Se houvesse um concurso de popularidade para o modelo elétrico mais espreitado e comentado à sua passagem em 2020, o vencedor estaria, muito provavelmente, encontrado. O pequeno Honda e impressiona à sua passagem, mesmo não emitindo qualquer ruído do motor, o que é natural, sendo elétrico. Mas o seu visual garante-lhe atenção desmedida, mesmo que não deixe de ter aquela faceta tão tradicional da Honda – ou se ama ou se odeia.

Foram muitos mais os que olharam com carinho para o novo elétrico da Honda do que com desdém, sobretudo pelo seu visual retro repleto de detalhes modernos e até futuristas. O Honda e atrai olhares e, mesmo parado, faz com que os outros também parem para admirá-lo. Dois ciclistas chegam a travar a sua marcha e observam os detalhes. “Nunca vi nada assim!”, refere um deles. Estando no jornalismo automóvel há alguns anos já deveria estar habituado a alguma atenção suplementar que os desportivos ou novidades absolutas trazem consigo, mas este Honda e foi verdadeiramente surpreendente.

Pode-se dizer que o novo modelo da Honda impressiona no bom sentido por mais do que uma razão. Mas, nem tudo são rosas e, mais adiante veremos o que poderia ter sido melhor para tornar o Honda e num vencedor absoluto.

Conceito charmoso

Desde o momento em que a marca revelou o concept Urban EV que muitos desejaram a passagem à produção do modelo. Fiel à sua tradição, a Honda transferiu muitas das linhas do protótipo para a versão final, mantendo o mesmo charme antiquado (usando um termo mais em voga, um aspeto ‘retro’), num pacote muito compacto de cinco portas que não se coíbe de enveredar por alguns caminhos mais vanguardistas, como no caso da supressão dos espelhos retrovisores convencionais em troca de câmaras (há quatro no Honda e, uma à frente, duas laterais e outra atrás).

Linhas muito simples, arrematadas ainda pelos faróis e farolins de formato singular, autênticos manifestos de tradição que lembram o antigo S600 ou o Civic da longínqua primeira geração. Para simular o efeito das três portas do concept, os puxadores das portas traseiras estão escondidos no pilar C, enquanto os das portas dianteiras retraem-se automaticamente na carroçaria, criando uma superfície lisa. As portas dianteiras são também de grande envergadura, o que faz com que as traseiras, mais pequenas, tornem mais complicado o acesso aos dois lugares posteriores – que, atendendo às dimensões, até são interessantes para adultos de estatura média.

‘Retro’ por fora, futurista por dentro

Uma vez que já estamos no interior, continuemos naquele que é um local de bem-estar, mas que alterna pontos muito bons com outros francamente melhoráveis. O espaço é elogioso. Eliminando-se o túnel central entre os bancos cria-se uma sensação mais ampla no habitáculo, destacando-se também a altura ao tejadilho e a largura interior, com muitos locais para arrumação de pequenos objetos, ainda que na consola central se pudesse apresentar um pouco melhor o espaço. Os bancos são, sobretudo, confortáveis, e com bom apoio para o corpo, o que até surpreende.

Há um prolongamento na consola central que serve para colocar um copo (ou smartphone) e, mais à frente, tomadas USB, HDMI e uma de 230V que pode servir para… carregar outro carro elétrico. Não vá ter de ajudar alguém na estrada. Ou para trabalhar remotamente em tempos pandémicos…

Visualmente, o mais impressionante é o quinteto de ecrãs no tablier, dois para os espelhos retrovisores laterais de 6.0″ cada um (boa colocação e boa visibilidade, mesmo em condução noturna), dois táteis de 12.3″ ao centro e, claro, outro TFT para o painel de instrumentos, de 8.8″. Já os ecrãs centrais do sistema de infoentretenimento, que também estreia neste modelo, podem ser manuseados de forma independente por condutor e passageiro, alternando até o seu posicionamento – é possível ‘atirar’ o conteúdo do ecrã da esquerda para o lado direito e vice-versa – mas na prática parece uma ideia excessiva.

Além disso, o sistema, embora bem melhor do que o presente em modelos como o Civic, CR-V ou HR-V, padece ainda de algum atraso na resposta entre menus, o que não é dramático. Mas, há muitos menus e submenus para explorar, incluindo para o carregamento, a par de um assistente pessoal ativado por voz que nunca conseguimos usar por falta de ligação à rede.

Mas, se cinco ecrãs poderia já parecer impressionante, há ainda um sexto para o espelho retrovisor interior, que recorre à câmara traseira. Confesso que preferi usá-lo de forma mais convencional – é possível, dando-lhe um toque no seu posicionamento – do que com a câmara que pareceu distorcer a noção de distância para trás. Além dos ecrãs táteis, a Honda deixou ainda comandos físicos para os ‘velhos do Restelo’, como os comandos da climatização ou algumas teclas de atalho junto ao ecrã central, incluindo um bem-vindo botão para o volume.

Com menos de quatro metros de comprimento (3895 mm), largura de 1750 mm e altura de 1510 mm, o espaço interior é interessante, mas a bagageira é digna de idas ao supermercado e pouco mais. Apenas 171 litros – menos até do que a capacidade do smart EQ forfour que também ensaiámos recentemente. ‘Culpe-se’ a arquitetura de motor traseiro…

De resto, menção ainda para o interior composto por muitos plásticos duros no tablier, alternando com algumas peças a imitar madeira, mas, manifestamente pouco considerando o seu custo quase nos 40.000€. A construção muito cuidada e os revestimentos têxteis nas portas ajudam a compensar um pouco o excesso de plástico duro.

Tecnicamente contido

Na sua entrada elétrica, a Honda recorreu a um conjunto que não sobressai tecnicamente. A versão Advance é a mais potente, com 154 CV de potência máxima, e a mais equipada, dispondo, por exemplo, de jantes de 17″, o que também lhe retira alguma autonomia declarada – 210 quilómetros em ciclo WLTP.

A bateria de iões de lítio tem uma capacidade de 35.5 kWh (posicionada entre os dois eixos sob o piso), sendo refrigerada a líquido, dispondo de uma tomada de carga CCS2 colocada no meio daquilo que é o capot dianteiro, sob tampa que se abre com um botão na ‘máscara negra’ dianteira (também tu, Honda e?).

Nesta versão Advance de 113 kW (154 CV) de potência e 315 Nm de binário, o Honda e mostra-se divertido de conduzir, com chassis muito eclético que lhe permite ser essencialmente confortável em mau piso, mas também muito competente em curva, fruto de um baixo centro de gravidade que a bateria possibilita. A aceleração dos zero aos 100 km/h cumpre-se em 8,3 segundos, com este pequeno elétrico a demonstrar ‘faísca’ mais do que suficiente para ‘navegar’ por autoestrada e vias rápidas com desafogo e competência. A entrega da potência, ao contrário do que sucede nalguns dos outros elétricos, não é intempestiva, mas parece mais progressiva, mas o binário de 315 Nm sempre disponível torna as retomas muito eficazes. Há dois modos de condução, ‘Normal’ e ‘Sport’, que basicamente incidem na resposta do motor elétrico, sendo o segundo naturalmente mais orientado para máxima performance. Fá-lo a custo da autonomia, porém. Já a velocidade máxima está limitada a 145 quilómetros.

O consumo médio energético homologado (WLTP) é de 18 kWh/100 km, algo elevado atendendo às suas dimensões compactas, mas o nosso ensaio devolveu-nos uma média mais composta de 15,3 kWh/100 km, o que foi conseguido com a mesma lógica dos demais modelos ensaiados no Motor24 – velocidades constantes, dentro dos limites legais e, no caso dos elétricos, aproveitamento dos modos de condução mais eficientes, o que aqui se resume ao modo de condução ‘Normal’ e aos modos de regeneração de energia.

Dispondo de diversos níveis de regeneração, é quando se ativa botão na consola central para modo de regeneração máximo que entra em vigor um outro lado de travagem, sendo possível a aceleração e travagem apenas com o pedal do acelerador. No valor mais elevado de regeneração, atinge os 1.8 G de desaceleração. Aliás, é fundamental utilizar este sistema para se manter a autonomia no máximo possível, ativando sempre os indicadores de ‘stop’ na traseira.

O condutor pode jogar com os diferentes níveis recorrendo às patilhas atrás do volante, a do lado esquerdo incrementa o nível de regeneração, a do lado direito reduz a intensidade da regeneração. O sistema, muito eficiente, ajuda a extrair o máximo da autonomia em cada viagem.

Com autonomia declarada de 210 quilómetros, parece-nos que esta cifra possa apenas ser alcançada com utilização maioritariamente urbana, sendo que no caso do ensaio, o máximo que se obteve, após carregamento a 100% da bateria, foi de 192 quilómetros, com passagens por via rápida e autoestrada. Seja como for, quantos de nós excedem essa quilometragem diariamente?

Ágil e divertido

O dinamismo foi também ponto de honra do novo Honda e, com a marca a escolher uma configuração de suspensão independente às quatro rodas (mais eficaz, mas também mais dispendiosa e menos poupada no espaço), direção progressiva com a velocidade, repartição de peso na ordem dos 50/50 e elementos de baixo peso onde possível. Graças ao baixo centro de gravidade, é possível obter uma boa estabilidade na passagem em curva, mesmo que o foco do Honda e não seja a condução desportiva na verdadeira aceção da palavra.

A tração traseira garante-lhe alguma maior liberdade do eixo traseiro, sobretudo quando ativado o modo ‘Sport’, mesmo que o conforto e a boa digestão das imperfeições do asfalto sejam as principais características. Convém não esquecer que o foco deste modelo é mesmo a agilidade citadina, algo que o raio de viragem de 4,3 metros e o volante com 3,1 voltas de topo a topo comprovam. O tato do pedal do travão é quase perfeito, sem diferenças significativas face ao que seria um carro com motor de combustão.

Carrega-se bem?

Com um carregador de bordo de 6.6 kW, a Honda explica que o seu elétrico oferece diferentes opções de carregamento, destacando-se a possibilidade de utilizar postos DC de carga rápida até 100 kW. Nesses, chega aos 80% de carga em cerca de 30 minutos, aumentando para 31 minutos em postos de 50 kW. Nos postos públicos ou postos de corrente alternada (AC), mesmo que tenham potência maior, sendo o carregador de bordo de 6.6 kW, leva 4.1 horas a chegar aos 100%. Com uma ligação tipo 2 em casa a 2.3 kW, uma carga completa demora 18.8 horas.

Por fim, o equipamento é amplo na versão Advance, o que ajuda a explicar o exacerbado preço de 38.500€ pedido por este Honda e, como são os casos dos pneus Michelin Pilot Sport 4 de 17 polegadas, bancos e volante aquecidos, o sistema de infoentretenimento avançado, os espelhos digitais, entre outros. A bateria tem garantia de oito anos ou 160 mil quilómetros, enquanto a garantia geral é de sete anos sem limite de quilómetros.

VEREDICTO

O Honda e não será o melhor elétrico no mercado, mas é certamente um dos mais curiosos e, paradoxalmente, bastante desejável. O visual ajuda a explicar uma boa parte desta ideia, sendo um carro muito compacto, mas também robusto e capaz de atrair muitos mais admiradores do que detratores. Se houvesse concurso de popularidade, o Honda e poderia bem ser o vencedor.
Mas, não sendo uma disputa pela popularidade, o Honda e sentirá outras dificuldades. A maior das quais é o preço, que mesmo o conteúdo tecnológico altamente avançado tem dificuldades em explicar. Há versão mais acessível, nos 36.000€, ligeiramente menos potente, sendo esta de 38.500€ a mais equipada e potente, mas fica a ideia de que a Honda quis, mais do que tudo, criar um ícone de desejo.
Mais ainda quando se olha para todos os elementos tecnológicos – e dispendiosos – que foram incluídos no interior e explicam o custo que nos elétricos tende já a ser elevado. Atente-se em rivais como os ‘primos’ PSA, Opel Corsa-e e Peugeot e-2008, com maior autonomia e semelhante potência, e tem-se uma relação custo-benefício mais equilibrada, explicada em parte pela sinergia de esforços e pela rota mais tradicional na apresentação dos dois modelos.
Também contra o Honda e joga a sua autonomia limitada, até mesmo quando comparada com a dos exemplos anteriores e de outros, como o Renault ZOE de maior capacidade de bateria. Mas, já se sabe que, quanto maior a bateria, maior o peso e mais lento o processo de carregamento. E o Honda e nunca escondeu que pretende ser um citadino.
Enfim, o Honda e, tal como sucede em muitos setores de mercado, é uma ‘montra’ de competências e de habilidade tecnológica – uma declaração de intenções que encontra paralelo na indústria dos smartphones. Se um modelo de 150€ faz o mesmo que um de 1200€, porque é que se compra o mais caro: porque é mais chique, mais rápido no processamento, tem um ecrã maior, mais espaço de memória, porque traz exclusividade ou estatuto, etc… Aqui, a combinação de visual e tecnologia não encontra muitos paralelos no mercado neste momento e o apelo de desejo acaba por ser mesmo esse.
Além disso, para sermos verdadeiros, este Honda tem atributos como o espaço interior, o conforto e a condução despachada e divertida pelo seu lado (além da tecnologia, já referida). Mas, talvez a razão maior da sua conquista esteja na sensação ‘feel good‘, de descontração ao volante, que passa ao seu condutor quando viaja. Talvez, não sendo um concurso de popularidade, ganhe sempre pelo lado emocional. E é por isso que se transforma em objeto de desejo.

 

MAIS
Visual ‘retro’ chique
Espaço a bordo
Componente tecnológica
Prestações e comportamento

 

MENOS
Preço elevado
Muitos plásticos rijos a bordo
Autonomia limitada
Bagageira acanhada

Fotografias: Fernando Marques

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