Nissan GT-R Track Edition: O monstro precisa de amigos

19/02/2019

E que monstro este que não consegue passar despercebido, vociferando bem alto por onde passa. Um monstro que poderia ser a inspiração para os Ornatos Violeta, mas que é também uma inspiração para quem está ao volante. Nem poderia ser de outra forma quando se tem um dos superdesportivos mais icónicos da era moderna à disposição. Um autêntico Godzilla – que aliás é a alcunha destes modelos da Nissan, concedida pela imprensa australiana no início da década de 1990.

Parece anúncio do popular concurso milionário, mas em hora de ponta numa concorrida estrada nacional lisboeta, enquanto o trânsito embirra com o ‘para-arranca’ costumeiro do final de dia, o GT-R destoa. Não só porque tem uma apelativa pintura vermelha com o número 23 em dimensões garrafais nas portas e no capot, mas porque… é um GT-R! Ali parados, somos ‘perseguidos’ pela curiosidade alheia: uns olham, outros sorriem e outros aproveitam para tirar uma fotografia para as redes sociais (é um desafio passar incógnito). Desviamos as nossas atenções, fingindo procurar qualquer coisa no sistema de navegação. É dura esta vida de condutor de carros desportivos.

E, no entanto, tão deliciosa. Embora não seja propriamente um modelo novo – o GT-R leva já uma década de vivências nas estradas -, mantém os mesmos traços que fazem sonhar, desde logo aqueles que palmilharam centenas de quilómetros virtuais com um modelo do género. Recorde-se que o GT-R foi um dos modelos emblemáticos da saga Gran Turismo da Playstation e um dos carros preferidos do criador do videojogo, Kazunori Yamauchi.

O interior não esconde a passagem do tempo, mesmo que modernizado em sucessivas atualizações de gama. Tem agora mais qualidade, é certo, mas nalguns aspetos fica um pouco atrás do que é mais vanguardista na cena automóvel: os comandos junto ao painel de instrumentos ou os acertos de condução na consola central revelam um figurino datado. Mas perdoável pelo ambiente de alta qualidade, com revestimentos em pele no habitáculo e por outros em fibra de carbono. Em edição especial Track Edition não falta até a placa alusiva no volumoso túnel central.

Mas, depois, na estrada, mais concretamente num percurso sinuoso, tudo isso é esquecido e o GT-R torna-se selvagem, como um monstro. Mas um monstro ao qual nos afeiçoamos com os quilómetros, que se domestica sem, no entanto, perder a capa de fera radical que combina excitação com temor. Percebemos que a motricidade é impressionante quando se atenta ao que está no velocímetro ao curvar (se o olhar conseguir fugir da estrada), fazendo uso de um chassis rígido e preciso. Não é preciso ser-se maníaco para extrair o máximo do GT-R, porque a sua estabilidade e eficácia fazem com que curve com extrema velocidade ainda antes de um patamar de excentricidade, com o sistema de tração integral a mostrar serviço. Há que referir que o GT-R Track Edition foi trabalhado pela divisão desportiva NISMO, que efetuou alterações na suspensão, equipando agora um kit Bilstein Damptronic personalizado, além de barra anti-aproximação mais leve que consegue aumentar a rigidez da carroçaria.

Mas, além do chassis evoluído, impressiona a resposta do motor, um V6 bi-turbo de 3.8 litros com 570 CV e 637 Nm de binário máximo. Igualmente afinado pela NISMO, este bloco tem argumentos para se bater com propostas mais recentes, exibindo fôlego e energia entusiasmantes que fazem as retas parecerem curtas. Associado a uma caixa automática (com patilhas atrás do volante) de seis velocidades, o GT-R sobe de regimes com cadência semelhante à de uma moto superdesportiva, atendendo ao escalonamento curto entre as seis relações disponíveis.

Num traçado sinuoso, no qual dá para perceber o ótimo acerto do binómio chassis/motor, é díficil escolher outras relações de caixa que não segunda e terceira, sendo estas aquelas que traduzem a emotividade maior quando o objetivo é serpentear velozmente entre curvas. E tudo passa muito depressa! O sistema de travagem com discos perfurados de 390 mm à frente e 380 mm atrás é mordaz e atua eficazmente na sua função, escondidos por detrás de jantes de alumínio forjado de 20 polegadas NISMO Racing Black fabricadas pela RAYS.

Mas não se pense que é sempre amistoso. Quando se exagera no pedal do acelerador, a traseira pede respeito, ameaçando com uma saída extemporânea se o condutor for demasiado otimista ou incauto.

Mas que grande 23

Quanto ao equipamento deste GT-R, a edição Track Edition acarreta algumas diferenças, como é o caso do para-choques dianteiro mais largo ou do spoiler traseiro em carbono na tampa da bagageira. Os bancos Recaro são uma opção para este modelo e traduzem maior comodismo na condução veloz.

Atrás, as saídas de escape duplas são de tamanho garrafal e chamam a atenção igualmente, tanto quanto o número 23 que adorna este modelo. Porquê 23? Porque em japonês Nissan rima com 23: o ‘2’ é ‘Ni’ e o 3 é ‘San’. Não é de estranhar, portanto, que a marca queira sempre utilizar o número 23 na competição automóvel.

Claro que nem tudo é perfeito. A firmeza do conjunto retira conforto aos ocupantes, sobretudo quando o piso enrudece em demasia, o espaço para os passageiros traseiros é apenas aceitável (ainda que bagageira até surpreenda) e os consumos são… se alguém quiser saber disso, na média dos 12-13 litros por cada 100 km sendo ‘meiguinhos’. O preço a pagar por este ‘samurai’ de espada desembainhada é de 163.990€, elevado, mas condizente com uma fogosidade que ainda o mantém a par de propostas estratosféricas da Ferrari, Aston Martin ou McLaren, algo mais caras.

VEREDICTO

Um dos méritos da Nissan com o seu GT-R foi o de trazer à baila novamente a era dos superdesportivos japoneses. Este Nissan surgiu numa época em que estava praticamente isolado no mercado – a Honda tinha descontinuado o NSX e o projeto do HSV viria a ser cancelado e a Toyota há muito que não tinha Supra. Mas, num carro que tinha já muita eletrónica inspirada nos jogos de vídeo, o Godzilla renasceu de forma emocionante. Ganhou duelos em pista e nas ‘drag strips’, com a sua tração integral a fazer ótimo uso do motor V6, num excelente cartão-de-visita.

Agora, dez anos depois do seu lançamento na Europa, o GT-R evolui enquanto se espera por uma eventual nova geração, que não estará para breve. Esta Track Edition é mais um exemplo de superação dinâmica para um modelo que tem muitos adeptos e que, em termos de condução surpreende e responsabiliza em igual medida. Pede intensidade, mas ao mesmo tempo mãos firmes e conhecedoras.

Valorizada, esta variante com 570 CV é já uma fórmula de sucesso reforçada, intensa e competente, ditada pelas leis da eficácia. Tem os seus pecados, como o interior já preso no tempo ou a firmeza nalguns casos excessiva, mas um GT-R tem a condução como meta principal. E nisso, são poucos os que lhe fazem sombra. Até porque a aceleração dos zero aos 100 km/h cumpre-se em apenas 2,8 segundos e, assim, é mesmo difícil encontrar quem lhe faça sombra… Não restem dúvidas: o GT-R ficará como um marco da indústria automóvel das primeiras décadas de 2000 no que respeita a carácter, intensidade e capacidade técnica. Este monstro tem aqui um amigo. Pena que não se queira dar mais com este escriba…

Características Nissan GT-R Track Edition
Motor Gasolina, V6, 3799 cc, injeção indireta, turbo, intercooler
Potência 570 CV às 6800 rpm
Binário 648 Nm às 3300-5800 rpm
Transmissão Integral, caixa automática de seis velocidades com modo sequencial
0-100 km/h 2,8s
Velocidade máxima 315 km/h
Consumo (anunciado/medido) 11,8 l/100 km (12,5 l/100 km)
Emissões CO2 275g/km
Comp./Larg./Alt./Entre eixos 4710 mm/1895 mm/1370 mm/2780 mm
Peso 1820 kg
Suspensão (Fr/Tr) Independente McPherson/independente; adaptativa desportiva
Mala 315 litros
Pneus 255/40 R20 (f) – 285/35 R20 (t)
Preço Preço: 163.990€

 

Mais: Prestações estonteantes; dinâmica emotiva e eficaz; Estética ainda atual; ligação sensorial entre condutor e máquina.

Menos: Interior com detalhes datados; espaço nos bancos traseiros; conforto.

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