Andei à ‘pendura’ com o Randy Mamola e ele sobreviveu

27/07/2019

O convite era difícil de recusar: afinal, havia a possibilidade de viver uma experiência única: dar uma volta na pista de Barcelona à pendura com um piloto muito especial. Ir a Barcelona de quando em vez é contrariar a máxima de que não se deve voltar aonde se foi feliz. Já fui muito feliz na capital da Catalunha e tenciono voltar sempre que possa.

Hoje, a realidade está diferente da de há uma ou duas décadas, com excesso de turistas nas Ramblas, uma presença muito marcada das forças de segurança e uma imensidão de imigrantes africanos nos passeios de Barceloneta a vender cópias credíveis de produtos de marcas bem conhecidas. Ainda assim, há uma inegável vibração no ar. Estamos numa espécie de “albergue espanhol” onde se brinda à diversidade.

A experiência começa logo no hotel, pois a escolha não é inocente e o objetivo é mesmo impressionar. Não é preciso ficar no 26º andar do W, em Barceloneta, para ficar de queixo caído. Já no 12º, a panorâmica trata disso, mal corremos as cortinas, mesmo de frente para a cama.

Mudança de paradigma

Só os mais distraídos não terão ainda reparado que há muito tempo que as marcas de tabaco deixaram de poder patrocinar o desporto motorizado. Face a isso, e à cultura dominante antitabagista, a Philip Morris tem vindo a adaptar-se, e para isso criou uma nova visão assente numa nova plataforma dedicada à pesquisa científica para que no futuro, que não sabemos se está próximo, possa mesmo deixar de vender cigarros. A Mission Winnow, é assim o patrocinador oficial da equipa Ducati e também patrocina a Ferrari na Fórmula 1. Mas, estamos aqui para falar mesmo é da experiência de andar à pendura numa moto muito parecida com a de competição.

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O primeiro dia nas corridas seria o mais marcante com uma prometida experiência X2, mas sem hora definida. Assistir ao MotoGP nas bancadas é ótimo, mas ser convidado para o lounge VIP eleva a experiência para outro nível. Passados os vários controlos de segurança, a entrada permite-nos ver de muito perto (com alguma paciência para estar em filas) até entrar, nas motorhome, atrelados que são autênticas casas, oficinas ou o que as marcas quiserem para estar mais próximo do público que consegue passar a este nível.

O lounge Mission Winnow fica mesmo por cima das boxes, em frente à bancada principal na reta da meta no circuito da Catalunha. Aí, ainda temos um varandim, onde podemos assistir a todos os momentos que envolvem um grande prémio de motociclismo. O patrocinador da equipa Ducati não olha a meios para que os seus convidados se sintam especiais: há chefs de cozinha a confecionarem pratos gourmet, barmens que nos servem cocktails deliciosos, televisores para acompanhar o grande prémio e puffs para relaxar.

Em Barcelona, o fim de semana das corridas é algo de muito especial para todos os espanhóis e não só. Há romarias de motociclistas e amantes do desporto vindos de toda a parte do mundo, que mesmo não chegando de moto querem fazer parte da festa. No dia da corrida, o trajeto até ao circuito da Catalunha que, normalmente, se faz em cerca de quarenta minutos chega a demorar quase três horas… São filas de trânsito intermináveis e a solução é ir muito cedo ou mesmo de moto.

Nada nos prepara para o que aí vem, no entanto, o staff da equipa Experience X2 dá o seu melhor. Antes, ainda temos de nos submeter a um breve exame médico, nada demais mas o suficiente para despistar problemas graves – a responsabilidade é grande e apesar de ser obrigatório assinar termos de responsabilidade, ninguém quer ver um “pendura” desmaiado a meio da volta. Alguns ficam pelo caminho, normalmente, por causa da tensão arterial demasiado alta. Caroline, de nacionalidade suíça, é o membro da equipa encarregue de nos orientar de modo a avaliar se estamos à altura dos requisitos para a aventura. Em jeito de personal trainer, a sua atitude é desafiadora e até mesmo provocante, tudo para ir percebendo a reação dos candidatos. Quando vem ter comigo, a primeira coisa que me pergunta é: “bebeste álcool?”. A resposta foi “não”. Se tivesse bebido nada feito. Os requisitos são os mesmos para os pilotos e a tolerância é zero para bebidas alcoólicas. Os sentidos têm de estar super “aguçados” para o desafio.

Chega o momento da distribuição dos penduras pelos dois pilotos. Só me lembro de, na altura, fazer figas para me calhar o Randy. Caroline começa a enumerar as duplas e no final da lista lá estou eu com Randy Mamola, contemporâneo de Kenny Roberts e Freddie Spencer, vencedor de 13 grandes prémios durante os 13 anos que competiu. Aos 59 anos, este americano é uma lenda, mesmo sem nunca ter sido campeão mundial. Randy tem o à vontade típico dos californianos, habituado há muito a falar com o público, toma as rédeas da apresentação sobre o que vai acontecer quando estivermos na pista. O outro piloto, Franco Battaini, talvez por timidez, limita-se a ouvir muito atento o que Randy vai dizendo, tal como nós. “São dois minutos”, avisa, referindo-se ao tempo que a volta irá durar.

“Durante esses dois minutos vão acontecer coisas às quais vocês não estão habituados e para tudo correr bem temos de estar em perfeita sintonia”. É altura de subirmos para as motos paradas e simularmos os movimentos nas curvas, algo que Randy enumera de cor, ou não fizesse esta experiência a dois há 12 anos, com cerca de 16 mil penduras, sem um único percalço.

Chega o momento de nos equiparmos, o ambiente é de competição. Um membro da equipa X2 ajuda-nos a vestir o fato e sentimo-nos verdadeiros pilotos prestes a participar numa corrida. Agora, são poucos minutos até chegar a minha vez, mas parece uma eternidade pois sou o último da fila. As duas raparigas que foram primeiro chegam em estado de choque. Para uma delas “isto foi a coisa mais louca que fiz em toda a minha vida”, levando alguns momentos a recompor-se e logo se vê a felicidade estampada no rosto.

No meu momento, como com todos os outros participantes, o arranque é feito em “cavalo”, com a roda da frente no ar. A aceleração é estonteante e rapidamente estamos no final da reta da meta, a travagem é avassaladora e tenho de fazer uma força indescritível nas pegas instaladas no depósito para me aguentar em cima da moto. Ao fim da terceira curva já só me lembro de pensar: “tenho de me agarrar com mais força, não posso estragar o palmarés imaculado ao homem…”. Mais fácil dizer do que fazer. Nas curvas seguintes já era impossível não ir para cima do Randy em todas as travagens. Há uma altura em que dou por mim a pensar: “já percebi como isto funciona”. É precisamente quando acaba, em “égua” com a roda traseira no ar. “You did well”, aprova Randy enquando saio da moto, agradeço-lhe com um aperto de mão enquanto penso: “deve dizer isso a todos”.

Umas horas antes tinha dado uma volta no safety car, guiado por um piloto experiente a um ritmo já impressionante, mas a dinâmica e o esforço físico ora num automóvel ou numa moto de competição são incomparáveis. O que me leva a acreditar que os pilotos que competem no MotoGP têm de ter alguns superpoderes para aguentarem uma corrida naquele ritmo alucinante. No dia da prova, o “extraterrestre” Marc Marquez voltaria a ganhar para gáudio do público espanhol, ainda que com a “ajuda” involuntária do colega de equipa, que ao cair, acaba por derrubar os três adversários mais perigosos. Ando de moto todos os dias, há vários anos, mas isto é algo completamente diferente. “Inolvidable”, diriam mesmo os espanhóis.

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