A travessia do Myanmar até ao Laos

08/03/2017

Depois daquela confusão sobre onde haviam de me largar, ao ser escorraçado tanto do Laos como de Myanmar, acabei por passar a noite num pequeno hotel do lado de Myanmar, junto à fronteira com a Tailândia, na zona do chamado triângulo dourado. Comigo não tinha mais do que aquilo que trazia vestido, ou seja o fato da moto. Tomei um duche, dormi e no dia seguinte voltei a vestir o fato com a mesma roupa interior, entretanto com o suor já seco.

O meu guia, que já ia a caminho de casa, recebeu ordens governamentais para regressar ao meu encontro e acompanhar-me naquele dia extra que eu passaria em Myanmar. Pelas dez da manhã parti no carro do guia até à fronteira com a Tailândia. Tinham cancelado a minha saída do país pelo que tiveram que voltar a carimbar o passaporte. O guia e o seu motorista não só passaram a fronteira comigo como me levaram até ao “tuc-tuc”, uma espécie de “pick-ups” com bancos na parte de trás que fazem os transportes locais, que me levaria até à fronteira com o Laos, uns 20 Km mais a sul, junto à margem do rio Mekong, que separa os dois países. Na parte de trás da “pick-up”, adaptada com dois bancos corridos, já dormia uma senhora gorda que, estendida no banco esquerdo o ocupava por completo. Esperei uma meia hora pela hora de partida, tipo camioneta de carreira, no outro banco e acabou por chegar mais uma cliente, vestida com muitos folhos e cheiro a perfume barato.

Chegado à fronteira não havia mais ninguém para atravessar para o Laos pelo que tive que alugar um barco só para mim. Do outro lado do rio a alfândega estava deserta e quando, depois de tratar do visto e carimbar o passaporte saí para a rua, não haviam nem táxis nem qualquer outro transporte. Convenci o condutor do único carro estacionado no local a levar-me ao posto, junto ao rio, onde tinha deixado a moto. Pelas quatro da tarde estava outra vez montado na “CrossTourer”.

Não tinha a mínima ideia do que iria encontrar no Laos. Se as estradas eram ainda piores que as de Myanmar, se haveria hotéis ou pensões onde ficar naquela parte recôndita do país, etc.

Pus 7 litros de gasolina com o dinheiro que me restava em Bahts Tailandesas, aceites como pagamento sem problema no Laos, e parti em direção à vila mais próxima, Huay Xai, a pouco mais de quarenta quilómetros de distância. Quando lá cheguei fiquei surpreendido ao ver muitos turistas ocidentais e uma vila visivelmente virada para a sua exploração.

Passei por um restaurante onde assavam pato num churrasco cá fora e parei para o meu habitual almoço/jantar. Eram umas cinco da tarde. Estava a devorar o meu pato, acompanhado de uma cerveja local, servida em garrafas de mais de meio litro e por acaso bem boas, quando um casal de belgas ao ver a moto, pediu para se sentar na minha mesa. Costumavam viajar de moto, cada um na sua, mas agora tinham as motos no Canadá, para em breve irem até ao Alasca, e ali tinham alugado umas bicicletas para darem uma volta pelo Laos. Não queriam acreditar que eu tivesse conseguido atravessar Myanmar e diziam que, se isso constasse nos blogues de viagens, o meu mail iria ser invadido por perguntas sobre como fazer para o conseguir, pois nunca o governo de Myanmar tinha dado autorização antes para alguém atravessar o país por estrada.

Para descansar dos movimentados últimos dias decidi ficar por ali mais um dia, instalei-me no hotel que os belgas me indicaram e aproveitei para, no dia seguinte, fazer uma revisão à moto que sentia estar a perder potencia para além de custar mais a pegar. Quando abri a tampa do filtro de ar percebi a razão. Embora tivesse sido substituído em Delhi, há cerca de 7.500 Km atrás, estava totalmente bloqueado, com  sujidade e areia. Por sorte tinha um suplente comigo.

Depois do dia de descanso arranquei a caminho de Luang Prabang, onde tinha combinado encontrar-me com uma amiga mexicana que tinha conhecido dois meses antes em Goa. No primeiro dia fui até Luang Namtha e a qualidade das estradas impressionou-me pelo bom asfalto, marcações e sinais de trânsito, algo que não via há muito.

A estrada de montanha era fabulosa e deu-me imenso gozo fazê-la, com a qualidade do piso a permitir-me inclinações da moto que há muito não experimentava. Pensei que, se calhar, as estradas no Laos eram todas assim. No dia seguinte acabaram as minhas ilusões. O piso da estrada entre as duas cidades era não só muito mau, como algumas partes do percurso eram em terra batida, esburacada. Na estrada comecei a ver mais turistas, mas desta vez eram tailandeses que ali fazem férias de carro. Passeiam-se em caravana onde cada um dos recentes jipes tem um número e seguem em fila por ordem numérica em grupos de cerca de dez carros. Param todos juntos para almoçar em restaurantes marcados para depois seguirem na sua excursão, delineada ao pormenor.

Luang Prabang é uma cidade fantástica, atravessada por dois rios, com “Guest Houses” típicas bem decoradas e muitos templos bem conservados. Junto a um dos rios, os restaurantes sobre a margem são uma das atrações, enquanto à noite uma feira de produtos artesanais muito animada enche as ruas de turistas ocidentais.

Não via o Laos tão virado ao turismo. Os habitantes ainda estão meio aparvalhados com a chegada destes forasteiros e tentam extrair-lhes o mais que podem. O hotel onde fiquei, em que o rapaz me pediu o equivalente a 15 euros pela noite às duas da tarde, pelas seis, com apenas um quarto disponível, já o ouvi propor a uma alemã por 35 euros.

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*Francisco Sande e Castro está a dar a volta ao mundo de moto e M24 publica o seu diário de bordo. Acompanhe-o nesta grande aventura

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