Facelift ou remendo?

04/04/2023

O termo da língua inglesa emprestado da medicina, o “facelift” designa, no Brasil, uma espécie de cirurgia plástica sutil realizada com muita frequência pela indústria automóvel para rejuvenescer modelos com alguns anos de “prateleira”.

Assim como os médicos eliminam rugas e suavizam marcas da idade para oferecerem a seus pacientes uma aparência mais jovial, os designers automotivos também promovem pequenas correções estilísticas para atribuir aos seus veículos mais antigos um refrescante ar de novidade.

Diferentemente da reestilização, no entanto, que é uma “cirurgia” bem mais profunda, podendo mudar radicalmente o visual de um automóvel, o facelift deveria ser uma alteração mais cosmética, por vezes quase imperceptível. Nem sempre é assim. Em alguns casos, o facelift avança um pouco mais. Em outros, a reestilização é muito tímida. Isso até pode confundir os consumidores sobre o que realmente foi feito: afinal, o carro passou por um facelift ou por uma reestilização?

Tanto num caso quanto no outro, não há nada de eticamente errado em tentar revitalizar modelos já um tanto cansados – até que finalmente um sucessor venha a ocupar o seu lugar, o desenvolvimento de um novo carro consome pelo menos quatro anos de trabalho e dezenas de milhões de euros. A não ser pelo fato de que isso pode estimular um consumismo incompatível com a consciência ambiental contemporânea, a troca de um automóvel por causa de um conjunto ótico novo ou de um friso a mais só pode interessar a quem não dá muito valor ao seu dinheiro. Quem realmente entende que um automóvel é um bem durável, e sabe o quanto ele desvaloriza desde que sai da loja, geralmente ignora os tais facelifts como apelo de vendas.

O problema dos tais facelifts não se resume, no entanto, ao estímulo ao consumismo. Como acontece com algumas cirurgias plásticas malsucedidas, alguns resultados podem ser constrangedores. O redesenho de uma grelha frontal, de um pára-choque, de um conjunto óptico ou dos farolins traseiros, por exemplo, pode destoar grosseiramente do conjunto imaginado pelos projetistas do modelo original, dando ao veículo uma aparência bizarra. Nesses casos, qualquer leigo percebe que os novos componentes não “conversam” com a antiga carroceria. Às vezes, são até mesmo antagônicos. É a novidade pela novidade, sem nenhuma justifica estética para a mudança. O senso comum reclama – não sem razão – que o visual antigo era muito melhor. Isso é mais frequente do que se imagina. Os exemplos são muitos e cada qual pode fazer a sua listinha.

Particularmente, não gosto de facelifts, nem de reestilizações. Com raríssimas excepções, os resultados sempre me parecem visualmente desagradáveis, remendos mal feitos, algo mais para urubu do que para colibri. Talvez porque muitas dessas alterações sejam feitas por profissionais que não participaram da concepção original do veículo. Para mim, não há nada como um modelo concebido de pára-choque a pára-choque por um mesmo designer ou por uma mesma equipe de design.

Fotografias: Eduardo Scaravaglione


Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.