Ciclomotores e Motociclos que marcaram uma geração – Honda CB 500 Four

01/08/2022

A 17 de novembro de 1906, nasceu na aldeia de Komyo (Hamamatsu), o filho mais velho de um ferreiro de nome Soichiro Honda. Ao que consta, não se interessava verdadeiramente pela escola, mas era genial na prática e aos 16 anos o jovem foi para Tóquio como aprendiz numa oficina mecânica, sendo que, anos mais tarde, voltou para Hamamatsu e abriu a sua própria oficina.

Numa fase inicial dedicava-se a produzir segmentos para pistões e é em 1937 (dois anos antes da Segunda Guerra Mundial) que nasce a “Tokai Seiki Heavy Industries”, mas com a guerra tudo se complicou e o Japão pagou um preço muito alto, incluindo o bombardeamento com bombas atómicas que, felizmente, nunca mais repetiu na história e esperemos que assim continue!

Em outubro de 1946 Honda, com 40 anos, criou o Instituto de Pesquisas Técnicas e, tal como muitas outras marcas japonesas e não só, viu que para mitigar a situação caótica era fundamental apostar na mobilidade das pessoas, algo que fosse barato, simples e robusto.

Ao que consta, primeiro comprou um lote de motores de geradores que adaptou em bicicletas, mas logo percebeu que podia criar a sua própria moto e em 1948 foi fundada a Honda Motor Co. Ltd. e logo no ano seguinte lança a revolucionária Honda Dream D-Type (Sonho, em Português), com 98 cc e 3 cv, sendo que o mundo nunca mais foi o mesmo daí para a frente!

Estavam dados os primeiros passos para que o maior construtor de motores a nível mundial chegasse aos dias de hoje com a dimensão que tem! Aliás, em 2019, aquando dos seus 70 anos, a marca atingiu a marca memorável de 400 milhões de unidades de motos, de todos os tamanhos e cilindradas! Feito verdadeiramente inacreditável! De facto, já em 1959 a marca tornou-se o maior fabricante mundial, muito graças ao sucesso da Honda (Super) Cub!

 

Soichiro era um verdadeiro génio e um empreendedor nato que nunca se dava por satisfeito, procurando sempre novos projetos, fazer cada vez melhor, sempre com mais qualidade e tecnologia, fossem carros, motos, geradores, motores para barcos ou máquinas agrícolas…

Além disso, era um fã confesso pela competição! Adorava as pistas, os circuitos, poder fazer frente aos melhores do mundo e vencer, sempre que possível! Não é à toa que o palmarés da marca em termos desportivo é de uma riqueza e diversidade extrema, o que não invalida que não tenham existido muitos fracassos, mas a filosofia de que se aprende mais com as derrotas que com as vitórias era levada ao extremo, bem como a máxima “o objetivo da tecnologia é ajudar as pessoas”!

Quando partiu em 5 de agosto de 1991 a sua criação, não esquecendo nunca o papel do seu amigo e sócio Takeo Fujisawa, já era um colosso mundial, com mais de 10 fábricas pelo mundo, centros de investigação e desenvolvimento e o objetivo é de não ficar por aqui! Afinal de contas, o génio partiu há mais de 30 anos, mas são as suas ideias-chave que ainda hoje lideram a Honda!

N.º 17: Honda CB 500 Four

Corria o ano de 1969 (para os que acreditam, foi quando o homem chegou à lua) quando a Honda lançou para o mercado aquela que foi considerada como sendo “a moto do século” a talvez não seja exagero porque era uma moto muito à frente do seu tempo!

 

Quatro cilindros em linha (quando o “padrão” eram dois), pelo menos um disco de travão à frente uma ciclística muito aceitável, posição de condução descontraída, qualidade de construção fabulosa (cromados irrepreensíveis, pintura de qualidade…) arranque elétrico ou por pedal (apenas como sistema de redundância) e uma velocidade de ponta a rondar os 200 km/h! Uma barbaridade para a época! O sucesso foi de tal ordem que, ao longo da sua vida, foram produzidas mais de 400.000!

 

Menos de 2 anos depois a marca lança uma versão um pouco mais pequena (e mais leve e menos cara e menos intimidante): A CB 500 Four, que é em toda a família CB Four a minha favorita!

Existiu ainda uma CB Four com apenas 350 cc que era uma espécie de “moto de entrada” na família City Bike da Honda (que pouco depois foi “transformada” na CB 400 Four), mas mantenho que a 500 é a mais interessante da gama e a que vos apresenta (muito obrigado pela disponibilidade e simpatia O. Sousa) é um exemplar magnífico, estando num estado muito bom, sem chegar a ser de concurso.

É um espetacular modelo do ano da nossa revolução (série K2), tem uma cor lindíssima (gosto de lhe chamar de leite creme) e apesar de haver ali um ou outro detalhe menos positivo (caso de uma mancha no depósito, a tampa lateral direita do motor que se nota que é diferente ou aqui e acolá alguma ferrugem superficial) está verdadeiramente magnificente!

 

Tem ainda vários detalhes que a destacam ainda mais: possui as 4 saídas de escape (muitas delas foram alteradas para uma solução do tipo “4 em 1” ou “4 em 2”), dois discos de travão à frente (o segundo era opcional, sendo que, na minha perspetiva, na 750 devia ser obrigatório). Além disso, ainda tem o prolongamento no guarda-lamas traseiro (com o símbolo original Honda) que é uma verdadeira raridade pois toda a gente o retirava!

Claro que já foi alvo de um restauro e nem podia ser de outra forma! Afinal de contas, são quase 50 anos e já marca a bonita soma de 77.888 kms! Ou seja, foi uma moto que durante estes anos foi usada e não apenas um exemplar de garagem/coleção, o que para mim é ótimo, mas na perspetiva de um colecionador exigente talvez não tanto.

Os seus cerca de 48 cv, obtidos lá bem em cima do tetracilindríco de 499 cc, por volta das 9.000 rpm, nada podem contra o poderio da CB 750 Four que, com 736 cc, consegue uns soberbos 67 cv e a um regime bem mais baixo: 7500 rpm! Porém, esses dados não contam tudo e a 500 tem uma diferença de fundo que a torna muito aliciante: chama-se peso!

235 kg para 201 kg é um diferencial superior a 30 kg e sentem-se muito bem, seja no trânsito urbano, a curvar ou em qualquer outro contexto. Além disso, se fizermos as contas, a diferença entre as duas esbate-se bastante! A 750 tem uma relação peso/potência 3,5 kg por cv e a 500 de 4,1 kg por cv. Já agora, a pequena 350, com 348 cc, pesa 179 kg e debita 34 cv às 9000 rpm, sendo a relação peso/potência de 5,2 kg por cv.

Ainda sobre a CB 500 Four, nos EUA, principal mercado de toda a família CB, havia a queixa algo comum de que esta, apesar de muito interessante, faltava-lhe um pouco de fôlego em baixas (binário) e a Honda foi sensível ao argumento e acabou por lançar, especialmente para o mercado norte-americano, uma versão de 550 exatamente em 1974, como se pode ver nesta imagem.

 

Em termos práticos, a CB 550 Four “ganhou”, fruto de um minúsculo aumento de cilindrada, apenas mais 2 ou 3 cv (obtidos cerca de 1000 rpm mais abaixo), mas o mais interessante foi o binário que “cresceu” quase 5 Nm (cerca de 10%) um pouco mais cedo e durante mais tempo! Na prática, melhorou o que já agora bom e calou as queixas de quem se queixava de uma certa anemia do motor em baixos e médios regimes.

Infelizmente não conheço nenhuma CB 550 Four em Portugal. Não quero dizer que não existem, pois certamente chegaram cá, nem que tenha sido através do mercado de importação paralelo (grey market), mas gostava mesmo de sentir a diferença entre os dois modelos. Na sua génese, são a mesma moto em que uma pequena alteração de 44cc muda bastante o caráter motor, sem perder as restantes virtudes da moto em termos de peso, facilidade de condução ou comportamento dinâmico.

Um antes e um depois da família CB Four

Vamos ser claros. Até ao final da década de 60, quando foi apresentada ao mundo a CB 750 Four, os japoneses estavam sobretudo dedicados às cilindradas mais baixas e/ou às motorizações dois tempos que já conheciam e dominavam relativamente bem, mas não era suficiente!

Os norte-americanos tinham sobretudo as Harley-Davidson e Indian e o maior dinamismo vinha das marcas europeias, caso das alemãs BMW ou Horex, as italianas Aermacchi, Moto Guzzi, Laverda, Benelli, Ducati, Vespa, Lambretta e das inúmeras inglesas como AJS, Velocette, Vincent, Triumph, Royal Enfield, Norton, Matchless, Ariel, BSA…

O efeito de choque deve ter sido pavoroso! A Honda acabava de lançar no mercado a família CB Four (associado ao número de cilindros e ao ciclo a 4 tempos). Uma “superbike” rápida, bonita, divertida, bem construída, suave, não demasiado pesada e, ainda por cima, muito fiável e económica na utilização!

Em pouco anos a indústria motociclística europeia e americana praticamente capitulou e a CB Four foi o gatilho para esse facto! Ter uma moto que não avariava quando menos se espera, que não deixava ficar uma poça de óleo debaixo do motor, não perdia parafusos, que tinha bons travões e capacidade de carga era mais do que muitos motociclistas alguma vez tinham sonhado! E o Japão produzia-as em quantidades incríveis!

As ondas de choque foram sentidas até no próprio Japão! Os outros “grandes” foram apanhados de surpresa, em especial a Kawasaki que tinha algo parecido para lançar no mercado e decidiu adiar o lançamento para preparar melhorar a defesa… antes de partir para o ataque!

 

Em 1968 a marca de Akashi, sobre a qual falaremos em breve, tinha uma 750 praticamente pronta, mas a Honda adiantou-se e a Kawasaki levou mais 4 anos a preparar a vingança, mas serviu-a fria com a sua Z1, a primeira verdadeira superbike da história!

Dos seus 903 cc, obtidos de um motor já com dupla árvore de cames e ainda oito válvulas, obtinha 82 cv às 8.500 rpm! Era a nova rainha do asfalto! Com mais 15 cv que a CB e 16 km/h de ponta (201 vs 217)! Além disso, tinha um estilo de condução muito própria que não castigava demasiado o condutor e mesmo as suspensões algo limitadas e o peso elevado não lhe retiravam o estatuto!

Estava lançada a guerra pelas altas cilindradas e os japoneses entravam em combate para ganhar! Foi só questão de tempo até a Suzuki e a Yamaha lhes seguirem o rasto!

Voltando à nossa CB 500 Four, a homenageada neste número, é hoje muito apreciada também pelo facto de ser bastante mais rara que a 750 e boa parte das que existem em Portugal foram importadas (há vários casos desses nas motos que vou analisando e fico contente porque melhoram muito a oferta e diversidade a nível nacional) ou vindas das nossas ex-colónias, trazidas pelos “retornados”.

 

 

O modelo continua a ganhar adeptos e há ainda muitas que vão sendo alvo de incríveis personalizações como esta de tribute da Ton-Up Garage que é um verdadeiro regalo para os sentidos pela forma como combina o clássico com o atual, o analógico com o digital! Se Soichiro Honda estiver lá em cima e olhar cá para baixo, tenho a certeza que vai gostar do resultado!

O “problema” é que se torna cada vez mais complicado (e até caro) conseguir encontrar uma em bom estado (diferente de concurso) e apesar de algumas peças, incluindo ao nível de motor, continuarem a ser produzidas, em especial no Japão, o seu preço pode desincentivar mais restauros, sobretudo se for com o objetivo de uma maior fidelidade face ao original.

O facto de não haver cá plásticos e uma profusão de autocolantes dá-lhe um encanto especial, mas inflaciona os custos e de que maneira! Só a “cromagem” das centenas de peças metálicas de vários tamanhos e feitios já é um problema dos grandes, mais ainda para decapar tudo e sabendo que ao desmontar se vai perceber que há peças que estão irremediavelmente comprometidas.

 

Ainda sobre a “cromagem”, trata-se de um processo químico, do tipo galvanoplastia, em que por um processo de aplicação de cromo sobre o material, através de eletrodeposição (processo eletrolítico de revestimento de superfícies com metais), se consegue torná-lo mais resistente em especial à corrosão. O problema é que tem havido queixas sobre a degradação da qualidade destes serviços e corre-se o risco de pagar bem caro, por um serviço mal feito!

Aproveito para mencionar o Portal dos Clássicos com várias referências sobre a matéria, mas tenho acompanhado alguns casos em que a cromagem tem sido de muito má qualidade, pouco durável e os clientes ficam muito insatisfeitos com o resultado final! Aliás, continua a haver quem encomende o serviço fora de Portugal (Espanha) ou mesmo Inglaterra sendo que agora, ao ser um país fora UE, tornou-se mais caro e complexo.

 

Depois há que contar com todos os restantes parâmetros da recuperação/restauro, incluindo ao nível mecânico ou até dos escapes, para os quais existem excelentes réplicas, mas os preços podem não ser simpáticos, já para não falar ao nível da pintura, mas a realidade para mim é só uma: a Honda CB Four merece! É um clássico na mais pura aceção do termo! Se fosse adquirir uma, iria logo em busca de um exemplar já restaurado, mas acompanhado de alguém com conhecimentos profundos no modelo que mesmo sendo muito fiável não é isento de defeitos!

Como vai sendo habitual, as principais fontes de informação são em outras línguas, tirando as eventuais revistas especializadas portuguesas que ainda possam existir:

CB500FourCollection: Ponto de partida sobre o modelo, em especial muitas fotografias;

Honda.com.br: Site da Honda Brasil, muita informação em português sobre o modelo;

Pushveryhard: Muita informação sobre este modelo;

Ultimatemotorcycling: ilustração da troca de escapes, passo a passo;

Cmsnl.com: Ponto de partida para conseguir várias das peças necessárias ao restauro;

Cb500four.com: Pequeno fórum francês, mas interessante;

Sohc4.com: o nome diz quase tudo. Vale a pena consultar.