Após uma ausência de mais de uma década, Miguel Barbosa estará de volta ao Dakar na edição de 2022, a qual voltará a ter lugar na Arábia Saudita. Ao volante de uma Toyota Hilux e com Pedro Velosa no lugar do navegador, o piloto ambiciona efetuar uma prova regular e segura que lhe permita chegar ao final antes de pensar noutros voos.

Numa temporada em que direcionou esforços para montar o projeto com que irá ao Dakar, Miguel Barbosa espera que a experiência acumulada noutras edições do Dakar (ainda que noutros pontos do globo) e no Campeonato de Portugal de Todo-o-Terreno (CPTT), no qual tem oito títulos de campeão, possa ajudar a levar a bom porto mais esta aventura naquela que é a prova de todo-o-terreno mais dura do mundo.

Com efeito, a participação no Dakar não é uma novidade absoluta para Miguel Barbosa, tendo competido anteriormente nas edições anteriores em África e na América do Sul, tendo sido em 2010 a sua última inscrição nesta prova. A expectativa para este seu regresso, agora na Arábia Saudita, é grande, admitindo que, do seu lado, efetuou a melhor preparação possível, atendendo ao facto de não ter conseguido competir em provas de características semelhantes às do Dakar por razões financeiras.

“Vamos inseridos numa excelente estrutura, com muita experiência no Dakar, o que eu acho que é fundamental numa prova como esta – ir numa estrutura com muita experiência, com vários carros e com bom apoio técnico. Temo-nos preparado fisicamente. Nesse aspeto, a preparação está a correr muito bem”, garante o piloto em entrevista ao Motor24, assumindo estar preparado para os desafios da prova mesmo sem ter participado em provas de filosofia idêntica ao longo de 2021 em preparação para a competição saudita.

“O Dakar mete sempre respeito, porque é sempre um Dakar. Obviamente, não fazemos nenhuma prova deste tipo há quase 12 anos, portanto sabemos que é um longo período. Em termos de percurso, não me preocupa tanto porque fizemos África, América do Sul e é o que for… No fundo, é o que encontrarmos. Agora, acho que temos de estar mentalizados que temos esse ‘gap’ em termos de preparação”, explica Miguel Barbosa, observando também que este é o arranque para um projeto de vários anos, pelo que a classificação será algo de secundário em 2022.

“Temos de ter em mente que é um projeto que não é apenas de um ano. Digamos que este é o ano de arranque. No fundo, é fazer quilómetros, fazer uma boa classificação e chegar ao fim. Penso que se fizermos isso tudo, os resultados vão aparecer no fim, mas não é a nossa principal preocupação. A nossa principal preocupação é fazer um bom trabalho, fazer um Dakar ‘limpo’ – temos um bom carro, uma boa equipa e um bom navegador”, garante. Por outro lado, o piloto admite que o principal desafio passará pela nova forma de lidar com os ‘roadbooks’ da prova.

“Acho que a navegação vai ser um ponto-chave, talvez seja o ponto mais diferente do que eu apanhei noutros Dakar. A navegação mudou bastante, assim como a interpretação do ‘roadbook’. Talvez seja essa a parte em que estou mais expectante para ver qual será a nossa adaptação a esta nova forma de navegação. Os ‘roadbooks’ são entregues logo pela manhã, não há tempo de preparação de um dia para o outro. Penso que as atenções vão ter de ser redobradas. Penso que será um ponto-chave”.

Uma das poucas preocupação do piloto não está, curiosamente, no aspeto competitivo, mas sim no aspeto sanitário relacionado com a progressão da pandemia. “Não escondo que isto me preocupa um bocado, a Covid-19, porque o ano passado houve pilotos a ficarem em terra e é muito fácil isso acontecer. Houve diferentes casos de pilotos que apanharam antes e não puderam partir, outros que deram positivo à chegada, um pouco de tudo. Mas vamos controlando…”, admite.

Sem pressão de resultados

Antevendo essa postura mais segura e apostada em terminar a prova, Miguel Barbosa admite que é preciso mudar o chip para esta aventura saudita, sobretudo na questão dos resultados.

“Para nós, que normalmente entramos em todas as provas para discutir a vitória, é sempre difícil saber que não vamos entrar com esse espírito, mas temos de ter noção de que estamos noutro campeonato. O todo-o-terreno também está a mudar em termos de regulamentação: a 1 de janeiro entra em vigor a nova regulamentação com os novos T1+ e com estes carros de novas energias, como é o caso da Audi. Temos as equipas de fábrica, creio que vai ser um ano de muitas novidades e vamos ver onde é que nos vamos situar. Sabemos que temos ritmo, sabemos que podemos fazer uma boa prova, mas temos de ser realistas. É imprimir o nosso ritmo em segurança: o objetivo número um é acabar o Dakar, que será um excelente objetivo e creio que o resultado virá por acréscimo se estivermos focados nisto. Mais para a frente, como disse isto é um plano a médio prazo, podemos então começar a pensar em fazer alguns resultados mais interessantes na linha do que vínhamos a fazer em que a cada ano melhorávamos os nossos resultados do Dakar e acho que é isso que vai acontecer”, afirma.

No entanto, questionado quanto à duração deste seu programa de participações, o piloto admite que “ainda é cedo para falar nisso, porque só os patrocinadores é que vão ditar esse espaço temporal”, embora adiante que poderá ser algo entre três a cinco anos. “Ou seja, no terceiro ano, começar a aparecer com um bom patamar de resultados e a partir daí começar a capitalizar. Mas os patrocinadores é que vão mandar nesse capítulo”.

O tradicional contra o novo

A edição de 2022 será a primeira de uma nova era para o Dakar, na medida em que a nova regulamentação dos T1+ permitirá modelos mais robustos para as equipas de fábrica, como a Toyota, mas também a introdução de regulamentação para os automóveis de energias alternativas, com a entrada sonante da Audi já em 2022. Nesta mescla de novidades, Miguel Barbosa admite que os modelos mais convencionais poderão ter alguma vantagem.

“Para este ano, acho que o mais seguro será sempre o tradicional, aquilo que conhecemos – os carros estão testados e retestados. O [regulamento] T1+ é um passo na direção certa, os carros de TT já mereciam essa evolução, porque estavam muito limitados a meu ver. Sempre defendi que devíamos ter um maior custo de suspensão, carros mais largos, rodas maiores… No fundo, um pouco à semelhança dos Estados Unidos. Penso que isso também pode reduzir os custos e traz mais segurança e maior espetacularidade à prova e para o público. Os [modelos de] novas energias acho que são um ponto de interrogação. Obviamente que quem está por detrás do projeto está para fazer bem: quando vemos a equipa que está associada, a marca Audi e os pilotos em causa sabemos que é para fazer algo muito bom. Agora vamos ver o que daí resulta”, admite, acrescentando ainda que é um ponto positivo para o desporto.

“O desporto serve para isso mesmo, para desenvolver este género de tecnologias, mas há outros caminhos também a serem desenvolvidos, com os biocombustíveis e os combustíveis sintéticos. Vemos a Fórmula 1 e o Mundial de Ralis a olharem para isso e parece mais plausível, mas temos de ter os braços abertos a todas [as tecnologias]. Penso que vai ser um ano engraçado nisso, porque vai ser o ano zero quer na categoria T1+, quer na categoria de novas energias”.

Já a lista de favoritos compreende os nomes do ‘costume’, com Miguel Barbosa a apontar Stéphane Peterhansel, Nasser Al-Attiyah ou Carlos Sainz, incluindo também alguns ‘outsiders’ de renome como Sébastian Loeb ou Nani Roma.

Horizonte sem definição

No horizonte além do Dakar, o octacampeão nacional de TT admite que ainda pouco está definido, até porque uma prova deste género absorve a grande quantidade do orçamento.

“Agora, temos de apostar mais neste tipo de provas. Se é aqui que queremos estar, não vale a pena dispersarmo-nos no campeonato para já. Ainda não temos nada planeado para 2022. Neste momento, estamos plenamente focados no Dakar. Quando voltarmos, logo veremos com os patrocinadores o que é que será, mas o grande foco é o Dakar”.