O testemunho na primeira pessoa de uma motociclista que se estreou no Azores Rallye, num regresso tão desejado à ilha açoriana de tantos verdes. Por Daniela Rahim

Voltei para casa, mas a ilha de tantos verdes ainda não me largou. Em 2020, na última viagem pré-pandemia – que parece ter sido há uma eternidade – os meus pensamentos vagueavam em duas rodas por aquelas estradas açorianas. Mal sabia eu que, um ano depois, o desejo de ali voltar se concretizaria. O mote foi lançado pela Longitude 009. A organização de eventos em motos de aventura, sediada em Lisboa convidou-nos para participar no Azores Rallye com a promessa de um fim de semana bem passado por estradinhas menos exploradas pelos turistas em São Miguel.

Se, por si só, o fora-de-estrada pode ser um exercício exigente, este evento revelou-se um verdadeiro desafio a vários níveis. Em primeiro lugar é um exercício de concentração. É realmente difícil conduzir com paisagens deslumbrantes à nossa volta. Entre curvas e contra-curvas, ladeiras, lagoas e mar ao fundo, a sorte é que o tempo foi dando tréguas e à medida que ficava nublado lá nos concentrávamos só na estrada. Por outro lado, e tão em voga agora, é um exercício de mindfullness, ou seja, mentalização de que tudo vai correr bem naquela curva onde só se vê lama típica dos Açores, enriquecida por nutrientes bovinos.

É também um exercício religioso, sem qualquer tipo de heresia, porque entre o “Deus queira que não chova”, o “Ai, valha-me Deus, já me safei” ou o “Deus me acuda” – sem nenhuma distinção entre deuses, valem todos – até o mais ateu faz a sua rezazinha. É um evento inclusivo também, porque todas as motas são bem-vindas, havendo uma picardia saudável e muito divertida. Este exercício explora também as vertentes mais fashion, com o fenómeno fantástico das roupas a encolherem ao fim de alguns bifes, atuns, tartes de feijão e bolos de ananás. Assim sendo, é bom que a mota tenha arcaboiço para aguentar estas variantes todas e a Honda NX 250 de 1989, apesar da sua pequena estatura, não desiludiu.

No início, a adrenalina estava nos píncaros: a mota parecia não ter estabilidade e senti-a a deslizar várias vezes debaixo de mim. No entanto, qualquer que seja a mota, marca, modelo ou cilindrada, nova ou com uns aninhos, há uma coisa que infelizmente não vem incluída e, espantem-se, chama-se “kit de unhas”. Depois de me adaptar e perceber o comportamento dela, comecei a desfrutar mais, ou pelo menos q.b., para me manter na estrada. O facto de ser baixa e pesar pouco mais de cem quilos deu-me confiança para arriscar mais, ainda que a desculpa de não conseguir pousar os pés no chão seja isso mesmo, uma desculpa. Quando há “kit de unhas”, qualquer mota serve e ainda bem que meço 1,70 metros de altura!

Os 32 anos da mota não pesaram, mas a suspensão lá se ia queixando nos buracos mais profundos ou nas tentativas de salto. O resto, já se sabe… Honda é Honda e aguentou-se como uma menina crescida. Ainda assim, qualquer que seja a marca, as estradas da ilha de São Miguel são o Éden para qualquer motociclista (desde que não chova, claro está) e mesmo com umas gotinhas tornam a atmosfera especial, pelo menos embaciada, para quem não tem viseira anti-embaciamento.

Por agora, boas recordações e em contagem decrescente para a quarta edição marcada para setembro de 2021, assim a pandemia o permita.