Temperamentais, mas ao mesmo tempo com uma enorme simplicidade. Os automóveis clássicos remetem-nos para outros tempos e obrigam-nos a uma reaprendizagem da simples mecânica de condução. Há coisas que funcionam, outras com as quais é preciso ganhar confiança e outras, ainda, que emitem um carisma inexplicável. Fomos à Áustria reencontrar alguns dos modelos icónicos da divisão de clássicos da Mercedes-Benz, nomeadamente, os antecessores do Classe E.

No imaginário dos amantes de automóveis, há clássicos que são um caso de amor. E há quem viva para esse amor. É o caso de Peter Becker, responsável de comunicação da Mercedes-Benz Classic, que conhece com grande exatidão a história de diversos dos modelos históricos que compõem a coleção da marca alemã, falando sobre os mesmos com uma inabalável paixão.

Para o evento de apresentação internacional do novo Classe E da Mercedes-Benz, a marca decidiu dar aos jornalistas a oportunidade de conduzirem um pedaço (ou melhor, pedaços) da história da marca, trazendo alguns modelos mais icónicos, desde logo o 170 DS (W191) de 1953, que foi aquele que mais ‘nervos’ levantou durante uma curta experiência ao volante.

Nalguns aspetos, o regresso ao passado é quase inexplicável: a sonoridade dos motores de combustão – quer por dentro, quer por fora -, e os cheiros são muito característicos, mas são sobretudo os pequenos detalhes que mais ficam, como as chaves que, noutros tempos, eram iguais às de um qualquer portão de rua. Temperamentais, estes veículos são reflexo dos seus tempos, provas concretas também de todo um progresso feito em diversas áreas, do conforto à segurança. Neste capítulo, não se estranha que nos mais antigos não houvesse cinto de segurança, esse dispositivo hoje tão banal…

O primeiro do Pós-Guerra

Belíssimo, de cor negra e de brilho inatacável, o mais antigo dos Mercedes-Benz à nossa disposição foi também o mais inusitado de conduzir. As portas do 170 DS abrem em estilo suicida, ou seja, em sentido inverso ao que hoje é comum, recebendo-nos um habitáculo estreito, mas muito confortável.

Antes de nos deixar seguir o nosso é caminho, Peter Becker senta-se no lugar do condutor e explica alguns detalhes deste clássico: como ligar o carro (a chave que teima em rodar lentamente), o interruptor que é preciso depois acionar, o travão de mão de estilo bengala que tem de ser recolhido sob a coluna de direção (“certifica-te de que está mesmo destravado, houve um colega teu que foi com as rodas traseiras ligeiramente travadas o caminho todo”), o pisca no volante em forma de aro interno ou a alavanca de velocidades extremamente temperamental. Engrenar a primeira é um trabalho de precisão em que a ‘manete’ tem de ser puxada no sentido do condutor e depois elevada, baixando depois para engrenar a segunda, novamente para cima e para trás (no sentido do painel de instrumentos) para a terceira e novamente para baixo e para trás para a quarta.

Último aviso: “para travar, dá espaço, lembra-te que tens de travar muito antes do que estás habituado!”.

O motor, um bloco Diesel de 1767 cc, debita meros 40 CV às 3200 rpm, com uma velocidade máxima de 100 km/h. Não que pensássemos em lá chegar, mas ficam bem alguns detalhes deste género. O motor funciona com um matraquear quase sedoso, nem parecendo ter os 70 anos que apresenta no seu BI.

Becker vai-se embora para tratar de outros jornalistas a braços com outros clássicos e deixa-me a sós com o 170 DS. O primeiro desafio foi mesmo engrenar a primeira. Nada fácil, mas após algumas tentativas consegui – há sempre uma ideia inicial de que se calhar o que engrenámos foi a terceira, mas ao levantar a embraiagem o movimento do W191 comprovou que estava bem. A primeira travagem, a descer, demonstrou que, de facto, é preciso pensar muito antes. Os travões estão longe de serem ineficazes, claro, mas não têm o poder de paragem de uma unidade moderna. É preciso reabituar.

Depois, ganha-se o jeito. A direção é linear, o motor responsivo e até com binário suficiente para se aguentar em relações de caixa mais altas do que supunha. O conforto é sempre superlativo, ainda para mais numa estrada composta por paralelo, desafiando a suspensão destes veteranos doutros tempos. O que nunca se supera é, mesmo, o diâmetro enorme do volante com um aro finíssimo que escorrega de quando em vez – percebe-se o porquê de antigamente se usarem luvas na condução…

Lá à frente, longínqua no capot, está a estrela da Mercedes-Benz, impondo-se sempre no horizonte. Há uma aura mística com estes carros, sobretudo neste caso, que foi até o primeiro modelo da Mercedes-Benz a ser produzido (retomado, melhor dizendo) após a Segunda Guerra Mundial. A poderosa indústria automóvel alemã tinha sido anestesiada durante o grande conflito, mas mantinha os seus predicados intactos em termos de prestígio, conforto e refinamento.

Como nota de curiosidade, os últimos modelos da gama 170 saíram da linha de montagem em setembro de 1955.

Salto à década de 1970

O segundo modelo com que ‘privei’ melhor foi um 250 (W114) de 1970, de uma gama em que surgiu pela primeira vez também um coupé (W115). O 250 foi, durante a fase inicial do lançamento, o modelo de topo no que diz respeito à motorização até surgirem os 280 e 280 E em 1972. Mais recente, há já aqui um sentido de familiaridade, mesmo que muitos aspetos sejam ainda antiquados.

Este motor de seis cilindros em linha com 2496 cc debitava já 130 CV às 5400 rpm, com uma velocidade máxima de 180 km/h. Tendo caixa automática, este Mercedes-Benz já não obrigava a qualquer requisito que não colocar a alavanca na posição ‘4’, para as quatro mudanças, arrastando-a para o ‘P’ ou ‘R’ quando necessário. Nada que saber!

Efetivamente, é um modelo expedito, também com um volante de grande diâmetro, mas com um sentido muito concreto de conforto e de naturalidade de condução, uma vez mais com a estrela bem lá na frente do capot.

Outros modelos presentes na ação foram o W110, conhecido por ‘Finntail’ pelas abas na secção traseira, ou o 500 E (W124), bem mais recente e com um ADN desportivo muito próprio em antecipação ao que viria a ser os genes da AMG.

Se os modelos clássicos pudessem falar, certamente que contariam muitas histórias, mas nos dias que correm o mais importante é eles oferecerem-nos estas mesmas vivências do passado.

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