Será a aplicação do nome Mustang num modelo elétrico uma heresia? A resposta é ambígua, porque os indefetíveis tenderão sempre a considerar que Mustang só há um. No entanto, o que fica bem claro após o nosso teste com o novo Mustang Mach-E é que este é um excelente modelo elétrico capaz de honrar os pergaminhos do nome que ostenta.

Na fase de transição energética que a indústria automóvel atravessa atualmente, a marca oval tomou uma decisão corajosa (e arriscada): concebeu um modelo 100% elétrico com a denominação Mustang, inspirando-se no seu legado e em muitos dos aspetos estéticos que fazem parte do património daquele que é um dos modelos mais famosos dos Estados Unidos da América.

Porém, a tecnologia é outra. Fora da equação, o motor de combustão é aqui substituído pela motorização elétrica, enquanto a bordo a vertente tecnológica é forte e imperativa.

Por fora, a estética é a de um modelo altivo e dinâmico, inspirando-se no Mustang coupé que também se vende na Ford, aqui reforçado com a necessária maior altura ao solo de um SUV, com a marca americana a seguir as tendências de mercado que ditam a importância daquele tipo de modelos. Entre os detalhes chamativos, a grelha dianteira tapada, as cavas das rodas musculadas, as saliências do capot e os farolins com três elementos verticais destacados. O Mustang Mach-E não deixa ninguém indiferente à sua passagem, carregando consigo, de certa forma, o mesmo simbolismo de exuberância que os Mustang do passado.

O tablet para tudo

O habitáculo é, por ventura, o aspeto que mais revoluciona, com o elemento tecnológico a cativar as atenções logo desde o momento de abertura das portas: as mesmas abrem mediante a pressão num botão, podendo o condutor estabelecer também um código de acesso ao interior num teclado numérico retroiluminado no pilar da porta do condutor. Se é realmente útil? Talvez num futuro próximo, mas por enquanto remete apenas para uma ideia de futurismo redundante… Outra forma de aceder ao veículo é através da aplicação por smartphone.

Já sentados no interior, com bancos bastante confortáveis (talvez lhes faltasse um pouco mais de apoio em curva), encontramos o tal elemento tecnológico que tem como ponto nevrálgico o gigantesco tablet central de 15.5 polegadas que congrega a maioria dos sistemas e funcionalidades do Mustang Mach-E. A partir do ecrã é possível aceder aos ajustes do veículo, quer das suas funcionalidades e ajustes, quer da climatização, sendo de fácil interação atendendo ao facto de ter uma abordagem muito semelhante à de um smartphone ou de um tablet comum.

Com navegação e conexão aos sistemas Apple CarPlay e Android Auto, o sistema Ford Sync 4 de última geração é rápido na sua resposta. Talvez num detalhe mais subjetivo do que objetivo, gostaríamos de ter o ecrã ligeiramente orientado para o condutor, mesmo que prejudicasse, de certa forma, o manuseamento por parte do passageiro. Porém, não é isso que lhe retira a competência de oferecer um dos sistemas mais avançados e completos do mercado. Vale ainda notar que os comandos integrados do sistema de climatização estão permanentemente situados na parte inferior do ecrã, evitando dessa forma a necessidade de submenus. O painel de instrumentos de 10.2″ é também totalmente digital, mesmo que de maior simplicidade na informação apresentada face a alguns rivais.

Ainda no capítulo das funcionalidades tecnológicas, ao programar uma rota no sistema de navegação, a mesma faz o cálculo do tempo e do percurso contabilizando a autonomia e as estações de carga pelo caminho de forma a oferecer uma experiência mais tranquila.

Habitabilidade em alta

Francamente positiva, a habitabilidade permite que quatro adultos possam viajar com total comodidade, com espaço generoso em todas as cotas, desde a amplitude para as pernas à distância do assento ao tejadilho, não sendo muito penalizado pela linha descendente do tejadilho (ainda que exija algum cuidado na entrada ou saída por causa dessa mesma linha descendente). Dada a sua largura, também evidencia capacidade para transportar três adultos no banco traseiro.

Há ainda muitos espaços de arrumação a bordo que podem ser complementados pelo trunfo das duas bagageiras: a principal, na traseira, tem uma capacidade de 402 litros, tendo a da frente 81 litros. A tampa da bagageira principal tem acionamento elétrico.

De resto, sobressai ainda pela excelente qualidade geral de construção e pelos materiais corretos (mas não perfeitos para um preço Premium), com revestimento mais agradável ao toque na parte superior e os plásticos duros relegados para um segundo patamar.

Desportivo de novos méritos

Ao volante, o Mustang Mach-E começa por revelar outros atributos, como a posição de condução apropriadamente SUV, ou seja, mais elevada para melhor visibilidade geral, embora a expensas de um maior entrosamento desportivo. A versão ensaiada recorre a uma configuração de dois motores elétricos para tração integral (AWD) e bateria ‘Long Range’ de 98.8 kWh (88 kWh úteis) para 540 quilómetros de autonomia homologada em ciclo WLTP.

A potência total é de 351 CV e o binário atinge os 580 Nm, sendo estes dois valores mais do que suficientes para uma condução empenhada e rápida, imprimindo uma carga emocional mais elevada, sobretudo quando em linha reta e acionado o modo de condução mais desportivo dos três disponíveis, o ‘Untamed’, ou seja, o indomado (uma referência ao universo equídeo). A entrega da potência às quatro rodas é imediata e traduz-se num ‘salto’ impetuoso para a frente, ganhando velocidade com rapidez, havendo maior notoriedade, precisamente, com a forma mais direta e crua como é entregue a energia às quatro rodas.

O chassis, com um bom acerto, fica ligeiramente mais assertivo, sobretudo por ação de uma direção com assistência reduzida, denotando-se, de forma ocasional, aquela marca emblemática de desportividade própria do que seria de esperar de um Mustang. Porém, nesta versão, não chega a ser um desportivo de ‘corpo inteiro’ no sentido em que a suspensão é suficientemente amistosa para condução em mau piso (mesmo que firme) e as suas mais de duas toneladas nunca são totalmente ignoradas quando se cumpre um trajeto mais sinuoso de forma mais aguerrida com vista a perceber o seu potencial.

Ainda assim, o posicionamento da bateria de iões de lítio (com refrigeração por líquido) entre os dois eixos garante um centro de gravidade mais baixo para estabilidade muito convincente em curva, ao passo que a tração integral dá-lhe uma notória segurança (desvirtuada apenas quando se pisa a fundo o acelerador em ‘provocação’ à saída de uma curva mais lenta).

Findo o trajeto mais dinâmico, os demais percursos revelam as outras qualidades do Mustang Mach-E, a começar pela já facilidade de convivência quotidiana. Este modelo nunca resulta verdadeiramente desconfortável e, em modo ‘Whisper’ (uma espécie de ‘eco’) permite até maior facilidade no manuseamento do volante, não exigindo grande esforço nas manobras (pareceu-nos até algo leve demais), além de ser também menos intenso na entrega da potência. O modo intermédio ‘Active’ é uma súmula dos outros dois, podendo ser eleito como o mais convincente para uso diário, sobretudo em trajetos urbanos. Aqui, sobretudo para manobras de estacionamento ou inversão de marcha, vale a pena indicar que o raio de viragem não é dos mais amplos.

Também sentimos falta de um comando para regeneração variável, havendo apenas uma tecla ‘L’ que acentua a desaceleração, mas sem ajuste gradual. Outra possibilidade é a de acionar o modo ‘E-One Pedal’ pelo sistema multimédia, permitindo condução apenas com um pedal, algo que o novo mundo dos elétricos permite.

Quanto a consumos, os 18.7 kWh/100 km anunciados pela Ford parecem-nos bastante certeiros, com o nosso ensaio a retribuir um valor de 19.7 kWh/100 km. Assim, a autonomia acima dos 450 quilómetros parece-nos exequível.

Para recarregar, o carregador de bordo de 11 kW é importante, já que permite uma carga de 10 a 80% em sete horas da bateria ‘Extended Range’. Nos postos rápidos (como os da rede IONITY), o Mustang Mach-E admite uma potência de carga de até 150 kW no caso das baterias de maior capacidade, demorando apenas 45 minutos a recarregar de 10 a 80%.

Com um custo base de 71.816€, o Mustang Mach-E AWD de 351 CV oferece uma lista de equipamento muito completa, justificando o seu preço por elementos como os faróis LED adaptativos com máximos automáticos anti-encadeamento, jantes de 19 polegadas, tecnologia Ford Sync 4 com o grande ecrã de 15.5″ e vertente de segurança muito elaborada, com tecnologia como a assistência pré-colisão (inclui travagem autónoma de emergência), Assistência Dinâmica à Travagem e assistência evasiva de direção.

VEREDICTO

De uma assentada, a Ford quebrou dois ‘tabus’ para o Mustang: não só deu o seu nome a um SUV, como também a um elétrico. Fê-lo consciente de que há uma transição energética para cumprir, apelando dessa forma a todos os que olham para o Mustang com o desejo nostálgico do passado. Porém, aqui está o futuro.

O Mustang Mach-E é um elétrico extremamente competente, rápido, ágil q.b., cómodo e artilhado de tecnologias num pacote que facilmente se destaca também pelo visual, provavelmente, um dos melhores e equilibrados quando muitos dos seus concorrentes apostam sobretudo em desenhos excessivamente futuristas ou de rutura.

Por outro lado, não é modelo capaz de transmitir sensações desportivas mais extremas (sobretudo em trajetos mais sinuosos), embora a capacidade repentina de aceleração compense esse aspeto de certa forma. Para isso, a Ford propõe a versão Mustang Mach-E GT, pelo que não há que protestar.

No cômputo dos seus méritos, facilmente se consegue atribuir a este Mustang Mach-E a aura de um projeto bem-sucedido com falhas marginais para o segmento em questão. Em última análise, neste caso, um excelente elétrico, mas talvez beneficiasse mais da separação face ao desportivo Mustang.


MAIS
Qualidade da condução
Excelentes prestações
Autonomia realista
Boa eficiência
Espaço no habitáculo
Estilo irreverente
Equipamento

MENOS
Denominação Mustang pode ser penalizadora
Tablet ‘gigante’ é de gosto subjetivo
Direção demasiado leve
Faltam modos de regeneração selecionáveis

Ficha Técnica
Ford Mustang Mach-E AWD Autonomia alargada
Motor Dois motores elétricos, síncrono de íman permanente
Potência 258 kW/351 CV
Binário máximo 580 Nm
Bateria Iões de lítio, 98.7 kWh (88 kWh úteis)
Transmissão Tração integral, caixa de 1 vel.
Acel. 0-100 km/h 5,1 segundos
Vel. máxima 180 km/h
Consumo médio (WLTP) 18,7 kWh/100 km
Emissões CO2 (WLTP) 0 g/km
Autonomia (WLTP) 540 km
Tempo de carregamento 30 min. de 0-80% a 150 kW (CC); 7h de 10-80% a 11 kW (AC)
Dimensões (C/L/A) 4712/1881/1597 mm
Distância entre eixos 2984 mm
Peso 2257 kg
Bagageira 402 (T) + 81 (D)/1420 litros
Pneus 225/55 R19
Preço 71.816€ (ensaiado: 75.984€)

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