É quase impossível não encontrar um adulto acima dos 30 anos que não tenha uma história de proximidade (maior ou menor) com o Renault 5. O emblemático modelo utilitário da Renault comemora em 2022 o seu 50º aniversário, estando já em vista o prolongamento da sua história com o surgimento da nova versão, agora 100% elétrica, para 2023. No entanto, os clássicos nunca perdem o seu charme.

Pensado como um modelo mais vocacionado para os jovens condutores urbanos, diferenciando-se de certa forma do 4L, o Renault 5 foi reflexo de muitas das circunstâncias da sua época: a mudança na sociedade em busca de maior conforto, estilo e funcionalidade, mas também a procura por maior economia em virtude daquela que ficou conhecida como a crise petrolífera da década de 1970.

É preciso regressar, efetivamente, ao ano de 1972 para encontrar o início da história do 5, um modelo que foi produzido até 1985, embora o seu sucessor, denominado Supercinq mais não seja do que uma versão reestilizada do original, pelo que no seu conjunto, entre 1972 e 1995, foram produzidas mais de nove milhões de unidades, tornando-se dessa forma num dos modelos de maior sucesso da marca francesa.

Mas a maior prova do seu alcance está na constatação de que quase todos os adultos com mais de 30 anos de idade tiveram uma história na sua vida com o 5, fosse de familiares ou de amigos, havendo quem ainda hoje sonhe com modelos como o 5 GT Turbo, por exemplo.

Desses nove milhões de unidades produzidas, saliente-se que também chegou a ser montado em Portugal, tornando dessa forma a sua ligação ao nosso país mais forte.

A génese

A década de 1970 foi pródiga em muitas mudanças da sociedade, sobretudo depois dos eventos do final da década de 1960, com uma nova onda de liberdade de movimentos e de expressão a afirmar-se na Europa. Para ir ao encontro das novas tendências, a Renault entendeu que precisava de um automóvel mais moderno, com linhas compactas, mas apelativas que chamassem os jovens para o seu interior.

Após o sucesso do Renault 4, a marca precisava de mais uma aposta complementar. Após os primeiros esboços criados em 1967, por Michel Boué, um dos dez designers do estúdio Renault, o primeiro 5 foi apresentado a 28 de janeiro de 1972 então apenas com carroçaria de três portas, o que até assustou ligeiramente os concessionários da marca naquela época, uma vez que desconfiavam da aceitação de automóveis com três portas quando a norma era a das berlinas de quatro portas. Porém, os primeiros meses de vendas desfizeram os receios da rede de concessionários da Renault, que passou então a confiar no 5 como um valor seguro, tanto mais que o seu preço era semelhante ao do 4L.

O formato foi considerado um sucesso, destacando-se elementos como o porta-bagagens com o mesmo espaço de um carrinho de compras, enquanto os para-choques em plástico com design integrado na carroçaria contribuíam para um visual mais simpático e moderno.

No lançamento, o 5 foi lançado na variante L com motor de 782 cc de 36 CV (caixa manual de quatro velocidades) e, posteriormente, de 845 cc, e na TL, esta última com motor de 956 cc, mais adequada para uma condução fora da cidade graças aos seus 45 CV. Com baixo peso – cerca de 730 kg –, os Renault 5 primavam pela agilidade, atingindo uma velocidade máxima em redor dos 120 km/h.

O logótipo proibido

Algumas unidades dos primeiros meses de produção foram agraciadas com um novo logótipo que se viria a revelar efémero na sua existência. Tendo surgido primeiro em modelos como o Renault 17, esse logótipo, de visual muito simplificado, era tremendamente semelhante ao logótipo da companhia de produtos químicos Kent, pelo que os receios de eventuais problemas judiciais obrigaram a marca francesa a optar por um novo logótipo a partir de 1973, que se manteve até à década de 1990. Porém, o facto de terem estado no mercado por pouco tempo tornou os 5 de logótipo Kent muito procurados e mais valiosos.

Em 1974, passou a ser oferecida igualmente uma versão LS, que se juntou às L e TL. Como grande novidade, contava com o motor 1.3 de 64 CV, alavanca da caixa de velocidades no chão (opcionalmente) e conta-rotações. A caixa colocada em posição superior (como na 4L) foi norma na gama até à chegada desta versão. A ‘vida’ desta versão LS foi curta, embora tenha servido de base ao LS Kitée para competir no troféu monomarca oficial, oferecendo já quase 90 CV de potência e uma velocidade máxima em redor dos 175 km/h.

Em 1976, em plena crise do petróleo, surge o 5 GTL com motor específico de apenas 44 CV para baixos consumos, com a caixa manual de cinco velocidades a apresentar um escalonamento mais longo para melhorar a eficiência – 4,7 l/100 km a uma velocidade de 90 km/h.

Paralelamente a estes modelos, a Renault foi criando outras variantes e segmentações do 5, desde a comercial Société de 1975, sem bancos traseiros e com uma capacidade de carga de 350 kg, à Alpine de 1976 (com motor de 93 CV e estética adequada.

Surgem os 5 automáticos e de cinco portas

Poucos anos mais tarde, em 1978, aparece a caixa automática de três velocidades para maior comodidade e exclusividade, em associação ao motor 1.3 a gasolina do GTL (com 55 CV) e estética ligeiramente diferente, como as jantes específicas ou o tejadilho com vinil preto, mas aproximava-se outra grande novidade para a marca.

Após o sucesso do modelo de três portas, a Renault procedeu à criação de uma variante de cinco portas, baseada na GTL, que se tornou na versão mais vendida do 5 após a apresentação em 1979. Esta carroçaria mais versátil nasceu a partir de uma variante berlina produzida em Espanha pela FASA, o Renault 7, num conceito desenvolvido para maior versatilidade graças a uma secção traseira expandida.

Desembarque na América

O Renault 5 também procurou estender o seu legado aos Estados Unidos da América (EUA), chegando, em 1976, àquele continente com o Le Car, a denominação alternativa para o Renault 5 nos EUA com algumas diferenças estéticas, como os faróis envoltos numa ‘caixa’ de proteção e para-choques mais volumosos.

Lançado ao abrigo de uma parceria com a AMC para a comercialização no mercado americano, o Le Car foi um sucesso relativo: entre o seu lançamento e o final da comercialização, em 1983, foram registados 120 mil unidades, traduzindo também, de certa forma, a maior apetência dos condutores americanos por automóveis de maiores dimensões. O 5 era um ‘outsider’ face aos grandes automóveis americanos.

Curiosamente, a denominação Le Car também foi utilizada na Europa, produzida em números limitados (14.000 no total, das quais 6000 em França) que se diferenciava pelos mesmos apontamentos que a edição americana, como as jantes de liga leve ou os ‘piscas’ mais à frente na carroçaria. Ainda mais limitada, a versão desenvolvida pela Heuliez, a 5 Le Car Van, que tinha apenas dois lugares com painéis traseiros no lugar das janelas, roda suplente acoplada ao porta-bagagens e revestimento vermelho no interior dando uma impressão de maior luxo.

Em 1982, é lançada a versão TX, já com um equipamento melhorado, como vidros elétricos, bancos mais confortáveis, direção assistida ou palete de cores mais ampla para a carroçaria. Esta versão TX estava disponível com caixa manual e automática. Com o lançamento da geração seguinte, a Supercinq, seria substituída pela mais exclusiva Baccara, de que damos conta mais abaixo.

Mudança de geração ou continuação? Eis o Supercinq

Em 1984, surge a evolução natural do Renault 5, que ficou conhecida como Supercinq, embora partilhe os mesmos códigos estéticos e a filosofia com o modelo original. Marcello Gandini, ‘pai’ do Lamborghini Countach, acabou por conferir o desenho definitivo desta versão, com plataforma derivada do Renault 9 e motor em posição transversal para oferecer mais espaço a bordo.

Aproveitando essa mudança geracional, o 5 beneficia de uma série de atualizações, notando-se a chegada de ainda mais variantes e de novos equipamentos. Um dos modelos que mais se destaca é o Baccara, que é um dos mais icónicos, já que foi a primeira vez que esta designação, que na altura representava os Renault mais luxuosos, foi aplicada num utilitário de cariz urbano.

 

Mais requintado com cores específicas da carroçaria, bancos em pele e até uma ‘estante’ no porta-bagagens para guardar o casaco, este nível de equipamento estava associado também à caixa automática, aplicando-se um custo de venda ligeiramente superior pelo requinte suplementar.

Ao mesmo tempo, a Renault deu ainda mais atenção ao ‘filão de ouro’ que era o 5, apresentando diversas versões especiais que serviram para manter este citadino/utilitário como um dos modelos mais procurados.

… E a alma desportiva

Também não demorou muito tempo até que a marca francesa começasse a apostar nos desportivos para o 5, criando ainda em 1976, o 5 Alpine, tornando-se no modelo de topo na época com um motor de 93 CV para rivalizar com o Volkswagen Golf GTI. A aposta foi ainda mais extrema em 1978, quando apresentou o 5 Turbo no Salão de Paris como modelo especial de homologação para a versão de ralis, exigindo-se 400 unidades de produção em série para que o modelo de competição pudesse ser aprovado.

Para que esta versão pudesse ser considerada desportiva sem compromissos, entre 1976 e o certame parisiense de 1978, Michel Têtu e a sua equipa de engenheiros em Dieppe (França), trabalharam afincadamente no desenvolvimento do chassis e da mecânica do 5 Turbo, envoltos em grande secretismo, desfazendo a ideia de que o 5 Turbo era apenas uma versão vagamente modificada com componentes diferentes.

Ostentando uma aparência mais agressiva, motor traseiro em posição central, bancos específicos mais desportivos e, corolário da experiência, um motor 1.4 sobrealimentado capaz de debitar 160 CV na sua génese. Disponível com apenas duas cores de carroçaria, o 5 Turbo tornou-se numa experiência de condução praticamente única na sua era, com velocidade máxima de 200 km/h e apenas 970 kg de peso, havendo registo de 1690 unidades produzidas.

Esta versão seria depois alvo de uma evolução, com o Turbo 2 a surgir no mercado em 1983, depois da apresentação mundial no Salão de Paris do ano anterior, contando com algumas novidades menos entusiásticas, como o desaparecimento dos elementos específicos do interior, entre os quais os bancos da Bertone, e dos componentes em alumínio que estavam presentes na versão original (baixando o peso desse), numa alteração que lhe permitiu reduzir o preço de venda para 103.000 francos em vez dos 115.000 do primeiro Turbo – cerca de 40.000€, na altura. Embora 30 kg mais pesado, a reduçãdo do preço permitiu-lhe ganhar ainda maior popularidade: entre 1982 e 1986, foram produzidas 3167 unidades do Renault 5 Turbo 2.

No final de 1983, o Renault 5 Turbo teria um lote especial de 200 unidades, com a capacidade volumétrica do motor aumentada, para que pudesse ser homologado em competição na categoria de Grupo B e participar no Campeonato do Mundo de Ralis, uma das muitas competições em que ganhou notoriedade.

A gama mais desportiva do Renault viria a receber, na segunda geração, em 1986, uma variante mais fácil de conduzir, denominada GT Turbo. Além de manter um conceito mais funcional de utilização, dispunha de um motor 1.4 de quatro cilindros em linha com um turbo Garrett T2 para uma potência de 115 CV. Destes modelos, foram produzidos 160.000 entre os anos 1985 e 1990 (compreendendo duas fases do modelo).

Estrela dos ralis

A história do Renault 5 faz-se também com modelos de competição, como a do 5 Alpine Group 2 que terminou em segundo e terceiro na edição de 1978 do Rali de Monte Carlo, o 5 Turbo Monte Carlo de 1981, que venceu o Rali de Monte Carlo daquele ano com a dupla Ragnotti-Andrié a bordo, ou o 5 Maxi Turbo de 1984, cuja estreia ocorreu em 1985 e que era a resposta da Renault à escalada de evolução dos veículos de Grupo B no
Campeonato do Mundo de Ralis.

No topo da lista de modelos de competição estava o 5 Super Production de 1987, um protótipo concebido para as competições em circuito.

Em Portugal, o pequeno 5 Turbo também recebeu louros vitoriosos em diversos anos, com a famosa equipa Renault Gest Galp composta por Joaquim Moutinho e Edgar Fortes a marcarem uma época da competição nacional nos ralis.

Clássico suave

O centro da Renault em Flins é um autêntico tesouro para os aficionados do automóvel e, sobretudo, para os apaixonados da marca. É ali que se podem encontrar mais de 800 automóveis conservados pela Renault para detalhar a sua história, passando em revista todos os seus modelos, desde o primeiro carro produzido por Louis Renault ao mais recente Renault 5 Diamant.

Longe de ser um automóvel de produção em série, este 5 Diamond é um ‘retrofit’ espampanante criado numa parceria entre a marca e o arquiteto Pierre Gonalons que reinterpretou o clássico com diversos elementos modernos, desde logo pela cor rosa com pigmentos dourados, volante em combinação de mármore e carbono ou o logótipo com banho em ouro. Conta com um motor elétrico associado, mas em nada tem que ver com o futuro 5 elétrico que surgirá em 2023/4.


Elétrico antes do tempo

Em cooperação com a companhia elétrica nacional francesa, a EDF, a Renault criou cerca de 100 unidades elétrica do Renault 5, sendo assim uma novidade bem antes do tempo, atendendo à transição energética que hoje se verifica. A razão para a criação da versão elétrica de 1972 não era muito diferente – a crise do petróleo ameaçava parar a indústria automóvel e era necessário procurar formas diferentes de mobilidade.

Com poucas mudanças estéticas que o denunciassem, o Renault 5 elétrico foi produzido como versão experimental e algo arcaica, tendo apenas dois lugares, um motor UNELEC de 7.5 kW (10 CV) e uma velocidade máxima de apenas 60 km/h. Havendo apenas um tipo de baterias à disposição, contava com 34 baterias de chumbo para alimentar o motor de tração. No total, esta configuração adicionava cerca de 300 kg ao peso do Renault 5 TL (785 kg), pelo que o elétrico superava já a tonelada de peso.

A autonomia variava entre os 120 e os 180 quilómetros consoante o tipo de utilização. Já o carregamento fazia-se apenas a 220 volts, necessitando de dez horas para repor a totalidade da carga.

A decoração da unidade exposta fazia uma alusão ao desenho animado que nas décadas de 1970 e de 1980 era transmitido na televisão francesa.

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