Especial Renault Turbo: Dos incríveis anos 80 ao eficaz Mégane R.S. Trophy

24/07/2019

Os 40 anos do primeiro triunfo de um motor turbo na Fórmula 1 e a vontade de celebrar também o papel que teve na disseminação de tal tecnologia na própria indústria do automóvel foram pretextos para a Renault montar aquele que seria o parque de diversões mais incrível para os apaixonados do automóvel – um no qual fosse possível tomar o volante de quase qualquer carro à disposição e descobrir (ou redescobrir nalguns casos) as emoções de guiar um modelo com motor sobrealimentado.

Provavelmente, uma das maiores dificuldades dos responsáveis da Renault Classic, divisão especializada na manutenção dos modelos clássicos da marca francesa – gerindo museu com mais 700 automóveis e que tem alguns exemplares em falta para completar a sua história (por estarem em mãos de colecionadores particulares ou, por terem, muito simplesmente, desaparecido sem deixar rasto…) – foi escolher os automóveis que estariam neste evento e prontos para serem submetidos de novo às agruras do pequeno circuito de Ferte Gaucher, a cerca de meia centena de quilómetros de Paris.

Nalguns casos, era simples: o Renault RS10 com que Jean-Pierre Jabouille venceu o GP de França de 1979 ou o Renault R5 Maxi Turbo de ralis de 1981, mas também óbvios modelos de estrada, como o 5 GT Turbo, ou o R5 Turbo, uma loucura dos engenheiros gauleses com motor traseiro de 1.4 litros com 160 CV e caixa manual de cinco velocidades. Noutros casos, escolhas menos óbvias, como o 18 Turbo ou o Fuego Turbo, um coupé desportivo mais acessível que se destacou na Europa e também nos Estados Unidos. Entre os óbvios, claro, estavam os novos Mégane R.S. Trophy e Trophy-R, este último o mais recente recordista de compactos de tração dianteira no Nürburgring Nordschleife (Alemanha) e em Spa-Francorchamps (Bélgica).

Naturalmente, algumas das ‘jóias’ estavam vedadas às mãos dos jornalistas, como os carros de competição, que são peças demasiado significativas e simbólicas para serem sujeitas ao perigo de danos estéticos ou técnicos causados por excessos de confiança – mesmo que o único problema do dia tenha sido causado até por um piloto veterano nas voltas com os convidados. Mais uma recordação de que os excessos pagam-se caro. Mas sem que os danos no R5 Turbo Tour de Corse tenham sido demasiado severos…

Surpresas com história

De forma evidente, o automóvel progrediu de forma avassaladora na totalidade dos seus aspetos – um desportivo de hoje é mais eficaz em tudo do que um congénere da década de 1980. Mas, essa eficácia pode ser também sinónimo de descaracterização da alma. Uma relação de caixa que não ‘entra’ à primeira, o sobreaquecimento ocasional ou a vibração evidente que perpassa por toda a carroçaria, invadindo também o corpo do condutor são traços de carácter destes modelos clássicos – contam uma história e, numa surpresa que pudemos descobrir em primeira mão, fazem-no divertindo tanto quanto os modernos desportivos.

Veio do pequeno Renault 5 GT Turbo a maior surpresa. Visual relativamente discreto, dimensões muito compactas e uma ‘alma’ que deixa imaginar como eram ricos de emoções os pequenos desportivos e GTI de há meras três décadas. Desde logo pela posição de condução e pelos bancos com bom apoio do corpo do condutor sem se tornarem desconfortáveis, mas, depois, pela forma como todos os comandos ainda permitem entrosamento significativo com a ‘arte’ da condução. Sem sistemas de assistência à travagem, como o ABS, sem direção assistida e sem controlos de tração ou de estabilidade, a sensação de ligação com o asfalto é enorme e, ajudados pelo facto de se tratarem unidades preservadas em museu, dotados de excelente estado de conservação.

“Por favor, tenham em atenção que são modelos clássicos, com alguns anos e que não estamos aqui para fazer tempos ou para mostrar o que sabemos fazer ao volante”, recordou antes dos testes – curtos –, um dos responsáveis pela organização do evento no circuito gaulês, enfatizando aquilo que era óbvio apenas pela observação dos modelos na via das boxes. As condições impecáveis da pintura ou do interior enganavam, mas eram sempre modelos clássicos que importava estimar. Aliás, a presença de um instrutor ao nosso lado durante a condução – três voltas – era o garante de que não havia artistas do circuito ‘armados ao pingarelho’.

No entanto, nalguns casos, essa ideia esbateu-se à medida que vamos conhecendo os carros e que o próprio instrutor ganha confiança em quem vai ao volante. Sobretudo, quando houve a possibilidade de conduzir o 5 GT Turbo: face ao ‘turbo lag’ que era uma das características destes motores turbo iniciais, a compensação vinha da direção sem assistência, mas informativa, da caixa surpreendentemente suave no manuseamento e do motor ‘vivo’ perante os ‘inputs’ do condutor quando mantido na faixa de rotações mais ao ‘gosto’ do turbocompressor. De igual forma, a suspensão macia não se opunha a alguma inclinação da carroçaria em curva, mas jogando com as transferências de peso e graças ao baixo peso, subsistiu a sensação de estabilidade em curva, mostrando como a diversão não precisa de potência em doses massivas para estar presente.

Semelhante sensação aquela que foi oferecida pelo Renault 21 Turbo, uma berlina desportiva, mais pesada e de distância entre eixos mais longa, mas que tinha uma resposta mais balística do motor, notavelmente quando o turbo entrava em ação. A evolução sentia-se já aqui, surpreendendo igualmente pelo dinamismo inesperado de quem nunca havia conduzido um, embora batalhando também com o volante de grandes dimensões e com alavancas de caixas manuais de grande curso, uma sublime antítese dos desportivos modernos, condizentes na tendência de volantes de reduzido diâmetro e de seletores de caixa de curso curto (ou até de atuação automática).

Outro clássico de impagável notoriedade era o R5 Turbo 2, numa cor bordeaux que não favorecia muito as suas linhas, mas que detinha aquela característica de turbo violento com os seus 160 CV do motor montado em posição traseira. Pressionado a fundo o acelerador, parece que nada acontece até que… tudo acontece quando o turbo faz a sua ‘magia’. O facto de o circuito não ter grandes retas também não deu para aprofundar muito o seu carácter, mas a ideia de que a combinação de potência elevada e baixo peso era ótima para prestações fora de série para a sua época.

Aplicando uma fórmula mais moderna de eficácia e adrenalina, o Mégane R.S. Trophy é igualmente garantia de diversão ao volante e, com o piso ainda ligeiramente molhado da chuva matinal, comprova a sua competência graças ao sistema de eixo traseiro direcional e modo de condução Sport. Um digno e meritório herdeiro desta senda turbo, mas com entrega de potência mais expectável.

E não é que este último não seja impressionante de levar pela pista. O que surpreende, em última instância, é que modelos dos anos de 1980 consigam ser também tão divertidos de conduzir.

Porque importam os clássicos?

Sobretudo, perante estas peças de museu tão importantes, imperou a ideia de que se o caminho feito pela indústria foi significativo, há algo que os turbo iniciais têm consigo – a ideia de arrojo e de que a desportividade deve estar ao alcance de todos. Mas, também, a justificação para que alguns modelos tenham agora colado a si o estatuto de clássicos intemporais.

E a explicação é arrebatadoramente simples: se os seus dados técnicos ficaram ‘presos’ no tempo (como ficarão os do atual Mégane R.S. Trophy e de tantos outros) para as gerações futuras, a diversão é tendencialmente intemporal e inesgotável, podendo ser evocada daqui a 40 anos de forma tão viva como hoje. E a face do condutor voltará a ser invadida por um sorriso sinónimo de emoções fortes, tanto mais importante numa era em que parece haver uma ‘higienização’ da vertente emotiva.

Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.