Está aqui a explicação de não ter sido abordada antes. Como já referi várias vezes, as crónicas são sobre motos das 3 últimas décadas do século passado e modelos intemporais como a Bonneville T120, lançada em 1959 e comercializada até 1974 são anteriores, sendo que na década de 70 a marca estava já numa situação agonizante a que não é alheia a gradual penetração das marcas japonesas que já abordámos anteriormente.
Assim, ainda antes de apresentar a eleita desta semana vamos aproveitar para contar, de forma muito sumária, um pouco da história da marca Triumph. Não confundir com a de roupa interior feminina!
Podemos recuar até 1884, ano em que um alemão de nome Siegfried Bettmann recentemente emigrado para Inglaterra (Coventry) monta um negócio de peças e bicicletas com o seu apelido, ou seja, Bettmann.
Três anos mais tarde muda o nome da companhia para New Triumph Co. Ltd e tem como sócio John Dunlop, o “tal” escocês responsável pela divulgação do pneu pneumático. Nesse mesmo ano junta-se a eles outro alemão, de nome Mauritz Schulte, que os desafia a alargar a atividade da empresa e logo no ano seguinte começam a produzir as suas próprias bicicletas.
Podemos considerar que as motos chegam um bocado mais tarde. Depois de várias vicissitudes, eis que em 1902, sob a direção de Schulte é criado o primeiro motociclo. É pouco mais que uma bicicleta com um motor com apenas 2 cv do fabricante belga Minerva, mas é o “pontapé de saída”!
Apenas 3 anos mais tarde a Triumph cria o seu primeiro motociclo “in house”, já com uma potência superior a 3 cv e praticamente 60 km/h de velocidade máxima, sendo que no ano seguinte já consegue uma produção anual de 1000 unidades!
Após o final da guerra a marca passa por grandes transformações e também dificuldades, Schulte abandona a empresa… e é no meio de toda essa turbulência que, em 1937, a marca lança o seu motor de 498cc, o Speed Twin (T100) que se torna imagem da marca e ajuda à sua afirmação global, servindo de inspiração também para o modelo desta crónica.
Nova guerra mundial, vendas ao exército, fábrica de Coventry bombardeada pelos alemães… uma série de acontecimentos vários que culminam, em 1951, com a venda do fabricante à rival BSA por 2,5 milhões de libras.
Essa década e a seguinte são ricas de sucessos e de fracassos, mas a marca expande-se globalmente, lança novos modelos, liga-se ao cinema, por exemplo com Marlon Brando sobre quem já falámos aquando da Monster 600. Também consegue importantes vitórias na competição, mas a década de 70 acaba por ser fatídica e a falência está à espreita, sendo que em 1983 o investidor John Bloor decide “ressuscitar” a marca agora moribunda, mantendo assim vivo o nome Triumph.
Três anos depois a marca apresenta a sua novíssima Speed Triple 900 no Salão de Paris, em setembro e o futuro torna-se um pouco mais risonho. Vamos agora focar-nos nela.
N.º 33: Speed Triple 900 (T309)
Quando chegou ao mercado, no início de 1994, veio preencher uma espécie de vazio que existia no mercado. Um nicho de mercado com imenso potencial e ainda pouco explorado, recuperando as melhores tradições das café-racers das décadas de 60 ou 70.
Ao olhar para ela quase que me imagino a estar em Londres nessa época, a ir beber um pint (para nós pode ser uma Imperial ou Fino, com cerca de meio litro) ao café Ace, verdadeiro ícone da cultura britânica da época e que ainda hoje deixa marcas e levanta sentimentos de nostalgia.
O exemplar que vos apresento, muito obrigado ao Mendes pela disponibilidade, simpatia e conhecimento sobre o modelo, é logo da primeira fornada, tendo sido matriculado em 1994 e é da cor mais comum, ou seja, o tradicional preto diabo, embora existam outras cores, caso do amarelo desportivo.
Infelizmente não está (ainda) completamente original, mas o dono está a fazer o longo percurso para lhe devolver a glória inicial. Por exemplo, os manómetros estão à espera de ser recuperados já que a compra de uns exemplares em bom estado tem um preço proibitivo e só existem mesmo através da importação, até porque as vendas do modelo no nosso país terão sido sempre em reduzido número.
Independentemente da perspetiva, a moto tem um visual impactante e que nos consegue cativar e seduzir, mas a moto é muito mais que isso e ainda bem!
Os componentes são de grande qualidade, incluindo uma forquilha dianteira kayaba multiregulável de 43 mm ou um bem dimensionado sistema de travagem, com 2 discos dianteiros de 310 mm e um traseiro de 255 mm, além de generosas borrachas com um dianteiro 120/70 ZR17 e atrás um enorme 180/70 ZR 17, ladeado por duas magníficas ponteiras de escape em negro.
O motor de 3 cilindros em linha, dupla árvores de cames, 12 válvulas e 885 cc não é um portento de potência, desenvolvendo 98 cv às 9.000 rpm, mas o binário é interessante com cerca de 83 nm às 6750 rpm. Ou seja, um motor que se mostra bem cedo, tipo 5.000, com uns médios regimes muito fortes. A opção por uma caixa de 5 velocidades faz sentido numa lógica de ter mudanças a alongar mais, mas assumo que sou fã das caixas de 6 velocidades, que a marca uso nas outras “variantes” deste motor, como vamos ver ainda nesta crónica.
Bastante fácil de conduzir, faz-nos carregar muito peso sobre a dianteira, bom para as curvas e mau para uma condução descontraída. Nota menos também para o peso elevado, acima dos 230 kg (depósito gigante de 25 litros) e para a sensação que transmite por o centro de gravidade estar muito alto, o que exige alguns cuidados acrescidos ao curvar ou em manobras a baixa velocidade.
Sobre os consumos (carburadores Mukuni de 36 mm) não esperem milagres. Mesmo que afinados e numa condução não muito exagerada é fácil ter consumos a rondar os 7/8 litros ou mesmo mais, o que para os dias de hoje assusta, mas estava na média na altura.
Tudo somado, é uma moto verdadeiramente especial e importante, com caraterísticas muito próprias e que a marca soube manter nas gerações seguintes, começando logo pela de 1997 em que lançou uma mudança de fundo (955), com os 2 faróis e foi popularizada por Tom Cruise em Missão Impossível II.
Este vídeo mostra bem a diferença entre a primeira geração e a atual e é quase um tributo:
Construção modular: vários modelos de uma só plataforma e motor
Mesmo para um multimilionário como Bloor fazer frente aos japoneses era impossível, mas a lógica de “se não os podes vencer… junta-te a eles” faz todo o sentido e já referimos vários exemplos disso, sendo que foi exatamente o que Triumph fez tendo por base a plataforma e o motor da Speed Triple.
Assim, de uma assentada só, a marca foi mais longe e disparou em várias direções, sempre na lógica de rentabilizar o investimento e chegar a um maior número de potenciais clientes e vários nichos de mercado.
A Tiger 900, que recuperava um nome com grande historial na marca, permitiu à marca entrar de rompante no segmento das maxi-trail, enfrentado a Africa Twin e XTZ. Era e continua a ser uma maxi-trail potente (cerca de 85 cv), mas também grande e muito pesada, com mais de 230 kg. Brilha sobretudo no asfalto e ainda hoje se encontra com relativa facilidade, em especial na cor azul. Vem equipada com caixa de 6 velocidades.
Outra declinação sobre a mesma base era a Daytona 900. Um modelo de caraterísticas desportivas e que é mais que uma Speed triple carenada, já que esse lugar pertence à Trophy 900. A Daytona tinha uma estética inconfundível com uma carenagem muito completa e 2 faróis bem separados. Foi ainda comercializada uma versão mais radical (e cara) a que a marca deu o nome de Super III que tinha a mesma base mecânica, mas uma potência mais de acordo com as suas caraterísticas desportivas: 115 cv, ajudada por uma caixa também de 6 velocidades.
Naturalmente que tenho que fazer menção à Trident 900. Foi ela a primeira a chegar, logo em 1991 e serviu de base para as restantes declinações, mas o destaque irá sempre, na minha perspetiva para a Speed Triple, a verdadeira fusão entre café-racer e streetfighter.
Nota menos ainda para os preços de comercialização que garantiam uma maior exclusividade aos modelos da marca, mas menos matriculações ao importador da época, a Abol Motos. Por exemplo, em 1993 uma Tiger 900 custava 1722 contos, uma Africa Twin 750 1390 contos e uma XTZ 750 1277 contos! Como dizia o outro “é só fazer as contas”!
A maior parte das fontes de informação não são portuguesas, tirando a honrosa exceção ao fórum café racer 351, apresentando-se agora alguns pontos de pesquisa que podem ajudar a saber mais sobre o modelo e até sobre a própria marca.
FedroTriple: site italiano com muita informação sobre o modelo, incluindo publicidade;
Mark1speedtriple: bom ponto de partida para o modelo. Muita informação;
Thevintageagent: para quem quiser saber mais sobre modelos históricos da marca;
TheSpeedTriple: fórum especializado sobre o modelo, em especial até 1996;
Triumphrat.net: fórum especializado em todos os modelos Triumph incluindo a Speed Triple;
Caferacer.net: fórum especializado em motos do tipo café racer, também sobre a Speed Triple;
Forumcaferacer351: fórum nacional para apreciadores das motos do tipo café racer e não só.