Acostumada a fases de crise e de transição na indústria automóvel, Linda Jackson, CEO da Peugeot, diz que é cada vez mais importante ter uma marca “ágil e rápida” para sobreviver num “mundo Darwiniano”. Mesmo perante a anunciada ofensiva de marcas chinesas na Europa, Jackson garante não estar preocupada, contrapondo com valores da Peugeot como os do design e da tecnologia.

Com o Grupo Stellantis totalmente empenhado na eletrificação, cabe à Peugeot uma posição de destaque nessa missão, tendo definido 2030 como a data para a venda exclusiva de automóveis elétricos na Europa.

Num momento em que o setor automóvel atravessa uma mudança de paradigma a alta velocidade rumo à eletrificação, Linda Jackson, CEO da Peugeot, adianta que a companhia está a preparar-se da melhor forma para enfrentar os próximos anos, não só perante eventuais novas crises que possam surgir, mas também para enfrentar a crescente ofensiva de marcas chinesas que se aprestam a chegar ao mercado europeu.

“Nesta indústria, sabemos que haverá sempre uma crise. Estou na indústria há 40 anos e já tive a crise do petróleo, a crise financeira, a dos semicondutores… O ponto fundamental é que temos de ser ágeis. O meu chefe [NDR: Carlos Tavares, CEO da Stellantis] diz – e muito bem – que este é um mundo Darwiniano, pelo que temos de ser ágeis para sermos capazes de nos adaptarmos. Apenas os mais fortes vão sobreviver e temos de estar preparados para mudar”, refere esta responsável britânica em conversa com o Motor24 durante a recente apresentação internacional dos novos Peugeot 2008, 3008 Hybrid e 508.

Essa capacidade de adaptação tem sido amplamente robustecida no grupo e na marca do ‘leão’, sobretudo atendendo às crises mais recentes – à da pandemia, que acelerou a transição energética, juntou-se a de obtenção de componentes que dificultou a entrega de automóveis aos clientes. Hoje, esses desafios já não se colocam, em grande medida, devido aos esforços da companhia.

“Eu já não diria que é um problema. Aliás, se forem encomendar um carro agora, voltamos a um tempo de espera de cerca de três meses, talvez um pouco mais dependendo do modelo”, concede, explicando que na Stellantis está-se a trabalhar no sentido de obter contratos de primeira linha para assegurar um fornecimento constante de componentes, dentre os quais de baterias, com a abertura das próprias gigafábricas “para garantir que temos o nosso próprio fornecimento de baterias e componentes, aquilo que chamamos de EDM (Electric Drive Motors). Isto é uma parte importante à medida que avançamos, porque nos protege e é aquilo que não tínhamos antes. É um pouco a integração vertical da cadeia de fornecimento”.

Sem medo mas com respeito

Paralelamente, a Peugeot e as demais marcas europeias batem-se hoje com uma nova leva de rivais oriundas da China, com produtos cada vez mais evoluídos e ao gosto dos europeus. Para Linda Jackson, não há nada de particularmente ameaçador nesta novidade, mas sim respeito. “Não creio que seja uma crise. Creio que é concorrência saudável e temos de olhar para a questão dessa forma. Tenho grande respeito pelos construtores chineses, já conduzi muitos dos seus carros, que têm ótima qualidade. No entanto, não fico acordada à noite preocupada com os chineses! Na verdade, não fico acordada à noite preocupada com nada, para ser sincera. Penso que temos de os respeitar, mas no final de contas, tudo volta à questão de como é que eu os enfrento, como a qualquer outro rival”, argumenta, preferindo valorizar os atributos que reconhece à Peugeot.

“Tenho de ter uma marca muito forte, acreditar na minha marca e oferecer algo ao mercado. Com a Peugeot, o que acreditamos é que a forma de evoluirmos e de nos diferenciar naquele que será um mundo eventualmente elétrico passa por recorrermos aos nossos três valores: o primeiro é o ‘Allure’, que é a atração poderosa e a excitação em torno do design. Todos os construtores dizem que têm um design fantástico, mas nós achamos que temos algo especial. O segundo é a emoção, que diz respeito ao interior, muito relacionado com o i-Cockpit, que é um ponto de venda único para a Peugeot e que vai ter uma próxima evolução em breve, além de um novo conceito a partir de 2026-27, o Hypersquare, que já puderam ver no Concept Inception, associado à tecnologia ‘steer-by-wire’. O terceiro valor é o da excelência, que é a qualidade, a tecnologia e eficiência dos nossos veículos elétricos. É assim que nós achamos que podemos competir com os chineses e é por isso que precisamos de ser muito fortes a expressar esses argumentos. Mas é um campo aberto e todos temos de lutar contra a competição, como fazemos hoje contra os italianos, franceses e demais”.

Essa mesma globalização é também determinante na indústria automóvel, com Jackson a recordar que a Stellantis tem presença em praticamente todo o mundo, com cada marca a seguir um plano próprio de evolução. “Criámos a Stellantis, que tem 14 marcas e somos capazes de gerir os três motores do mundo: temos a Europa, temos a América do Norte e o terceiro é o da América do Sul e Ásia-Pacifico-China. Com todas as nossas marcas a competirem para fora – são todas complementares – conseguimos cobrir tudo isso”. De fora dos planos para a Peugeot ficam os Estados Unidos da América: “está completamente fora de questão”, garante.

Apostar na conquista de novos clientes

A Peugeot tem vindo a escalar o seu posicionamento de forma sensível, ficando hoje mais próxima de um estatuto generalista premium, algo que a CEO da marca reconhece pode afetar a acessibilidade, mas não de forma muito dramática.

Contrapondo com “o trabalho que tem sido feito na criação de soluções de financiamento para um acesso mais fácil” aos automóveis da marca (elétricos ou de combustão), diz que “também temos de aceitar que talvez alguns dos clientes a quem vendíamos há dez anos não são os mesmos clientes a quem estamos a vender agora. Mas temos também a capacidade de atrair novos clientes para a marca, clientes de conquista. Por exemplo, com o 408 sabemos que estamos a receber clientes de marcas premium porque estamos a oferecer algo um pouco mais moderno em termos de ideia de sedan em combinação com um SUV”.

Sobre as respostas aos novos desafios da mobilidade em termos de aquisição, a CEO da Peugeot assegura que na marca estão a ser tomadas todas as providências para uma nova fase de vivência com o automóvel: “O leasing está a tornar-se se cada vez mais prevalente. A Free2Move é uma marca de mobilidade com quem trabalhamos em grande proximidade [NDR: é parte do Grupo Stellantis] e vamos continuar a crescer com isso. Estamos no processo de desenvolver um modelo de subscrição, porque penso que é o caminho a seguir. Outros construtores fizeram-no e penso que funciona muito bem. O consumidor também está a mudar e precisamos de mudar com ele e muitas vezes temos este debate se os clientes vão comprar o carro no futuro ou se querem um carro para todo o tempo, ou por dois ou três meses. Penso que o modelo de subscrição na sua forma mais completa em que pode aderir ou abandonar, um pouco como o Netfllix, é absolutamente vital à medida que avançamos”.

Quanto ao futuro imediato e aos novos lançamentos, segue-se o 3008, ‘best-seller’ já no início de 2024, naquele que é um modelo importante em termos comerciais. Fora dos planos, no entanto, está qualquer ideia de reinterpretação de modelos do passado redesenhados para a modernidade. “Não sou uma grande fã do ‘retro’, da ideia de reviver o passado. No entanto, sou bastante favorável à noção de se tirar um pouco da influência do passado. Quando há uma história tão rica como a da Peugeot seríamos loucos se não a aproveitássemos, porque está no nosso ADN. Mas não vamos recriar aquilo que já fizemos. Vamos, sim, retirar a inspiração e os valores do passado e colocar isso num contexto moderno”.