O grupo Stellantis, que aglomera os até aqui separados Grupos Peugeot S.A. (PSA) e Fiat Chrysler Automobiles (FCA), foi hoje apresentada oficialmente por Carlos Tavares, o CEO deste novo gigante da indústria automóvel. A criação de sinergias entre as diferentes marcas permitirá uma poupança fixa anual de 5 mil milhões de euros, com o CEO português a defender ainda a criação desta companhia como “um escudo” para a manutenção das fábricas e dos empregos numa fase bastante complicada.

Uma nova era para duas novas companhias, sob o leme do português Carlos Tavares. Com um património de marcas bem definidas, a PSA e FCA passam a responder apenas pelo nome Stellantis, que passa a integrar um conjunto de marcas com mais de mil anos de experiência combinada, atendendo ao historial de Alfa Romeo, Citroën, Chrysler, Dodge, DS Automobiles, Fiat, Lancia, Maserati, Opel, Peugeot e Vauxhall, a que se junta ainda a marca de mobilidade Free2Move.

Mesmo que agora numa escala muito maior em virtude do acréscimo de marcas, as ideias muito queridas a Tavares de uma mobilidade segura, limpa e acessível não saem do seu léxico, sendo as diretrizes para o crescimento e sustentabilidade das diferentes marcas, as quais deverão manter-se bem definidas e com um posicionamento muito claro.

Com as sinergias de grupo, é esperada uma poupança anual superior a 5 mil milhões de euros, da qual a maior fatia é respeitante à área de produto – cerca de 40%. Ou seja, será através “do trabalho inteligente na utilização dos ativos de engenharia e da área das compras que iremos melhorar a competitividade”, explicou Tavares numa conferência de imprensa digital na qual definiu os parâmetros de orientação do recém-criado grupo Stellantis. No âmbito das sinergias, também a otimização dos sistemas motrizes e desenvolvimento de plataformas multi-energias será fundamental, aplicando ainda um sistema de Investigação e Desenvolvimento evoluído com foco contínuo na eficiência de fabrico e de ferramentas. Tudo sem o encerramento de fábricas.

Por outro lado, a Stellantis será responsável pela criação de soluções de mobilidade distintas e sustentáveis de forma a satisfazer as necessidades dos seus clientes, uma vez que abrangem eletrificação, conectividade, condução autónoma e propriedade partilhada. Aos 20 modelos eletrificados hoje já disponíveis, o grupo irá acrescentar mais dez até final do ano.

Um ‘escudo’ para proteger empregos e marcas

Nesse mesmo quadro de sinergias, a dos trabalhadores dos dois grupos também é apontada por Carlos Tavares como um bem a valorizar, entendendo que isso permitirá à Stellantis ter mais e melhores argumentos para abordar diferentes mercados. E garante que a criação deste novo gigante automóvel será um escudo para proteger o emprego dos funcionários e não um fator de risco para a sua manutenção.

“Vamos explorar a diversidade dos nossos efetivos, analisando as múltiplas culturas que temos, com horizontes muito diferentes. É o valor da originalidade, utilizando da melhor forma a extraordinária diversidade da empresa, que é uma das nossas grandes forças. Podemos comparar isso com a falta de diversidade de alguns dos nossos concorrentes”, afirmou, lembrando que a Stellantis terá mais de 400 mil trabalhadores nas mais diversas áreas, de mais de 150 nacionalidades.

“Penso que a realidade que temos de reconhecer é que o que teria sido dramático para os empregos teria sido o cenário em que não poderíamos ter concluído esta fusão. A fusão é um recurso importante para eventuais problemas sociais dos empregados. Porquê? Porque se não tivermos uma grande escala, não teremos uma mobilidade limpa, segura e acessível, o que se refletiria de duas formas: com o aumento do custo de desenvolvimento de tecnologias aumentaria o preço final, o que levaria à perda da base de clientes, ou baixaríamos a margem de lucro em cada unidade. Em qualquer dos casos com implicações no trabalho. O que a Stellantis permite é manter uma poupança e sustentabilidade muito maior, com sinergias de custos e poupanças”, refere o responsável máximo pelas operações da nova companhia, acrescentando que esta “fusão é como um escudo. As sinergias não são apenas sobre corte de custos, mas também sobre criar lucros através de desenvolvimento de famílias de modelos adicionais. Podemos planear modelos irmãos que sejam mais rentáveis para algumas gamas e marcas, dando-nos maior presença e menos riscos para os empregos”.

Neste sentido, fica assim defendida a ideia de que as fábricas atuais e os empregos estão protegidos, com o plano de produtos das marcas a servir como pedra basilar para os desenvolvimentos futuros a nível laboral. Mesmo em Itália, onde as preocupações relativas com as fábricas da FCA têm vindo a terreiro nos últimos meses.

Mobilidade elétrica tem de ser acessível para todos

Também na apresentação da Stellantis, o português voltou a defender a sua ideia de que a mobilidade tem de ser um bem livre e acessível para todos e transmitiu novamente a mensagem de que, nesta fase, as decisões políticas têm um impacto que pode não ser o desejado para os cidadãos.

Os governos têm de decidir se querem ter uma mobilidade acessível, limpa e segura. Os construtores devem seguir o que lhes é imposto. Mas há limites para os ventos de resistência que podemos enfrentar. As nossas equipas têm enfrentado bem, mas todas as equipas têm limites. Não podemos continuar a acrescentar constrangimentos na indústria automóvel. A eletrificação é um exemplo: temos a tecnologia, temos a capacidade de produção, mas poderemos assegurar no final do dia que essa mobilidade será acessível para o poder de compra dos clientes? A eletrificação significa um aumento de custos pelo que ou as companhias se colocam em risco reduzindo as suas margens, ou aumentam os preços e perdem parte dos seus clientes, ou encontramos outro caminho. Mas a eletrificação não está a ir no sentido de ser altamente acessível para a mobilidade da classe média. A pergunta que fazemos aos governos é em que medida é que querem melhorar isso. Querem que continuemos a trabalhar nos motores de combustão interna e temos muita tecnologia para baixar emissões ou seguem outros continentes e os constrangimentos de acessibilidade. No final de contas, a pergunta para os governos onde operamos é: será que os clientes podem acedê-la”, caracterizou, alertando ainda para a necessidade de olhar para a eletrificação de uma outra forma no momento de contabilizar as emissões.

“Os veículos elétricos não são uma novidade para nós. Mas, como temos vindo a discutir desde há três ou quatro anos, não podemos olhar para as emissões de uma perspetiva de local do carro, mas sim por uma abordagem total, analisando a pegada de tudo o que contribui para a mobilidade. Isso não pode ser só com o carro, mas tem de se avaliar igualmente a extração dos materiais, o seu transporte e a reciclagem, bem como a criação de uma rede extremamente densa, com os custos necessários para o aumento de volume esperado de veículos elétricos. Tem também de se ter em conta as receitas de impostos que vão desaparecer com o fim dos motores de combustão que muitos governos hoje aproveitam”, argumenta, numa visão mais holística da situação.

“A vida de um veículo elétrico começa logo com uma penalização, que é a construção e tem de andar bastante para equilibrar as contas de emissões face às de um carro com motor de combustão. Isto é público e está estudado por entidades independentes, não por fabricantes automóveis que podem ser consideradas parciais. Não se pode observar só pelo lado do ‘tank-to-wheel’ [que pode ser traduzido como do tanque para as rodas]. A responsabilidade pela escolha da tecnologia está no lado dos políticos e não dos fabricantes e as regulações apenas podem ser cumpridas com uma determinada tecnologia. No final de contas, a decisão cientifica da tecnologia é feita pelos governos. Nós estamos aqui para apoiar, o que não quer dizer que não devamos explicar as coisas, como temos feito de forma ética e realista. Temos cumprido os as metas regulamentares de emissões estabelecidas, com a Stellantis a ser líder nas baixas emissões de CO2, com mais de 29 modelos eletrificados. Estamos a cumprir, mas se olharem para o ciclo de vida completo de um automóvel elétrico, poderão ter algumas surpresas. A análise terá de passar a ser mais rigorosa e completa, incorporando a pegada da produção da bateria e da produção de energia necessária.

Se é esse o caminho menos dispendioso para atingir a mobilidade zero? Têm de perguntar aos governos, nos estamos cá para cumprir com imensos investimentos”.

Com uma presença forte e de sucesso nos mercados da Europa, América do Norte e América do Sul, a Stellantis aponta ainda para o potencial de crescimento noutros mercados, como os da China, África, Médio Oriente, Oceânia e Índia. O Conselho de Administração será composto por 11 membros, com a liderança do Presidente John Elkann, ao passo que Carlos Tavares será o CEO da nova companhia.

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