São cada vez mais comuns as soluções de conversão de automóveis antigos com motor de combustão para motorização elétrica, tornando-os assim mais sustentáveis e, simultaneamente, menos dispendiosos em termos de manutenção ou custos de utilização. Porém, esta possibilidade tem ainda de limar muitas arestas, desde logo na homologação e nos custos da própria conversão. Na celebração dos 50 anos do Renault 5 a marca francesa deu a conhecer o seu projeto de conversão de algumas unidades clássicas para versões 100% elétricas.

O tema divide os adeptos dos automóveis: há quem defenda que um automóvel clássico deve permanecer inalterado na sua motorização e o mais próximo possível da sua origem (mesmo que alguns admitam melhorias tecnológicas, como a Porsche com os seus rádios de visual antiquado mas com leitor de MP3, por exemplo, para modelos antigos), enquanto outros admitem que a validade de um clássico é tanta quanto aquela que podem aportar ao momento atual.

Assim se explica que algumas companhias se dediquem à transformação de veículos de outras épocas para uma vertente eletrificada, removendo o motor de combustão e colocando no seu lugar um motor elétrico, com as devidas atualizações técnicas (cablagens, travões, etc) e a respetiva bateria. No Reino Unido, uma das empresas mais especializadas neste aspeto é a Lunaz, que se dedica a converter alguns dos mais dispendiosos e exclusivos automóveis do mundo, num processo que gera divisões entre os apaixonados do automóvel.

Também a Renault admite que o processo de reconversão – no inglês, ‘retrofit’ – pode ser uma boa solução para tornar os clássicos mais amigos do ambiente, pelo que a marca francesa tem vindo a trabalhar com uma empresa parceira francesa, a R-FIT, para conceber um módulo de conversão para o seu modelo icónico, lançando já uma série muito limitada de modelos de testes utilizados no torneio de ténis Roland-Garros.

O regresso do elétrico

Pensar num Renault 5 de outros tempos com um motor elétrico não é uma novidade absoluta. A própria marca francesa chegou a produzir em número muito limitado – cerca de 100 unidades – uma versão do seu 5 ainda em 1972, quando a crise do petróleo da década de 1970 obrigou a indústria automóvel a procurar outras alternativas aos combustíveis fósseis. Contudo, a sua existência foi curta, num projeto que foi de curta duração e que não teve continuidade, sabendo-se, porém, que o novo 5 apenas será elétrico, quando for lançado em 2023/24 numa espécie de herdeiro espiritual.

Os Renault 5 criados para o Roland-Garros serviram de veículos de transporte oficial, mas num evento em Flins, centro técnico e de clássicos da Renault, foram colocados à disposição de um grupo restrito de jornalistas, dentre os quais do Motor24, deixando perceber o trabalho que foi feito para adaptar este clássico do século XX para as emissões zero.

Em primeiro lugar, um dado importante é o do restauro impressionante destes R5 Retrofit. Todos os modelos (além dos de combustão também colocados à disposição) estavam em condições imaculadas de funcionamento e de conservação, enganando os anos com uma mestria incrível. Posto isto, se o exterior está irrepreensível, o interior segue os mesmos preceitos, com materiais tratados e semelhantes aos novos.

Em nenhum momento, somos confrontados com o facto de serem veículos elétricos – a única pista é o bocal do enchimento de combustível no canto traseiro direito que se transforma em tomada de carregamento saliente.

Já o conceito técnico do modelo altera-se substancialmente. A base é a de um GTL, mas com um motor elétrico de 22 kW de potência (30 CV), alimentado por uma bateria de de lítio-ferrofosfato de 10.7 kWh que pode ser recarregada a um máximo de 3.3 kW para assim repor de 10 a 90% em menos de quatro horas. Numa autêntica multiplicidade de nacionalidades, o motor é americano e a bateria é proveniente da Alemanha. Tudo para um carro francês.

Elétrico com caixa manual: “esqueça a primeira velocidade”

O conselho foi do próprio responsável da R-FIT presente no local, que detalhou os procedimentos a seguir para a condução do 5 Retrofit. Entrar no carro e simplesmente arrancar ‘rumo ao por-do-Sol’ só depois de uma breve explicação e da indicação: “Este Renault 5 tem a mesma caixa de origem, de cinco velocidades, mas não usem a primeira, esqueçam. Apenas usem a segunda para arrancar. A primeira velocidade só serve para subidas muito íngremes ou com muito peso a bordo”. A razão, diz-nos, prende-se com o elevado binário do motor elétrico que é pouco apreciado pelos componentes originais da caixa.

Porém, esta é uma forma de reaproveitar a caixa, com o motor elétrico a oferecer até regimes de rotações semelhantes aos do motor de combustão entretanto retirado, ao mesmo tempo que possibilita uma interação diferente com o elétrico, já que o condutor deve utilizar a alavanca da caixa para mudar entre cada uma das quatro relações (já retirámos uma delas, a primeira, desta equação) ao longo da viagem. E utilizar o pedal da embraiagem. Outro pedido expresso: “não façam ponto de embraiagem! Não pisem o acelerador ao mesmo tempo que o pedal da embraiagem”.

As mudanças do interior são quase nulas. A única é a indicação de que o veículo está pronto para andar, depois de se dar à chave e de (face à ausência de ruído e de vibrações) apenas se esperar uma luz laranja acesa no painel de instrumentos. Adicionalmente, surge a indicação do estado de carga (de zero a 100%). De resto, tudo na mesma.

O que não é bem o mesmo é o método de condução. O arranque é, tal como já indicado, feito em segunda velocidade, mas com a particularidade de se engrenar a segunda e depois tirar o pé do pedal da embraiagem por completo. Como não tem ralenti, o veículo não vai abaixo, mas não deixa de ser estranho ter a mudança engrenada e o pé esquerdo em descanso.

O arranque faz-se, efetivamente, em segunda, mas com alguns solavancos. Não é um processo suave como num elétrico convencional, mas a partir de alguns metros tudo se processa com maior suavidade e prontidão nas prestações. O R5 Refrofit anda bem e tem uma curiosa prontidão que lhe permite ganhar velocidade com convicção. A pergunta seguinte era: ‘como é que sei quando é que é preciso trocar de mudança?’. Bom, o próprio ritmo do R5 parece indicar essa mesma necessidade, não sendo propriamente indicado circular em quinta relação quando a velocidade de andamento é baixa. O processo de troca de caixa é idêntico ao da engrenagem da primeira: pressionar o pedal da embraiagem a fundo, trocar de mudança, tirar totalmente o pedal da embraiagem e só depois pressionar o acelerador (com alguma força, admita-se). Há sempre que pensar nesta ordem. A travagem é boa, mas o pedal é esponjoso.

Já o comportamento é menos assertivo. A suspensão é macia e a bateria colocada atrás a ocupar uma grande parte do porta-bagagens parece desvirtuar a distribuição de pesos, pelo que não é propriamente um modelo divertido de levar em curva, mas é uma recordação constante de que estamos a bordo num automóvel da década de 1970. Outra recordação sistemática é a da grossura da própria carroçaria – as portas são ‘fininhas’ e parecem de outro mundo, sobretudo numa época em que os veículos oferecem uma segurança cada vez mais elevada, com portas volumosas e outros sistemas de assistência.

Sendo ainda um conceito em evolução, o processo de reconversão elétrica está a ser desenvolvido pela R-FIT para uma eventual comercialização, ainda que existam ainda alguns entraves: além do sistema em si, que tem de ser afinado e incorporado com o mínimo de impacto nos componentes originais não alterados, o custo é elevado, podendo chegar a um valor entre 12 e 14 mil euros. Ainda assim, refira-se que o Estado francês subsidia os processos de reconversão de clássicos, sendo equiparados a automóveis novos elétricos para o efeito. A ideia é assim que estes modelos possam assim aceder aos centros urbanos que se tornam cada vez mais restritivos no acesso de automóveis poluentes, não escapando os clássicos de outrora.

Em Portugal ainda não se coloca esta questão. A regulamentação para a homologação ainda não existe, havendo entidades que procuram acelerar o trabalho sobre esta matéria legislativa.

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