Porque é que todos querem um SUV?

27/01/2017

Os SUV são como esponjas. Absorvem cada vez mais mercado e secam os clientes das marcas que não tenham um na sua gama. São os carros da moda, veículos de estilo que confirmam aquela máxima tão velha como o automóvel e que nos diz desde sempre que a procura será tanto maior quanto maior for o lado aspiracional. Os números de vendas na Europa são inequívocos: em 2016, um em cada quatro carros comercializados era um SUV.

As estatísticas da ACEA, a associação europeia dos construtores, as primeiras a serem conhecidas na agenda mediática, não eram tão claras quanto a esta euforia, mas uns dias depois a firma de consultoria Jato Dynamics olhou o mercado à lupa e trouxe novamente à evidência aquilo que já se suspeitava: os SUV não só cresceram mais do que todas as outras classes de veículos como se destacaram na liderança que já tinham alcançado em 2015. Sim: vendem-se mais SUV na Europa do que utilitários do segmento B (Polo, Corsa, Clio, etc) e familiares do segmento C (Golf, Astra, Mégane, etc).

A vendas de SUV cresceram 21,4% – para 3,9 milhões de unidades – representando agora 25,7% do total. Praticamente todos os outros segmentos de mercado perderam quota, com um crescimento médio de apenas 2,2%. Num ano que ficou marcado pela subida geral de vendas – o mercado total cresceu 6,5% face a 2015, no que foi o melhor resultado desde 2007 – está bem de se ver o que se passa: os europeus estão a aderir massivamente aos SUV, deixando para trás os clássicos familiares, carrinhas e, acima de tudo, os moribundos “monovolumes”, estes agora reduzidos a menos de 10% do mercado.

O mercado automóvel é um organismo vivo. E de que maneira. Tem humores, paixões e ódios de estimação e, acima de tudo, nunca pára quieto. O que hoje está a dar, amanhã pode cair imediatamente no esquecimento. Há quem lhes chame “modas”.

Mas vamos por partes.

Quando, há pouco mais de uma década atrás, se vivia ainda a loucura das “carrinhas”, uma marca italiana apresentou o resultado de uma pesquisa que nos dizia que o maior número de utilizadores eram homens, celibatários, na casa dos 30 anos de idade. Entre outros detalhes, sempre fundados num universo de utilizadores de vários países europeus, confirmava-se a convicção de que as “station wagons” eram uma questão de classe. Um statement individual quanto a um estilo de vida. Depois vieram os monovolumes… Para todos os gostos e para todas as classes de mercado. A modularidade interior, a posição de condução elevada e, claro, todo o espaço oferecido eram as mais-valias publicitadas. Nova afirmação de um estilo de vida, com muitas famílias jovens e sorridentes em passeios por paisagens trendy q.b.

Tanto no caso das carrinhas como no dos MPV houve um denominador comum: os fabricantes trataram de inundar o mercado com os mais variados modelos, cada um mais apelativo que o outro. Não vale a pena estar aqui a discutir a história do ovo e da galinha, mas é sabido que as pessoas compram aquilo que os construtores oferecem num dado momento.

E agora? Por que razão os fabricantes começaram a aderir aos SUV?

A verdade é que os MPV eram carros chatos e sem graça, com um apelo que se esfumava após poucos meses lá em casa. Sei do que falo. A indústria automóvel, talvez a mais expedita e criativa que existe à face da Terra, compreendeu isso muito antes dos proprietários de monovolumes. Assim como sempre soube que os clássicos “jipes” eram carros com a tal componente aspiracional, mas eram caros e pouco eficientes para uma utilização diária. Os fabricantes sabiam ainda mais: os seus estudos internos – e cito de memória o de uma marca norte-americana – diziam-lhes que os compradores desses “jipes” só punham uma roda fora do asfalto em menos de 10% do tempo de utilização. Em média…

Houve algumas tentativas, primeiro com versões aligeiradas de duas rodas motrizes, mas ainda não era bem isso que o mercado estava pronto a receber. Não deixavam de ser variantes civilizadas de carros pensados para o fora de estrada.

Tudo mudou quando entrou no léxico da indústria uma palavra mágica: “crossover”. A primeira vez que ouvi falar nela foi quando entrevistei, num Salão Automóvel de Paris, um responsável da Nissan que me garantia que esse seria o futuro da marca. Nessa altura, o fabricante japonês encontrava-se encurralado numa gama sem soluções – o que só aguçou o meu apetite por aquela entrevista – e havia que percorrer novos caminhos. Este diretor da marca falou-me então na forma como se iriam cruzar vários conceitos de automóvel numa mesma carroçaria e pouco tempo depois, há exatos 10 anos, nascia o Qashqai (e seria de uma tremenda injustiça não mencionar este modelo precursor num artigo que fala dos SUV na Europa).

O conceito de “crossover” é aquilo que vemos hoje nos SUV. Visual “à jipe”, mas uma construção monobloco como num automóvel familiar, com os respetivos benefícios para a segurança, comportamento dinâmico e, claro, conforto. Nos custos também: o amadurecimento de técnicas industriais permitiu fazer escalas suficientes para tornar estes carros eficientes do ponto de vista económico.

E já que estamos aqui, chegamos a outro dos pontos fundamentais do sucesso dos SUV: a sua rentabilidade. O lado aspiracional (sempre ele, eu sei!) faz com que os consumidores estejam dispostos a pagar mais um pouco do que se comprassem um familiar clássico do mesmo segmento. A empresa de research JD Power estima que esse valor premium seja em média de 9%, face a um modelo equivalente de outro segmento. E a verdade é que, mesmo assim, o mercado foi o que se viu. Tentador, não é?

Um dos pontos fundamentais do sucesso dos SUV: a sua rentabilidade. O lado aspiracional faz com que os consumidores estejam dispostos a pagar mais um pouco do que se comprassem um familiar clássico

Mas há mais: a mesma JD Power que diz que os SUV possibilitam maiores margens operacionais aos fabricantes, garante que eles são fantásticos para “roubarem” os clientes das outras marcas. Num inquérito que conduziu nos Estados Unidos, esta empresa concluiu que nada menos do que 38% dos compradores de SUV eram novos na marca. Qualquer um que acompanhe minimamente o mercado sabe bem que é assim. São vários os exemplos de marcas que se consolidaram em torno de um só modelo; algumas para as quais nem teríamos olhado se não fosse aquele SUV da sua gama…

Como já se percebeu, 2017 vai manter a tendência ou até incrementá-la. São incontáveis os lançamentos já previstos, agora em classes de mercado mais acessíveis, como é o caso do segmento B. Haverá de tudo e para todos os gostos e, sinceramente, é por isso que sou um eterno apaixonado por esta indústria. A sua capacidade de resposta e criatividade imensa não deixam de me impressionar.

Estamos num momento em que todos querem um SUV. E, como em poucas ocasiões, todos parecem sair a ganhar nesta moda: os fabricantes porque lucram mais, os compradores por acedem a um concentrado de estilo por um preço impensável há uma década atrás.

Se é moda ou não, não sei. Mas aquilo que garanto é que não irá passar tão cedo.

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Luís Pimenta acompanha o setor automóvel há mais de 25 anos. Editou e dirigiu vários órgãos de comunicação social especializados e generalistas e dedica-se hoje à consultoria e produção de conteúdos e de plataformas de comunicação online.