velocidade.

M24 – No final de junho tomou posse como o quinto presidente da história da FPAK (depois de César Torres, Vasconcelos Tavares, Luiz Pinto de Freitas e Manuel Mello Breyner). Qual é o balanço global destes primeiros sete meses de mandato?

Ni Amorim – É um balanço positivo e inicialmente tivemos que nos focar na definição dos calendários e dos regulamentos, um processo onde há sempre vários fatores a conciliar. Concluímos esse trabalho e no dia 31 de dezembro tínhamos tudo publicado, com exceção das Regularidades, que é um processo que esperamos concluir em breve.

Fizemos uma reestruturação em termos de recursos humanos e colocámos em marcha a descentralização dos serviços da FPAK. Vamos ter a coordenação técnica e desportiva no Porto, num espaço no centro histórico que nos será cedido pela Câmara Municipal do Porto. A sede permanecerá em Lisboa, com toda a parte de marketing institucional e a área financeira. Contratámos gente jovem para reforçar a parte técnica e houve também um investimento ao nível da informática. Neste momento, por exemplo, já estão disponíveis as licenças online e os clubes também já se podem inscrever no site da FPAK. Todos os nossos oficiais de prova estarão ligados ligados em rede, para comunicarem o que está a acontecer nas 300 provas que se disputam por ano no nosso país, que é um número enorme, uma loucura que queremos corrigir. Com 200 provas o resultado operacional da FPAK era o mesmo e a qualidade das provas iria certamente aumentar.

Entretanto, também reunimos com os diferentes organismos do Governo, tivemos que apresentar cumprimentos e dizer ao que vínhamos. Posso dizer que fomos muito bem recebidos, construímos excelentes relações que, acredito, serão muito importantes para o futuro do automobilismo em Portugal. Ao nível das marcas, passámos a ter quatro marcas associadas aos nossos campeonatos: já tínhamos a Citroën e chegaram também a Kia, a Hyundai e a Peugeot. Como ex-piloto, recordo-me que os melhores anos do automobilismo em Portugal foram quando as marcas estiveram envolvidas, porque as marcas não têm apenas budget para fazer correr os carros; têm um budget para o marketing e comunicação, e assim fala-se do automobilismo de uma forma transversal. Recuperámos o interesse das marcas e isso é fundamental para dinamizar o desporto automóvel. Permite-nos ter melhores provas, mais participantes, maior promoção e também maior responsabilidade da FPAK.

Ao nível das marcas, passámos a ter quatro marcas associadas aos nossos campeonatos: já tínhamos a Citroën e chegaram também a Kia, a Hyundai e a Peugeot

A comunicação e promoção são também uma aposta muito forte e estabelecemos um acordo com o Global Media Group (detentor do Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo, TSF, Dinheiro Vivo e Motor24), que nos vai permitir ativar as nossas provas junto de diferentes públicos. O IPAM (Instituto Português de Administração e Marketing) está neste momento a produzir um estudo sobre como comunicar a marca ‘automobilismo’ e esse documento será entregue em julho. Também renovámos o acordo com a Movielight (produtora de televisão) até ao final de 2018 e continuaremos a fornecer as peças aos canais onde já eram distribuídas. Este fim de semana teremos uma novidade em Fafe que é o live streaming da Super Especial do rali. Vamos tentar alargar estes live streamings a todas as Super Especiais dos ralis, aos Prólogos do TT e às provas da Velocidade. Fizemos duas experiências no ano passado com o live streaming no Circuito de Braga e na Taça de Portugal de Karting e, segundo os dados da Sapo, que é quem faz a contabilização das visualizações, os resultados online foram francamente animadores. A produção é, obviamente, cara mas acredito que são transmissões muito importantes para o público, sponsors e intervenientes.

M24 – Que exemplos ou ideias trouxe da sua carreira de piloto e organizador de eventos para o seu projeto na FPAK?

Ni Amorim – Uma das razões que me levou a pensar em tudo isto foi o facto de ter estado 18 anos a correr fora do país e, quando regressei, estava tudo praticamente na mesma. Não tinha havido grande evolução. Como piloto percebi, obviamente, quais eram os campeonatos que eram bem organizados e por que razão. Gostaria de transpor essas práticas para a nossa realidade. Gostaria que, quando este mandato terminasse, tivéssemos evoluído, que tivéssemos menos provas mas com mais qualidade, que tivéssemos mais praticantes.

Felizmente, a dívida bancária da FPAK terminou em janeiro deste ano e os acordos com outros credores vão ser cumpridos até junho, o que significa que a FPAK poderá alocar os seus recursos de outra forma. Durante a campanha reconheci esse mérito ao anterior presidente. A direção da FPAK como um todo, e aqui incluo todos os diretores nos seus respetivos pelouros, precisa de ter imaginação e critério para investir de forma acertada. Queremos aumentar as receitas da FPAK sem recorrer aos meios habituais, que é o aumento das licenças dos praticantes e dos clubes. E a este respeito convém esclarecer que, em alguns campeonatos, o valor de inscrição de que os clubes pagam à FPAK aumentou porque já tem incluído o serviço de cronometragem, que é um serviço cuja qualidade é fundamental até para garantir a verdade desportiva.

M24 – Nota-se uma grande preocupação com o karting e com a captação de mais praticantes para a modalidade. Quais são as principais barreiras que pretende derrubar no acesso ao desporto automóvel em Portugal?

Ni Amorim – É um tema complicado e ninguém tem uma varinha mágica para resolver esse problema. Na FPAK temos um responsável por essa área, o engenheiro João Rito, que é uma pessoa muito sensata e muito conhecedora do karting, que em conjunto com os pais e os promotores do Campeonato Nacional e do troféu Rotax tem tentado perceber o que se pode fazer para melhorar o karting em Portugal. Desde logo os calendários, que têm de considerar os calendários escolares. Fazer uma regulamentação que seja acessível a todos e dar-lhes maior promoção.

Estamos a fazer um investimento na captação de novos praticantes, num projeto delineado por Barbosa Ferreira, a Kart Kid Race School, onde os jovens poderão correr a preços simbólicos, com karts novos, pneus novos, tudo novo. Claro que isso só será possível se houver quórum, se existirem pilotos. Mas começa tudo aqui, na captação. Se uma criança de 6 ou 7 anos gostar da experiência terá maior probabilidade de praticar este desporto.

Temos outro projeto em curso que é a transição do karting para o mundo dos automóveis. Neste momento, a regulamentação FIA permite que um piloto de 16 anos possa correr em provas de estrada, nos ralis apenas nos troços cronometrados, e no caso da velocidade em provas como o troféu Kia.

Estamos a fazer um investimento na captação de novos praticantes com um projeto chamado Kart Kid Race School, onde os jovens poderão correr a preços simbólicos, com karts novos, pneus novos, tudo novo

Não tenhamos ilusões: um piloto que tenha ambições de imitar as nossas grandes referências tem que ir para as fórmulas de promoção no estrangeiro. Já o piloto que queira prosseguir carreira nos automóveis, competindo num troféu de baixo custo, mas com carros novos, poderá ter essa oportunidade em Portugal no troféu Kia. E desde muito novo vai saber o que é representar um patrocinador, o que é ter uma tenda no paddock onde recebe os seus convidados, terá ‘VIP laps’ para mostrar a emoção deste desporto. Ou seja, terá uma experiência pedagógica dentro e fora da pista. A FPAK vai avaliar os campeões nacionais de karting de 2018 que cumpram o requisito mínimo dos 16 anos e o melhor piloto do grupo, avaliado de uma forma profissional, terá direito a uma época paga no troféu Kia em 2019.

M24 – O Campeonato de Portugal de Ralis está prestes a começar e o parque automóvel é muito interessante na categoria de topo (R5). Temos cinco campeões nacionais no plantel, há o regresso do bicampeão do Mundo de Produção, Armindo Araújo, e a chegada da Hyundai, que se junta à Citroën. De que forma é possível manter todo este interesse e estes nomes consagrados no Nacional de Ralis promovendo o aparecimento de novos valores numa modalidade cuja média de idades algo elevada?

Ni Amorim – Teremos duas novidades que podem ser importantes nesse aspeto: o troféu Peugeot 106, incluído no Campeonato de Ralis Norte, que poderá lançar pilotos para o Campeonato de Portugal de Ralis. E depois a Peugeot Rally Cup Ibérica, com um carro mais moderno e competitivo, o 208 R2, com três provas em Portugal e três em Espanha, com prémios muito interessantes e o apoio direto da Peugeot Portugal e Peugeot Espanha. Os ralis, segundo os dados que temos ao nível do número de espectadores ao vivo e das audiências televisivas, continua a ser a modalidade mais popular em Portugal. Vamos proteger estas duas iniciativas, que chegaram agora aos nossos campeonatos, e depois faremos uma avaliação do seu impacto.

M24 – A época dos ralis está a começar mas quais são as perspetivas para os campeonatos nacionais de Velocidade, Todo-o-Terreno, Montanha e Off-Road?

Ni Amorim – A Montanha está boa e recomenda-se. A APPAM e os clubes estão de parabéns e continuarão a ter todo o apoio da FPAK. Na Velocidade sabemos que alguns pilotos do TCR vão correr no estrangeiro, o que por um lado é uma boa notícia porque vão tentar progredir nas suas carreiras, mas por outro significa que deveremos ter cerca de 11 carros na grelha, quando pretendíamos ter 14 ou 15. O Off-Road tem vindo a subir em termos de inscritos e de interesse. Há um promotor no Off-Road que vai ajudar a divulgar uma modalidade que está na moda devido ao Ralicross, devido aos construtores no Mundial e aos pilotos de renome. E é importantíssimo o facto de termos uma prova portuguesa no Campeonato do Mundo de Ralicross. Já o Todo-o-Terreno é talvez o campeonato mais imprevisível apesar de estarmos a trabalhar para termos seis boas provas no campeonato. Já nomeámos as nossas duas bajas que farão parte da Taça Ibérica e usando o princípio da rotatividade serão as bajas de Reguengos e do Algarve. Se conseguirmos o live streaming dos Prólogos daremos um passo em frente em termos de promoção, até porque o naming do campeonato em 2018 será da empresa AFN.

O Off-Road tem vindo a subir em termos de inscritos e de interesse. Há um promotor no Off-Road que vai ajudar a divulgar uma modalidade que está na moda devido ao Ralicross

Na Madeira, atendemos às especificidades da região, que são diferentes das dos Açores ou do continente. Conseguimos reunir o apoio de mais de 70 por cento dos intervenientes e estou certo que teremos um dos melhores campeonatos de ralis e de Montanha dos últimos anos na Madeira. A FPAK também conseguiu, com a ajuda do nosso responsável na Madeira, Pedro Calado, a renovação por mais três anos do contrato com o main sponsor dos campeonatos madeirenses, as Cervejas Coral, que irá incrementar o valor deste apoio, que é canalizado para os clubes. Outra grande novidade para 2018 é o facto de os campeonatos de Trial e de Drift passarem a estar sob a alçada da FPAK.

M24 – Acha que é possível termos o regresso dos circuitos da Boavista e de Vila do Conde a curto-médio prazo?

Ni Amorim – Sobre a Boavista posso dizer que tive uma reunião com o Dr. Rui Moreira e fiquei a perceber duas coisas: primeiro, que ele está muito bem informado sobre corridas de automóveis, mais do que alguma vez imaginei; e depois que não há qualquer má-vontade ou resistência para com o Circuito. Trata-se apenas de uma questão de budget. A Câmara Municipal do Porto tem apoiado diferentes eventos de desporto motorizado nos últimos anos, desde a Red Bull Air Race, ao Mundial de Motonáutica e à Porto Street Stage do WRC, que vai ser repetida este ano. São eventos que exigem um investimento de centenas de milhares de euros. A Câmara está na disposição de suportar uma parte dos custos que o Circuito envolve mas é preciso garantir a outra parte. E isso não é fácil.

O cenário de sonho era voltarmos a ter os circuitos de Vila Real, Boavista e Vila do Conde

Em termos de circuitos citadinos não estamos confinados à Boavista porque também temos vindo a trabalhar com a Dra. Elisa Ferraz, presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde. A FPAK criou uma comissão de trabalho para elaborar um projeto de circuito que não desfigurasse o trabalho de requalificação feito na zona reta da meta. Temos orçamentada uma verba para minimizar os impactos dessa intervenção. Por altura do Natal, a Dra. Elisa Ferraz indicou-nos que faltava tomar a decisão política, que queria ouvir as populações, e que depois nos dará uma resposta. Se a resposta for positiva, vamos concretizar o projeto e o investimento. Claro que o cenário de sonho era voltarmos a ter os circuitos de Vila Real, Boavista e Vila do Conde.

Por: Ricardo S. Araújo

Imagens: Zoom Motorsport e Hellofoto