Stella Li, vice-presidente executiva da BYD e CEO para as Américas, passou por Portugal, inaugurou o novo concessionário da marca em Lisboa e, em entrevista ao Motor24, criticou as novas tarifas da UE sobre os veículos elétricos chineses. Deixou ainda um recado claro às marcas europeias.
Texto: Paulo Tavares
A BYD, acrónimo de Build Your Dreams, é a marca líder global em veículos eletrificados – 100% elétricos e PHEV Híbridos Plug-in. Os números são impressionantes. Entre janeiro e julho deste ano, a BYD conquistou uma quota de 22% do mercado global, com mais de 1,9 milhões de veículos vendidos, o dobro da Tesla, a marca que surge em segundo lugar nesta tabela, com 11% do mercado e perto de 950 mil automóveis entregues a clientes.
A CEO que vai tirando o sono a Elon Musk nasceu em 1978 na província de Anhui, China. Licenciou-se em engenharia automóvel pela Universidade de Tsinghua, uma das instituições de ensino mais prestigiadas do país. Após a sua licenciatura, começou a trabalhar na BYD, empresa fundada pelo seu tio, Wang Chuanfu, que na altura fabricava sobretudo baterias para telemóveis.
Stella Li esteve em Lisboa, na inauguração de um novo concessionário da marca. A BYD está presente em 88 países e em mais de 400 cidades, com fábricas na China, Brasil, Tailândia e Uzebequistão, sendo que estão em construção unidades no México, na Turquia e na Hungria.
Esta última localização, dentro da UE, é a chave para evitar as novas tarifas sobre os veículos chineses, que devem entrar em vigor este outono. Stella Li revela que a “fábrica na Europa vai estar operacional a partir do final de 2025”, mas acrescenta que o investimento na Europa não vai ficar por aí. “Vamos passar a produzir carros na Hungria, mas vamos investir mais na Europa, incluindo centros de investigação e desenvolvimento (I&D) e também vamos ter mais concessionários um pouco por toda a Europa”.
Um corte óbvio nos custos, na fatia relacionada com o transporte a partir de outros pontos do globo, mas também uma bela forma de evitar tarifas de importação. Em cima dos 10% que todos os veículos produzidos fora da UE pagam ao entrar na Europa, os construtores chineses enfrentam uma nova vaga de tarifas. Trata-se de novas taxas, desenhadas para proteger uma indústria europeia que acordou tarde para a mobilidade elétrica e que luta para concorrer, em preço, com os veículos chineses. A Comissão Europeia argumenta que o aumento de importações de veículos chineses para a UE está assente numa política de subsídios estatais injusta, que coloca os veículos elétricos chineses em território europeu a preços muito mais baixos do que os concorrentes europeus. Em algumas marcas a nova tarifa pode chegar perto dos 38%, sendo que no caso da BYD é de 17,4%.
Um valor significativo num mercado que vive de margens apertadas. Stella Li fala de uma importante redução de custos, com a futura inauguração da fábrica na Hungria, “sobretudo porque ao produzir aqui vamos evitar tarifas de importação”.
A vice-presidente e CEO para as Américas da BYD, responsável, por exemplo, pela entrada e sucesso da marca no mercado brasileiro, não evita um sorriso aberto ao comentar a decisão da Comissão Europeia. “Não consideramos que seja o caminho certo, porque no fim do dia quem paga é o consumidor. É uma decisão contra os interesses do consumidor europeu.”
Stella Li não concorda com o argumento de que as marcas chinesas têm potencial para “matar as marcas europeias”, afirmando que esse “não é um argumento realista, porque nós investimos muito no futuro e na eletrificação, investimos muito dinheiro em I&D, em tecnologia, e o que estamos a ver é o resultado desse investimento”. Deixa, por isso, um recado simples e claro aos construtores europeus. “As outras marcas, as chamadas marcas tradicionais, têm de apressar o passo, têm também de investir na electrificação e acreditar no futuro.”
Sobretudo uma empresa tecnológica
A BYD investe rios de dinheiro em I&D de baterias. Esse esforço materializou-se na bateria Blade, que recorre à química LFP – usa Lítio Ferro-fosfato como cátodo -, uma tecnologia que garante mais segurança, estabilidade térmica e durabilidade, sendo praticamente livre de cobalto, um elemento cuja mineração tem sérios impactos ambientais, sobretudo em países em desenvolvimento. Outra face desse investimento é o sucesso comercial da BYD enquanto fornecedor de baterias a outros construtores, como a Tesla.
Stella Li acredita numa evolução contínua das baterias, sobretudo na “densidade energética e na performance em temperaturas extremas, “a BYD vai continuar a trabalhar nesse caminho. Para lá da bateria propriamente dita, estamos certos de que é de esperar muito mais inovação no tema do carregamento. Acreditamos ainda que as baterias LFP (fosfato ferro-lítio) são uma solução sustentável e de futuro”.
Uma outra área de I&D com potencial para redesenhar o futuro da mobilidade é a condução autónoma. Stella Li não tem dúvidas de que “será esse o futuro. Nós já temos um grande centro de I&D, mas acabámos de abrir um outro centro de desenvolvimento de software especialmente dedicado à condução autónoma e inteligente. Com toda a concorrência que existe na China, acho que será lá que vamos estrear a condução completamente autónoma, mas mesmo que não usemos toda essa capacidade de condução autónoma, os sistemas de ADAS (Advanced Driver-Assistance Systems) serão cada vez mais avançados”.
A vice-presidente executiva da BYD puxa de dois exemplos, ou dois sistemas bastante práticos, que já equipam o U8 Yangwang, um SUV de grandes dimensões. “O nosso U8 tem um sistema de Vallet Parking muito avançado. Num parque de estacionamento, encontramos um lugar, carregamos num botão e podemos sair do carro que ele estaciona sozinho, mesmo a grande distância. Isso é muito cómodo e quando conduzo outros carros aqui na Europa sinto falta do sistema. E o U8 pode ainda fazer outra coisa ao estacionar, o swing. Estacionar aqui na Europa, em paralelo ao passeio, é uma manobra complicada. Com o U8 colocamos a parte da frente no lugar e depois a traseira desliza para dentro do lugar. É o tipo de tecnologia que vamos trazer para a Europa brevemente, num futuro muito próximo.”