Os clássicos do futuro

16/12/2018

Um dos exercícios mais fascinantes para qualquer antigomobilista é imaginar quais automóveis contemporâneos serão cultuados como “clássicos” daqui a 30 anos. Pode ser também um bom investimento de longo prazo. Mas, como antecipar-se ao futuro em um tema tão subjetivo?

O londrino que dirigia um modesto Mini Morris ou o francês que singrava Paris a bordo de um confortável Citroën DS, nos anos 1950, poderiam prever que seus automóveis do dia-a-dia seriam cobiçadas peças de coleção no começo do século XXI? O que pensaria um brasileiro da década de 1960 se lhe dissessem que a desengonçada Romi-Isetta, o lerdo Karmann Ghia ou o frágil Simca seriam um dia venerados por colecionadores e museus em todo o país?

Não existe bola de cristal no antigomobilismo. Tampouco modelos matemáticos, como na meteorologia, para antecipar o que pode acontecer. Nem todo automóvel “velho” vira automóvel antigo; nem todo automóvel antigo vira clássico. Mas uma observação mais atenta dos modelos de ontem que se transformaram nos clássicos de hoje pode indicar quais veículos atuais têm alguma chance de vir a ser um vintage car no futuro. Como nos exemplos citados, o clássico já nasce com algumas características – tecnológicas, conceituais ou estéticas – que o distinguem dos veículos comuns.

O Mini, por exemplo. Além de suas qualidades mecânicas, inovou no quesito aproveitamento do espaço: um automóvel minúsculo por fora e espaçoso por dentro (relançado pela BMW em 2001, é um sucesso). O Citroën DS incorporava um sem número de inovações mecânicas (suspensão hidropneumática, faróis móveis, etc) em uma carroceria by Bertone tão imponente que o ensaísta Roland Barthes a comparou a uma “catedral gótica”.

A Romi-Isetta é considerada o primeiro automóvel fabricado no Brasil – tem valor histórico. O Simca foi o primeiro “rabo-de-peixe” nacional com motor V8. Teve muitas versões (Chambord, Rally, Tufão, Três Andorinhas, a perua Jangada). E um design de tirar o fôlego da nascente classe média brasileira da época da Bossa Nova. Ainda hoje é um belo carro. Uma síntese das escolas de design americana e europeia. Já o Karmann Ghia é basicamente um Fusca – mas “vestido” com uma carroceria esportiva italiana reputada internacionalmente como obra-prima do design automotivo. Museus de arte e design até possuem exemplares em seus acervos.

Atualmente, os automóveis de rua estão muito nivelados tecnicamente e bastante semelhantes dentro de uma mesma categoria. Distinguem-se por detalhes mecânicos ou estilísticos. Por isso é difícil prever quem vai resistir ao tempo.

Entre os nacionais das duas últimas décadas que ainda estão nas ruas, eu arriscaria alguns palpites: o primeiro Golf GTi; o primeiro Escort XR3 e o Kadett (nas versões conversíveis); a cinquentona Kombi (o veículo que permaneceu mais tempo em produção no país); o primeiro Ka (lançou o design New Edge no Brasil, seguido pelo Focus, outro belo candidato); o Uno Mille (primeiro 1.0); o Omega (um sedan classudo), o Monza Hatch…a lista não é longa. E, claro, é muito subjetiva.

Nos importados, listaria, entre outros, o Fiat Coupé, o Honda Prelude, o Mazda Mx3, o Ford Mustang e o Mitsubishi Eclipse da safra 1995, alguns coupés BMW e Mercedes, alguns Alfa Romeo, o Chevrolet Calibra e, entre os mais novos, o Honda Prius, por ser um dos primeiros híbridos em tempos de eletrificação da indústria automobilística, entre outros.

Como não sei se estarei vivo daqui a 30 anos para conferir o resultado dos meus prognósticos, qualquer exercício de futurologia fica bem menos arriscado.

Fotografias: Eduardo Scaravaglione

Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.

Irineu Guarnier / Jornal dos Clássicos