As corridas de Grand Prix estavam a ser dominadas pelas “Flechas de Prata”, algo que começou em 1934, porque Adolf Hitler queria demonstrar as capacidades técnicas e superioridade da Alemanha e, com isso, a Auto-Union e a Mercedes-Benz estavam cada vez mais potentes e dominadoras. Nem as imposições de um máximo de 3.0L de cilindrada nos motores com aspiração forçada, em 1938, acabaram com a supremacia destes. Entretanto, em 1939, estala a Segunda Guerra Mundial e todos os esforços, recursos e mão-de-obra acabam concentrados a desenvolver armamento.

Ferdinand Porsche, um grande nome da engenharia, já há muitos anos ligado a projectos de outras marcas e que, entretanto, tinha fundado uma empresa de consultoria e engenharia, trabalhou no desenvolvimento dos Auto-Union. Quando a Segunda Guerra começou, Ferdinand passou a desenvolver os blindados alemães, como os Tiger, Elefant e Panzer, entre outros.

Após a Guerra, os Nazis construíram uma fábrica em França para fabricar o KdF Wagen, o futuro Volkswagen Carocha. Ferdinand Porsche, como é sabido, estava à frente desse projecto, e as marcas francesas não gostaram particularmente da atitude dos alemães. Devido a isso, Ferdinand, o seu filho Ferry e Anton Piech foram presos por crimes de guerra. A filha de Ferdinand, Louise, toma o controlo da empresa do pai, com o engenheiro Karl Rabe. Após seis meses, Ferry Porsche é libertado, devido aos esforços conjuntos do piloto Raymond Sommer e o fundador das 24h de Le Mans, Charles Faroux. Estes dois conseguem a libertação de Anton Piech, uns meses mais tarde, mas de Ferdinand Porsche não.

Em Dezembro de 1966, Piero Dusio chega à fábrica da Porsche, em Gmund à procura de ajuda, recomendado por Carlo Abarth. Dusio era proprietário de uma pequena fábrica de automóveis desportivos, a Compagnola Industriale Sportive Italia, conhecida por Cisitalia. Dussio queria dar um passo em frente, porque já desenvolvera automóveis de competição de 1100 cc, com base no Fiat 500 Topolino, mas queria competir nos Grand Prix com um automóvel de 1.5L e compressor volumétrico, o novo tecto máximo dos regulamentos. Sem saber, Piero Dusio foi o homem que tirou Ferdinand da prisão, pois o dinheiro que ele pagou para a abertura do projecto, foi reencaminhado para retirar o Dr. Porsche da cadeia.

Ferdinand Porsche começou então o projecto, tendo um prazo de 16 meses dado por Dusio e, baseou-se no Auto-Union Type E que nunca tinha competido, mas que estava equipado com o motor de 1.5L com compressor, já de acordo com as novas regras. Construiu uma estrutura tubular em aço crómio-molibdénio, onde montou o motor de 12 cilindros opostos, com dois carburadores Weber invertidos e dois compressores volumétricos Centric, numa posição central traseira. Após testes, o motor deveria debitar cerca de 400 a 450 cv, isto com 2,8 bar de pressão, às 10500 rpm. No entanto, decidiu limitar a potência aos 300 cv, para ser mais fiável. Vários testes foram executados e aí Ferdinand elevou a potência para os 385 cv, com um binário de 370 Nm. Com um limite de rotação, entre as 10500 e as 12000 rpm, o automóvel poderia chegar aos 300 km/h. O motor foi acoplado a uma caixa de cinco velocidades sequenciais, desenhada por Leopold Schmid, similar a uma de mota.

A grande inovação era a tracção integral, que quando necessário o piloto poderia enviar 50% da potência para as rodas da frente. Isto porque com uma tracção integral permanente, o automóvel perderia muita potência por fricção e causaria sub-viragem. Assim o sistema poderia ser desactivado, por exemplo nas rectas, e activado nas curvas e quando a aderência era pouca. Tinha um peso de apenas 650 kg, devido à sua construção leve. Os travões estavam a cargo de quatro tambores em alumínio de grandes dimensões, com condutas de ar para arrefecimento. A suspensão era trailing arm na frente e eixo De Dion na traseira.

O primeiro chassis do Typ 360 ficou completo em 1947 e foi entregue à fábrica de Piero Dusio. Mas nesta altura, as vendas da Cisitalia estavam em queda, e nem mesmo a vitória de Tazio Nuvolari na Mille Miglia num Cisitalia 202 ajudou e as dívidas começaram a aumentar. Mas Dusio conseguiu um acordo com o argentino Juan Peron e com a injecção de dinheiro deste, construiu uma fábrica na Argentina, a Autoar, que venderia automóveis desportivos e tractores com design Porsche. Mas estas notícias não caíram bem, pois Dusio ainda devia muito dinheiro. Peron pagou as dívidas de Dusio, com a condição de este transferir os seus negócios para a Argentina.

Durante três anos, o Typ 360 ficou esquecido na fábrica da Autoar e, quando chegou a hora de o pôr a competir, os mecânicos inexperientes não sabiam o que fazer. Mudou o nome do automóvel, para Autoar Especial e com o piloto italiano Clemar Bucci, bateu o recorde sul americano de velocidade com 233 km/h, longe dos 300 km/h que este poderia atingir. Uma segunda tentativa saiu frustrada e só voltaria a ser usado numa corrida nas ruas de Buenos Aires. Devido ao seu complicado sistema da caixa de velocidades e ao facto de estar com um problema que ninguém conseguiu resolver, o Porsche Typ 360 Cisitalia só fez algumas voltas de treinos e foi de novo encostado e votado ao esquecimento. Juan Peron foi derrubado, num golpe de estado em 1955, o projecto da Autoar foi também abaixo e o Typ 360 foi vendido a um particular, não voltando a ser utilizado.

Em 1959, umas fotografias do Typ 360 chegaram às mãos de Ferry Porsche que fez todos os possíveis para adquirir o automóvel e levá-lo para a Alemanha. O automóvel voltou para casa e foi submetido a um intenso restauro.

Quase uma década depois, em 1968, os restos de um segundo chassis do Typ 360 inacabado, foram encontrados num concessionário da Volkswagen, em Racogni, Itália. O coleccionador que o descobriu, Corrado Cupellini, não tinha capacidades para o restaurar e colocou-o à venda na revista inglesa Motor. Tom Wheatcroft adquiriu o automóvel e as peças, mas demorou anos a recolher informação à cerca do Typ 360. Infelizmente Tom faleceu, em 2009, e o Typ 360 voltou a ser vendido a um particular antes de ser adquirido pela Porsche. Após 60 anos, os dois chassis voltaram a estar juntos. Tal como o primeiro, este foi sujeito a um restauro intensivo, tendo inclusive utilizado o outro para clonar peças inexistentes.

O primeiro chassis está em exposição no Museu da Porsche, quanto ao segundo ainda aguarda pelo final do restauro, de modo a poder ser conduzido pela primeira vez.

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