O carro elétrico não é para toda a gente

13/01/2023

Crescer durante as décadas de 1970 e 1980 foi marcante na influência recebida do mundo motorizado. O meu primeiro contacto com automóveis foi naturalmente com o carro da família: um Saab 96, de 1965, trazido de Angola quando começou a Revolução de Abril. Só anos mais tarde soube alguns factos interessantes sobre o clássico sueco branco, como o motor ter quatro cilindros em V.

Claro que as competições do desporto motorizado também foram determinantes para aguçar o gosto por tudo o que eram máquinas com duas ou mais rodas. Durante a época da Fórmula 1, assistir às corridas, ao domingo à tarde pela televisão, era um ato religioso para poder ver pilotos, como Nelson Piquet, Niki Lauda, Alain Prost e Ayrton Senna, que viriam a tornar-se verdadeiras lendas. Também me lembro de Ari Vatanen, Walter Röhrl ou Michèle Mouton nos resumos dos ralis no programa Domingo Desportivo da RTP.

Morar na zona do Chiado, em Lisboa, fazia com que ter um carro não fosse fundamental, pois os transportes públicos cobriam a maioria das deslocações. Na altura, cool mesmo era ter uma moto. Não hesitei em comprar uma. A necessidade de comprar um automóvel só haveria de surgir quando saí da zona nobre da capital para a periferia.

Como o dinheiro não era muito, a solução foi recorrer ao mercado de segunda mão. Foram anos a fio a ter de trocar de carro, não por vontade própria, mas porque tinham quase sempre um problema escondido. Até que me fartei de contribuir para o orçamento de mecânicos e oficinas, optando por um renting, assim que ficou disponível para particulares.

Pretensiosismo à parte, escolhi pagar para não ter chatices.

Independentemente de argumentos como: “Pelo valor da renda mais valia comprares” ou “no final do contrato o carro não é teu”. Mas, o que posso dizer é que correu bem nos contratos que fiz, e sem surpresas no final, quando entreguei as viaturas.

Provavelmente continuaria com essa solução, não tivesse a renda sofrido um aumento considerável, por causa da pandemia, da guerra e a crescente inflação. Com o fim do contrato à vista, revejo a minha situação e pondero comprar de novo um automóvel. Pouco convencido, é certo – a nuvem negra dos problemas associados à posse dos carros de combustão continuava a pairar sobre a minha cabeça.

Analisadas as alternativas, comecei a considerar a hipótese de poder ser um carro elétrico. Preocupações ecológicas à parte, o que me seduziu desde logo foi o custo por quilómetro com combustível, ou seja, neste caso, quantos euros teria de gastar para carregar a bateria. Mesmo considerando o valor da manutenção – um carro elétrico não tem óleo, correia de distribuição, nem embraiagem para trocar – e as revisões são muito mais baratas. Para além disso, por enquanto está isento de pagamento do imposto único de circulação (IUC), e tem benefícios no estacionamento na cidade. É verdade que o custo de aquisição é mais elevado à partida do que um equivalente de combustão, mas tal como anteriormente, é possível recorrer ao mercado de usados.

Assim fiz. Comecei por avaliar alguns modelos que já estão há algum tempo no mercado. Rapidamente percebi que para compensar teria de assumir um compromisso de, pelo menos, cinco ou seis anos. Por isso, teria de ser um modelo com tecnologia comprovada e principalmente que a garantia fosse extensa.

A maioria das marcas garante a bateria principal dos seus elétricos durante oito anos ou 160 mil quilómetros – o que acontecer primeiro. No entanto, a Kia é das poucas que dá sete anos de garantia total nos seus automóveis.

A escolha recaiu num Kia e-Niro 64 kW, de 2019, importado. Uma das maiores preocupações relacionadas com a compra de um automóvel elétrico usado é o estado da sua bateria de tração. Com efeito, a quilometragem deste já era suficientemente elevada para gerar algum receio quanto à sua degradação. Utilizando um leitor Bluetooth ligado ao conetor OBD da viatura, foi o suficiente para verificar que o estado de saúde dela continuava nos 100 por cento.

Tomada a decisão sobre o carro, antes de avançar para a compra era necessário garantir que seria possível carregá-lo em casa. Como o estacionamento na garagem é aberto, a solução apresentada por mais do que uma empresa especializada foi fazer uma ligação a partir do quadro comum do prédio. Foi instalado um contador no meu lugar, e assim contabilizo o consumo a pagar ao condomínio. Não sendo a solução ideal, é aquela que é legalmente aceite e mais utilizada nestas situações.

A escolha do e-Niro com a bateria maior de 64 kW foi uma forma de evitar ter de lidar com a ansiedade de autonomia. Não faço muitas viagens ao longo do ano, mas quando as tenho prefiro conseguir fazer mais quilómetros entre paragens para carregar. A inclusão do elétrico na rotina diária foi espantosamente simples.

Com a bateria totalmente carregada dá uma estimativa de autonomia de cerca de 500 km. Para prolongar a vida útil da bateria, carrego apenas uma vez por semana entre os 20% e os 80%, o que dá para pelo menos 350 km na cidade, sem problemas. Com um custo de 0,15€ por kW, uma carga completa custa-me 9,60€. Nos últimos seis meses tenho gasto, em média, 30€ para fazer 1 400 km por mês. São cerca de 2,14€ de eletricidade para percorrer 100 quilómetros.

Desfeitos os receios com a utilização diária, a prova de fogo seria uma viagem de férias, com recurso apenas aos carregadores públicos. Rumo ao Algarve, pela autoestrada A2, prova superada sem incidentes, apenas com uma paragem para garantir que chegaria ao destino com pelo menos 10% de bateria. Doze por cento de carga era o que indicava ao chegar a Santa Luzia, vila vizinha de Tavira. Deu para descarregar as malas e ir, descansadamente, até ao posto de carregamento, a cerca de cinco minutos. No final das férias, o odómetro do e-Niro somava mais 1 400 km, gastando 71€ em carregamentos, o que dá um custo de 5€ por 100 quilómetros percorridos.

Pelas suas caraterísticas, o automóvel elétrico pode ainda não servir para toda a gente, mas para aqueles que o consigam inserir na rotina das suas vidas, é uma alternativa que vale bem a pena considerar.