“Nicha” Cabral: Adeus ao primeiro ídolo do automobilismo nacional

17/08/2020

Mário de Araújo Cabral, mais conhecido por “Nicha” Cabral, nasceu no Porto, a 15 de Janeiro de 1934, e morreu hoje, 17 de Agosto de 2020, em Lisboa.

Estes factos estão, como é evidente, longe de resumir a sua existência terrena, porque os heróis não começam e acabam de acordo com as leis da natureza.

“Nicha” Cabral veio ao mundo com todas as cartas em cima da mesa, porque era saudável, rico e com uma educação clássica ao alcance de poucos. Estivesse ele ao meu lado enquanto escrevo estas linhas e estou certo que diria: “escgueve aí também que, além disso, era bonito”, com o seu encantador sotaque à francesa, que desprezava os “érres”.

Com talento para a música e para o desporto, foi nos automóveis que encontrou a sua vocação. Foi um pioneiro, porque rapidamente percebeu que Portugal era demasiado pequeno para o seu talento. Viveu por toda a Europa, contrariando a sua família, criando oportunidades para construir uma carreira sólida e profissional.

Disse-me algumas vezes que preferia ficar em último a correr contra os melhores do mundo do que ficar em primeiro nas provas do seu “bairro”. E o seu percurso comprova-o.

Em 1959 conseguiu convencer o Guglielmo Dei, da Scuderia Centro Sud e o Automóvel Club de Portugal de que estava apto a conduzir um Fórmula 1 no Grande Prémio de Portugal. Não estava, segundo o próprio admitiu, mas fez boa figura, terminando em décimo lugar.

Para os portugueses interessados no Automobilismo, havia um novo ídolo. Aparecia pouco, mas iam sabendo notícias pelos jornais. “Nicha” nunca deixou o marketing dos seus créditos em mãos alheias. Era tão exímio ao volante como na diplomacia da comunicação.

A sua carreira nos monolugares foi breve, em parte também pelo grande acidente que teve em 1965, em França. Mas “Nicha” continuou muito requisitado como piloto de carros de Sport e GT, tendo também muito sucesso em carros de turismo, sobretudo em Angola e, em 1972, também em Portugal.

Continuou muito activo e ligado ao automobilismo, mesmo depois de ter, oficialmente, pendurado o capacete. Teve um papel importante na introdução da Fórmula Ford, fez programas de televisão e consolidou a sua imagem de embaixador do automobilismo nacional, que jamais perdeu.

Conheci o “Nicha” pessoalmente só em 1999, através do Victor Colaço Marques. E assim nasceu o projecto da sua biografia, editada em 2001. Dizem que nunca devemos conhecer os nossos heróis, mas eu não concordo. O “Nicha” permanece uma das personalidades mais ricas, interessantes e encantadoras que conheci. Era um homem culto, do seu tempo, sempre com uma história relevante para contar.

Os troféus ficam na prateleira ou nos livros de história. E o legado do Nicha está bem preservado, felizmente. Mas o que os seus familiares e amigos vão sentir falta é da sua alegria, do seu sorriso e da sua amizade.

Por Adelino Dinis/Jornal dos Clássicos

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