Senna, sempre o perfecionista e carismático piloto que polarizou a Fórmula 1 nas décadas de 1980 e 1990, era o protagonista das imagens, sem muitas falas, mas com aquele belíssimo rugido do motor Honda a ecoar pelo sistema surround da sala de cinema. No ecrã, a transcendental volta no Mónaco. Vi-a na época e revê-la atira-me sempre para o lado nostálgico.
Na fila atrás da minha, ouve-se a explicação em tom banal da importância de Senna: “acho que era um piloto de corridas muito famoso”. Com esta pequena descrição fiquei algo ‘escandalizado’ internamente por aquele desapego com que se falava de um mito da modalidade rainha do automobilismo. Mas depois percebi que a culpa não era do jovem cuja idade não deveria ultrapassar os 16 anos. Não é de ninguém, na verdade. Há sim uma diferença geracional que se vai incutindo de forma cada vez mais profunda no relacionamento entre os mais novos e o automóvel que, num segundo nível, tende a apagar da contemporaneidade os ídolos que foram mais queridos a uma geração. Pergunte-se a um miúdo de 16 anos quem é Fernando Alonso, Lewis Hamilton ou Sebastian Vettel e a resposta poderá ser diversa. Agora imagine-se a mesma questão relativa a pilotos como Gilles Villeneuve ou Nigel Mansell…
A expressão inglesa é infinitamente mais feliz do que diferença geracional: ‘generation gap’. Esta aprofunda-se cada vez mais. Aqueles jovens que falaram sobre Senna como apenas um “piloto famoso” evocam as memórias alheias de quem viveu aquela era louca da Fórmula 1. Tende a ser também uma reprodução mais ou menos fiel daquela que será a relação das gerações mais jovens com o automóvel. Mais do que ter um automóvel, vão procurar ter um serviço de automóveis. Muitos já nem olham para o carro como uma peça fundamental da independência da adolescência em passagem para a vida adulta. Estará, assim, a paixão pelo automóvel em risco a reboque também das novas tecnologias? Potencialmente.
As gerações mais novas têm uma dependência cada vez mais evidente das tecnologias modernas, afastando-se do convencional. Com o automóvel será um pouco assim. Utilização pura e dura, sem emotividade ou ligação ao ‘boguinhas’. Além disso, a chegada dos elétricos coloca os motores de combustão interna em risco de extinção (valerá a pena protegê-los da sua caçada desenfreada?), naquela que é mais uma mudança substancial de paradigma.
O que é certo é que a tecnologia tem evoluído de forma exponencial ao longo dos últimos anos e o automóvel não é uma peça imune a esse progresso. Ao invés, inclui-se nele e embebe em si os novos códigos geracionais: conectividade, aplicações para tudo e mais alguma coisa, ligação à Internet, condução autónoma… O salto geracional é incontornável.Falando em elétricos, recordo-me da primeira vez que conduzi um carro sem o convencional motor de combustão interna. A possibilidade surgiu a convite da Nissan, que levou uma versão modificada do Tiida até Algés, em 2010, para permitir a diversos jornalistas e políticos ou empresários um contacto mais real com a ‘tecnologia do futuro’. Lembro-me de ter achado a curtíssima experiência fascinante, mais pelo facto de ter sido uma novidade absoluta circular em silêncio do que pela tecnologia vanguardista. Na época, imaginei que a sua massificação nas estradas só aconteceria dentro de 20 ou 30 anos. Mas será mais cedo.
O salto geracional é uma realidade aberta em mutação contínua e é uma pena que alguém que nasça hoje nunca vá ouvir o fascinante grito de um V12 construído em Maranello… E nem sequer se vai importar com isso. Restarão os mais velhos que reconhecerão naquela arquitetura a nostalgia de sonhar com um volante desportivo e estradas serpenteantes sem ninguém à frente.
Agora, se me dão licença, vou para o Youtube carpir mágoas ao som de motores V12…