Ensaio Nissan 370Z Nismo: Velha guarda

01/10/2017

Mais confortável, sóbrio e silencioso. O Nissan 370Z Nismo podia ter-se transformado num desportivo chato, mas não. Mantém o espírito Nismo e, apesar de mais civilizado, uma saudável atitude desafiadora das normas.

Goste-se ou não do género, os desportivos japoneses conquistaram um merecido lugar no quadro de honra da indústria automóvel. De uma forma genérica, são simples na conceção, apostando numa ligação primária entre o condutor e a máquina. Quanto menos filtros houver, mais pura será a experiência de condução. Uma filosofia fácil de identificar em modelos como o Mazda MX-5, o Toyota GT-86 ou o Nissan 370Z. Este último tem na derivação Nismo o expoente máximo desta cultura. Tração traseira, caixa manual, V6 atmosférico mais potente, suspensão firme e uma orgulhosa asa traseira marcaram o caráter exclusivo do primeiro Nissan 370Z Nismo. Sucesso absoluto entre os seguidores da filosofia desportiva oriental. Mas não obteve consenso.

Influenciado pelo posicionamento sofisticado da indústria ocidental, o mercado europeu recebeu o Nismo com desconfiança. A asa traseira parecia deslocada, como um convite para o mundo das corridas de rua. A suspensão era demasiado seca para uma utilização diária, enquanto o motor era muito ruidoso em autoestrada. Quem, como nós, gosta de automóveis reconhece nestas caraterísticas os traços da personalidade forte do 370Z Nismo. Como este feitio passa facilmente por defeito, a Nissan limou algumas arestas.

Efeito de solo
A primeira e mais notória intervenção foi a substituição da asa traseira por um spoiler. Mais discreto, o apêndice aerodinâmico maximiza o efeito de solo criado pelo novo lábio dianteiro e pelo extrator traseiro. Uma perda de identidade, para quem não resiste à imagem de “street racer”, compensada por novos e mais agressivos para-choques.

No interior, o desportivo puro e duro reveste-se com novos tapetes, projetados para melhorar a insonorização, prolongando o trabalho iniciado pelo reforço do material isolante utilizado nas cavas das rodas. Atrás, a suspensão multibraço manteve-se inalterada, mas os amortecedores e as molas foram suavizados. Quem não conhecer o anterior é capaz de não acreditar, mas o 370Z Nismo está realmente mais confortável. Discutir noções de conforto em carros desportivos é tempo perdido. Vejam-se os bancos Recaro. Novos, envolventes e confortáveis… quando se circula em autoestradas bem asfaltadas e não se transporta mais do que uma folha de papel no bolso de trás das calças.

A caixa segue um caminho idêntico. Manual, com embraiagem pesada, curso curto, toque mecânico. A combinação ideal para trabalhar numa estrada sinuosa ou pista. Já em cidade, para conseguir uma progressão com o mínimo de solavancos entre passagens é preciso saltar uma mudança. Primeira, terceira, quinta ou segunda, quarta, sexta são as sequências ideais para vencer o trânsito urbano.

Aditivado para chegar aos 344 CV, mais 16 CV que o 370Z normal, o V6 gosta de rotação. Despacha-se satisfatoriamente na primeira metade da escala do taquímetro, para ganhar uma alma nova entre as 4000 rpm e as 7500 rpm. Neste regime, as passagens de caixa sucedem-se sem sobressaltos, com a terceira velocidade a assumir o protagonismo nas secções mais encadeadas.

Mesmo quando a travagem deixa a rotação cair perto das 4000 rpm, os 371 Nm de binário debitados pelo V6 de 3.7 litros às 5200 rpm devolvem rapidamente o Nismo ao ritmo. Reduzir para segunda dispara o regime para as 7000 rpm e obriga a mais uma passagem, acabando por não compensar face à terceira. Para além de aumentar significativamente a probabilidade da traseira descolar. É fácil de controlar mas, mais uma vez, custa segundos.

Não falha uma

O que é mesmo defeito e não feitio é a falta de regulação em alcance da coluna de direção. Não é preciso mexer na assistência hidráulica. Não há sistema elétrico que consiga igualar o peso e a qualidade da informação transmitida. Bastava acrescentar a regulação em profundidade. Sem ela, as pernas ficam sempre demasiado fletidas e o seletor da caixa não alinha com o volante. Assim, os condutores de estatura mais elevada nunca vão conseguir melhor do que um compromisso entre braços e pernas que vai dificultar a execução perfeita do ponta tacão. Para não falhar uma única redução, o modo desportivo da transmissão ajusta o regime do motor às passagens de caixa. Como o faz a qualquer velocidade, transforma rapidamente o condutor mais inexperiente num verdadeiro piloto.

O ponta tacão automático é das poucas cedências do 370Z Nismo às, chamadas, modernices. O resto é todo da velha guarda. Direção hidráulica, caixa manual, travão de mão mecânico – não serve de muito num carro com tração traseira, mas fica sempre bem – nada de start/stop para o motor. O senão está no controlo de estabilidade. Parece que tem só duas posições, ligado ou desligado. Mas não desativa por completo. Deixa escorregar a traseira, deixa fazer a rotunda com a direção virada para o lado contrário ao da rotação… até um certo ponto. Depois acorda e acaba com a brincadeira. Contudo, a tolerância é elevada reservando as intervenções apenas para quando o escorregar da traseira está no limiar de se transformar em pião.

À antiga

Temos então reunidos os ingredientes para uma experiência de condução das antigas. Uma ligação inicial por autoestrada evidencia as qualidades do novo isolamento acústico. Contudo, ao atacar uma estrada mais exigente, sente-se a falta de um motor mais presente. Uma aparente contradição resolvida por concorrentes como o Porsche Cayman com um escape desportivo acionado pelo condutor.

Rabiscos no alcatrão

Como nem sempre se está a correr contra o relógio, o melhor é aproveitar para deixar uns rabiscos de borracha no alcatrão. Em primeira e segunda é fácil. Daí para cima o 370Z Nismo teima em agarrar-se à estrada. Nada que um golpe conjunto de acelerador e direção não resolvam. Os resultados, no entanto, são menos controlados do que os conseguidos com uma boa aceleradela em segunda velocidade.

Há um primeiro lamento da roda interior, prontamente corrigido pelo autoblocante, para evitar que o binário se escoe por um pneu sem aderência. Depois é uma questão de protagonismo. Acelerador ou volante. O primeiro prolonga o movimento lateral da traseira, enquanto o segundo desenha uma trajetória limpa.

A energia do eixo traseiro é balançada por uma frente obediente. Mas só depois de aquecer bem os Bridgestone Potenza S001 245/40 R19, atrás calça 285/35 R19. Até lá as travagens são barulhentas e as trajetórias largas. Com os pneus quentes, a frente torna-se mais tolerante com as transferências de massas. Rápida e plena de informação, a direção estabelece um elo intuitivo com a traseira sempre que esta roda. Os travões resistem razoavelmente à fadiga provocada pelas solicitações constantes para ajudar a posicionar o 370Z de curva para curva.

Num registo diferente, o Nismo arranca até aos 100 km/h em 5,9 segundos, pouco mais do que os 5,2 segundos anunciados. Onde também não se alinha com os dados oficiais é nos consumos.

Onde também não se alinha com os dados oficiais é nos consumos. Os 10,6 l/100 km não passam de uma miragem para um desportivo que muito dificilmente baixa dos 15 l/100 km. Detalhes sem qualquer interesse num desportivo de 88 653€.

E este pode ser o verdadeiro calcanhar de Aquiles do Nismo. Custa mais 11 500€ que o Nissan 370Z de 328 CV. É muito dinheiro a pagar por mais 16 CV e 8 Nm de binário. Naturalmente que também temos de contar com as jantes de 19’’, os acabamentos específicos e a aura do nome Nismo. Chega para quem procura um desportivo diferente com mais de 300 CV.

E o resto? O resto pode gastar metade do dinheiro e levar para casa um Toyota GT86 (40 440€), mas tem de se contentar apenas com 200 CV. A ameaça mais direta vem da Porsche. Mais concretamente do Cayman, cuja versão base com 275 CV custa 68 962€, que sobem para os 89 452€ do Cayman S de 325 CV e terminam nos 99 415€ do Cayman GTS de 340 CV. Nenhum ultrapassa os 344 CV do Nissan 370Z Nismo, mas todos beneficiam de comportamento mais equilibrado e interiores mais sofisticados. E gastam menos. No fundo, são iguais a tantos outros desportivos modernos. É por apostar na diferença que o Nissan 370Z Nismo tem lugar cativo na galeria dos coupés desportivos.

TEXTO: RICARDO MACHADO / FOTOGRAFIA: VASCO ESTRELADO


Ensaio publicado na Revista Turbo 408, de setembro de 2015

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