Bruno Oliveira (CEO Ford Trucks Portugal): “A transição energética não pode tornar-se o precipício da eletrificação”

30/12/2023

Presente no mercado português apenas desde 2019, a Ford Trucks Portugal é já a terceira marca de veículos pesados de mercadorias mais vendida no país. Bruno Oliveira, CEO da marca em Portugal, afirma: “É o reconhecimento de um forte trabalho de equipa.”

 

Motor24: A Ford Trucks está em Portugal desde 2019. Qual foi o seu papel na implementação da empresa no país?

Bruno Oliveira: Foi um projeto preparado pela equipa da Oneshop, que hoje continua cá e da qual faço parte. Sou diretor-geral da empresa e administrador. O que tentámos foi chegar a um entendimento entre a administração da Oneshop, a Ford Otosan e os acionistas para preparar dentro do possível, a nossa estratégia para a implementação de uma marca nova. Que por si só é um desafio no negócio dos pesados. Há mais de 30 anos que possivelmente não havia nenhuma marca nova no país. E num mercado que normalmente designo, como um mercado baixa profundidade, porque não temos muito por onde cavar, apanhamos logo pedra. Então esse trabalho preparatório foi muito importante, tal como definir também a estratégia de recursos humanos. Hoje podemos dizer que somos um caso de sucesso e deve-se muito à escolha das pessoas certas para os lugares certos. Para conseguir dessa forma, ter uma equipa a competente, exigente, séria e motivada.

M24: Quantos veículos já colocaram na estrada desde o início da atividade?

B.O.: Até hoje temos 1200 veículos, já a trabalhar. Até ao final do ano, esperamos ficar muito próximos dos 1400.

”We don’t hit marketshare”

M24: E isso já representa que quota de mercado?

B.O.: Tentamos evitar sempre o termo quota de mercado, porque temos um slogan interno que tenho partilhado: ”We don’t hit marketshare”. O nosso foco é diariamente colocar mais veículos na estrada e quantos mais veículos na estrada, mais hipóteses temos de melhorar a quota de mercado. Por outro lado, a quota de mercado nos termos instáveis que existem hoje, para mim é um indicador muito pouco relevante, porque temos fatores externos que influenciam imenso o mercado. Este ano, em agosto, tivemos a questão dos novos tacógrafos. Temos a questão da disponibilidade ou não de stock, agora temos a crise financeira que devido às elevadas taxas de juro, está a ser um grande travão. Se recuarmos três anos, já tivemos o COVID, tivemos uma crise de semicondutores, quer dizer, já tudo nos aconteceu. Portanto, a quota de mercado é um indicador injusto. Não aconteceu no nosso caso, porque somos uma marca nova, mas os colegas das outras marcas ainda andam a recuperar entregas de vendas de quando houve a crise de matérias-primas que desencadeou atrasos na produção, ou seja, estão a entregar-se veículos que não são vendas deste ano. Por isso, esse indicador para mim tem pouco significado. Agora estamos certos e seguros de quanto mais trabalharmos mais veículos temos na estrada. A nossa intenção é manter uma cadência de venda e de entrega de viaturas o mais estável possível, porque se tivermos muitos altos e baixos provoca um stress muito grande na nossa estrutura. Se tivermos que entregar 100 viaturas num mês, temos de ter estrutura para esse número de veículos, mas se essa estrutura no mês seguinte entregar apenas 10 viaturas fica subaproveitada. Portanto, o objetivo é tentar ter uma cadência de entregas, o mais linear possível.

M24: Para um cliente, qual é a diferença entre um camião, ou uma frota de veículos Ford e a concorrência?

B.O.: Partindo do princípio que todos os veículos são bons, e todos podem ter problemas técnicos, o que nos distingue é a proximidade que a equipa tem com os clientes. E esse é um ponto que temos aproveitado muito bem. Porque vemos os nossos clientes, como parceiros. Se imaginarmos toda a cadeia logística, somos o player que fornece os equipamentos e os nossos clientes são quem executa o transporte com equipamentos que são fornecidos. Pelo que me apercebo, existe uma falta de proximidade com o cliente. A proximidade transmite confiança. Os clientes que experimentaram a nossa marca, na sua maioria, estão a reforçar a frota com viaturas da nossa marca. Queremos que os clientes também nos vejam como parceiros e não como aquela entidade que entregou um carro e o deixou por sua conta.

M24: Têm ferramentas de gestão diferenciadoras para os gestores de frota?

B.O.: Gerimos todos os carros como sendo uma frota única e temos ferramentas de telemática que nos permitem essa proximidade. Além do CRM (gestão do relacionamento com o cliente) criámos também o TRM (gestão do relacionamento com o camião). Isto significa que queremos estar em contacto permanente com o veículo, independentemente, do cliente que seja proprietário do camião. Temos de ter uma estrutura telemática forte, que nos permita, dentro dos limites da lei, acompanhar os dados fornecidos pelos carros. E tentar dentro do que for possível antecipar os problemas e trabalharmos para um up time mais próximo dos 100%.

gostaríamos é que a transição energética não se transformasse no precipício da eletrificação

M24: Que impacto teve a norma Europeia Euro 7 nos vossos camiões?

B.O.: A norma Euro 7 foi ligeiramente adiada nos camiões, foram reajustados os testes de estrada para que seja mais exigente. Foram adicionados agora também os fatores da bateria, dos pneus e dos travões. Porque as pastilhas e os pneus são também focos de poluição. Portanto, neste momento, a Ford Trucks está preparada para a seu tempo cumprir a norma Euro 7. Além disso estamos empenhados na transição energética, mas o que gostaríamos é que a transição energética não se transformasse no precipício da eletrificação e que sejam procuradas soluções intermédias de transição. Temos que distinguir aquilo que é CO2 e implica o aquecimento global e o que é NOx e outras partículas que têm implicações na saúde pública. Não é possível desligar o interruptor de um dia para o outro para acabar com os motores térmicos e passar para motores neutros de carbono. O que deveria ser definido de uma forma transparente e muito justa, eram os passos da transição para não acontecer aquilo a que estamos a assistir que é voltarem a ser ativadas centrais de carvão na Europa para aumentar a disponibilidade de eletricidade. No nosso caso, a tipologia dos veículos devia ser dividida em função da distância a percorrer: trajeto curto (200-300 km); médio (400 km) e longo (600+ km). E dessa forma decidir qual é a melhor solução energética para cada cenário. Com os dados que temos hoje, uma viatura neutra de carbono é mais cara do que uma viatura de motor de combustão.

M24: Qual é a diferença de valores?

B.O.: Ainda não temos preço, mas o que nos apercebemos, comparando com os veículos ligeiros, é que um veículo elétrico custa entre 3 a 5 vezes mais do que um semelhante a combustão, portanto, a própria banca tem que se adaptar a isto. Se uma empresa, tem um determinado limite de financiamento que permite comprar 5 viaturas a combustão, e o mesmo montante apenas permite comprar um veículo elétrico. Essa empresa não vai reduzir a sua frota. Ou a banca cria outro mecanismo de avaliação e abre outras disponibilidades, ou com os níveis de de análise atuais as frotas vão todas reduzir.

Uma empresa que tenha um camião Euro 3, se passar para um Euro 6 já reduz quatro vezes as emissões

Existem soluções imediatas, que podiam ser aplicadas, como já tivemos no passado, para melhorar as emissões tanto de CO2, como de NOx. Por exemplo, reativar a lei do abate. Existiu para os veículos ligeiros e podia ser implementada nos veículos pesados. Uma empresa que tenha um camião Euro 3 altamente poluente, se passar para um Euro 6 já reduz quatro vezes as emissões. Quando digo isto, não estou contra a transição energética, antes pelo contrário. Mas, na minha opinião, da maneira que está a ser conduzida, vamos ficar num beco sem saída. As classes políticas devem ser alertadas para esta realidade prática. Por exemplo, se eu quiser comprar para a minha empresa um veículo elétrico de passageiros tenho um apoio, consigo deduzir o IVA, não pago tributação autónoma, tenho uma série de regalias por escolher energia limpa. Se quiser comprar um camião elétrico, não tenho apoio nenhum. Não existem apoios ao mesmo nível dos outros tipos de veículos.

O que defendo é termos uma panóplia de energias disponíveis para usar em função da utilização que tenham o menor impacto para o ambiente e para as pessoas.

M24: Então o vosso recém-apresentado e-Truck é uma das soluções possíveis?

B.O.: Exatamente, o mercado tem que ter uma série de soluções disponíveis. E deve escolher em função da que tira melhor rendimento daquela solução. Portanto, no nosso caso, o e-Truck é um veículo para distribuição, recolha de resíduos sólidos urbanos para funcionar dentro das cidades. Obviamente, não é um veículo para fazer longo curso.

M24: É presidente do Council International Ford Trucks. Qual o significado?

B.O.: Em primeiro lugar, é o reconhecimento do trabalho que tem sido feito em Portugal. Podemos ser o melhor treinador do mundo, mas se não ganharmos, vale zero. A Ford Trucks tem o mercado dividido em dois grandes grupos: o doméstico que é o mercado da Turquia, e o mercado Internacional, que engloba os restantes mercados. Existem dois Councils: um para o mercado doméstico e outro para internacional. O Council do mercado Internacional é eleito pelos representantes de todos os países onde a Ford está representada. Ser presidente do Council International permite-nos ter acesso a um canal privilegiado de comunicação com o topo da cadeia do fabricante. Isso abre uma série de oportunidades de discutir negócios, de apresentar soluções de melhorias, rentabilizar o que tem sido bem feito. E isso, permite-nos funcionarmos como um parceiro do nosso fabricante, que é a Ford Otosan.

M24: Sabemos que também é um homem ligado ao desporto motorizado. Neste caso, todo-o-terreno. É um hobby ou algo mais sério?

B.O.: Sim, é apenas um hobby. Claro que em todos os projetos que entramos, tentamos colocar o máximo profissionalismo possível. Ou estamos focados e somos funcionais ou não. No desporto automóvel, neste caso, o todo-o-terreno é exatamente a mesma coisa. Faz todo o sentido um projeto nesta modalidade específica, porque o todo-o-terreno traduz-se em resistência, resiliência e durabilidade. E isso são os três pilares das nossas viaturas, e do nosso projeto de competição. Neste momento, estou a competir no campeonato nacional com uma Ford Ranger. A nossa equipa de marketing e de comunicação e o próprio fabricante entenderam que era uma forma importante de comunicar o nosso produto. Depois temos aqui dois factos que acabam por ser interessantes, o primeiro é a ligação desde sempre que a Ford tem ao desporto automóvel, e depois é o facto de o CEO em Portugal ser piloto e conseguir entrar neste projeto. Tudo isto cria um elo de proximidade e permite-nos utilizar esta ferramenta de comunicação para estarmos mais próximos do nosso mercado e dos nossos clientes. E, sabendo que em Portugal, a seguir ao futebol, o desporto automóvel é aquele que consegue chamar mais a atenção das pessoas, entendemos que este projeto encaixa perfeitamente na nossa estratégia.