O motor escolhido veio diretamente da divisão de camiões do grupo, um enorme V10, com oito litros de capacidade e integralmente construído em ferro fundido. No entanto, este foi refeito pela Lamborghini – tinha acabada de ser adquirida pela Chrysler – em alumínio e ainda chegaram a equacionar uma cabeça de quatro válvulas por cilindro, mas aqui os bean-counters levaram a melhor. Não passou da fase de projeto. Na primeira geração do Viper, o propulsor debitava 405cv@4600rpm. Nada de muito stressante.
O resto do automóvel pretendia-se espartano, apenas com o que realmente conta para gerar sensações fortes. Sem capota e vidros laterais (viriam a ser oferecidos mais tarde), sem puxadores de portas exteriores, a Dodge tornou o Viper uma experiência de entusiastas para entusiastas.
E parece que resultou muito bem. Dotado de uma carroçaria em plástico, com linhas em tudo remanescentes do Cobra, e com um interior bem guarnecido em mostradores analógicos, o Viper não faz concessões ao conforto. É extremamente focado no prazer de condução, exigindo do condutor vigor, determinação e presença de espírito. As recompensas são a condizer: amplas e fortes… muito fortes. Com uma legião de seguidores, este modelo ficará na história automóvel como um dos últimos, senão o último, muscle-car.
A minha experiência com o RT/10, algo “condicionada” pela impossibilidade de remover o hardtop, poderá ser descrita como intensa. Já conduzi vários automóveis potentes e de prestações elevadas, mas este tem um recorde: nunca tinha conduzido um 8-litros de cilindrada! De facto, este detalhe, por si só, promete uma reserva de binário não muito habitual… 665 Nm para ser exato! Este RT/10 é de segunda geração, o que quer dizer que o motor debita 450 CV@5200rpm e estava equipado com um escape opcional…que, segundo me disseram, liberta mais 25 a 30cv. Parece-me bem…
O rodar de chave acorda o enorme V10, que logo se fica pelo regime de ralenti, sem nenhum queixume ou hesitação. O drama vem quando toco no acelerador e a potência vocal do conjunto é libertada. Estes motores de 10 cilindros têm uma sonoridade bastante curiosa. Longe dos tradicionais V8 ou dos mais sofisticados e elegantes V12, é algo assíncrona, parece que falta algo… ou então será meu o defeito. No entanto esta sensação desaparece quando o propulsor sai do regime de ralenti. Aí tudo se conjuga e o ruído emitido é simplesmente fabuloso, violentamente visceral.
Em andamento, o Viper mostra uma certa ligeireza na qualidade de construção, amplificada pela largura generosa dos pneumáticos. Não jogam muito bem em estradas de piso irregular, mas quando chegamos a pavimento de qualidade superior, tudo melhora. A primeira vez que calco o pedal da direita a fundo, os pneus traseiros emitem um ligeiro protesto e, de imediato somos catapultados para a frente com uma veemência que quase parece irreal, acompanhados por um urro mecânico muito invulgar. Um bocado como pôr um filme em fast-forward…tudo se passa com uma rapidez quase incontrolável sem os passos que normalmente levam até aí. Não há pontos intermédios. O acelerador funciona como um interruptor de velocidade, tal a rapidez com que provoca… aceleração — é instantâneo! Binário…
O comportamento em curva é uma agradável surpresa: muito equilibrado e estável, inspira confiança e a direção assistida tem um feedback surpreendentemente direto. Claro que é preciso dosear o pedal com muita precaução, o que é facilitado pela excelente modularidade deste. Com um curso longo, é relativamente simples encontrar o ponto certo. E descobri-lo é fundamental porque, em curva, qualquer exagero é letal. A melhor abordagem é utilizar a relação de caixa seguinte e deixar o V10 fazer o seu trabalho.
Apesar das dimensões exteriores generosas, o espaço interior é justo, com o túnel de transmissão gigantesco. Em andamento, O Viper demonstra uma agilidade que as dimensões não deixam antever. Sinceramente estava à espera de algo mais desajeitado e com um ritmo mais vivo parece que encolhe em torno dos ocupantes.
Mas voltando ao binário, não sei se já o tinha mencionado… Em termos absolutos, e para termos uma base de comparação, um 3.0 TDI da VW tem 500 Nm de binário máximo, valor que não anda muito longe do Viper. Mas a grande diferença nem é o quanto mas sim o como. É a diferença entre um motor sobrealimentado que, enquanto o turbo começa a fazer pressão, deixa algum espaço para nos habituarmos ao crescendo, e um atmosférico, com esta resposta muito singular. Simplesmente o nosso cérebro não processa o que se passa logo a seguir, no imediato. É uma experiência quase transcendental.
A prioridade, que era construir um sucessor do Cobra foi amplamente conseguida… é um brinquedo especial, peculiar e na atual conjuntura arriscaria a dizer…único.
Automóvel cedido por Pep’s Gang (917 235 762/917 232 415)
Hélio Valente de Oliveira
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