Emanuel Proença, administrador da Prio, acredita que a pandemia, provocada pela covid-19, não atrasará o processo de transição energética.

A covid-19 apanhou o mundo desprevenido e obrigou-o a reajustar os seus planos de descarbonização. Mas será que a pandemia acelerará ou atrasará a mobilidade elétrica? Emanuel Proença, administrador da Prio, acredita que as mudanças podem ser avaliadas em duas fases. “A tendência de muito curto prazo é que haja muitas decisões de compra de novos veículos condicionadas pelo atual ambiente social e económico. É possível que se verifique um atraso. Mas a tendência estrutural continua inalterada. O efeito económico de médio prazo? Havendo algum retorno à normalidade económica, a tendência estrutural manter-se-á. A mobilidade elétrica seguirá à mesma velocidade e pelo mesmo caminho que vinha a seguir”, adianta. Neste contexto, Portugal começava a “ganhar” ritmo. “Na Prio, trabalhamos a mobilidade elétrica há 11 anos, procurando sempre perceber o momento em que as soluções de mobilidade elétrica começariam a ganhar dimensão. Nos últimos 12 meses, sentimos uma evolução mais material, mas ainda estávamos em níveis relativamente residuais. A curva de crescimento estava a mostrar algum ânimo, sobretudo para os defensores desta solução, mas tínhamos um longo caminho a percorrer. A tendência começava a ser consistente e a mostrar o potencial das soluções de mobilidade elétrica, sobretudo para os veículos ligeiros”, afirma.

Papel das renováveis
Para Emanuel Proença, importa conciliar o processo evolutivo da mobilidade elétrica com a própria aceleração da transição energética. “A eletrificação poderá demorar mais ou menos, mas ainda terá o seu caminho e o seu tempo”, diz. “Os carros têm uma vida útil de 20 a 25 anos. É transversal aos mercados europeus. São décadas. O automóvel vendido hoje, estará cá nos próximos 20 a 25 anos. E o parque automóvel vendido atualmente, ainda é 95% composto por motores de combustão”, salienta. “Só temos cerca de 0,3% de energia para a mobilidade proveniente de veículo elétrico, mas já temos 7% de energia para a mobilidade de origem renovável. Portanto, temos 20 vezes mais renováveis na mobilidade do que temos de veículo elétrico. A ideia é que este último ganhe um peso muito maior nos próximos anos. Mas vale a pena observar, também, os outros 7% e perceber como podem as outras soluções acelerar o processo de transição energética”, acrescenta. Soluções inovadoras, como, por exemplo, a substituição dos combustíveis fósseis por limpos, os biocombustíveis, o CCS (Carbon Capture and Storage), o HVO (Hydrotreated Vegetable Oil) e o próprio hidrogénio verde assumem relevância. “Há muito a explorar e com os incentivos certos, Portugal poderá ser um case study de transição energética nos transportes”, assegura o administrador da Prio, que considera ainda existirem várias formas de incentivar a mudança de soluções de energia para a mobilidade. “A fiscal será uma delas”. Mas não é a única. “Há outros programas de apoio ao financiamento e à renovação de frotas. Existem programas de equalização da fiscalidade para várias soluções de transição energética e programas de promoção de energia para a mobilidade, que não têm tanto efeito mediático como os veículos elétricos, mas que são tão bons ou melhores. O Estado tem feito um bom trabalho na promoção do veículo elétrico. Mas deve dar, também, condições e oportunidades similares às outras fontes para a transição energética”.
O mercado automóvel foi dos setores mais afetados pela crise. Mas vários estudos indicam que o receio de contágio da pandemia poderá levar grande parte da sociedade a optar pelo uso dos veículos particulares em detrimento dos transportes públicos. Poderá este medo levar a uma subida das vendas? Emanuel Proença é taxativo. “Não. A compra de um novo veículo é uma decisão de longo prazo. Os veículos continuam a ser ativos muito caros. A compra de um veículo é uma decisão que afeta a nossa condição económica durante anos. No curto prazo, a cautela associada à perceção de risco muda os nossos hábitos. Alguns perdurarão, mas tenho dúvidas de que haja uma mudança muito grande do transporte público para transporte privado. Não de uma forma estrutural. A tendência continua a ser o transporte partilhado”, afirma.

Paragem temporária
Ambientalmente, a pandemia tem tido efeitos positivos em todo o mundo. Mas a que custo? “Temos de dividir a questão em duas. Primeiro: é o efeito de curto prazo. Segundo: como podemos aproveitar um momento de transformação para projetar um futuro melhor? Em relação ao efeito que o travar da economia teve nas emissões de gases carbónicos (e de vários outros poluentes), sou muito cético quanto ao seu efeito de longo prazo. A economia suporta o nosso modo de vida, a riqueza que as pessoas possam ou não desenvolver. Uma travagem da economia, não é uma transformação estrutural – se Deus quiser! Porque a tendência de desemprego seria galopante”, explica. “O que se sentiu nos últimos meses foi o efeito de uma paragem abrupta, com efeitos nocivos para a economia. Teve um efeito secundário nas emissões de CO2, mas foi temporário”, diz.

“Vai passear”… em Portugal
A Prio teve de adaptar-se aos tempos de pandemia. E de proteger os colaboradores. “Cerca de 80% continuou a trabalhar”, recorda. Muitos não podiam trabalhar a partir de casa, como foi o caso dos funcionários dos postos de abastecimento e da fábrica de biocombustíveis. “Estamos a ajustar-nos. Mas há uma parcela que ainda ninguém sabe como evoluirá. Faltará recuperarmos 10 a 15% para regressarmos à normalidade”, revela. Durante este período, a Prio procurou estar próxima dos clientes. “Estamos a retomar a atividade promocional, numa lógica de apoio à portugalidade. Criámos a campanha “Vai Passear” para promover deslocações, em segurança, aos locais mais recônditos do nosso país”, revela.