Toyota GR Supra: Lenda de paixão moderna

31/07/2019

Foi uma relação demasiado rápida, quase refletindo aquilo que Camões escreveu como ‘fogo que arde sem se ver’. O ensaio ao novo Toyota GR Supra durou pouco mais de 24 horas, por imperativos logísticos da própria marca, mas valeu a pena cada segundo. Se valeu… Com 340 CV e um estilo que não deixou ninguém indiferente, o novo Supra tem magnetismo muito particular.

Entre as particularidades do novo Supra, que estreia a marca Gazoo Racing à escala global, está desde logo a combinação entre um desenho agressivo muito mais apelativo ao vivo do que nas fotos e a cor vermelha, que reforça a sensualidade de um desportivo como este. É impossível passar incólume na ‘selva urbana’ e nas estradas por onde passa o Supra arrebata olhares. Ocasionalmente, também obtém polegares levantados e telemóveis em riste para nos fotografar à sua passagem.

Todos parecem gostar do Supra ou pelo menos querem ficar com uma recordação de tão ilustre presença. Há até quem nos deixe passar em cruzamentos para ficar a admirar mais prolongadamente as suas linhas. Dá para tudo e percebemos que, verdadeiramente, nunca estamos sozinhos neste bilugar desportivo que é japonês e alemão ao mesmo tempo. E como ‘instrumento’ de marketing é brilhante. Pode não vender em massa, mas será sempre associado à marca Toyota, o que é quase impagável.

Dispensavam-se, porém, apontamentos como as entradas de ar ‘tapadas’ junto às cavas das rodas dianteiras e nas portas…

Crónicas de Gelo e Fogo

George R. R. Martin não nos levará a mal por utilizar o título de um dos seus livros de tão famosa série como é a ‘Guerra dos Tronos’, mas o novo Supra é um pouco como a Crónica de Gelo e Fogo. Perdidos?

O novo Supra nasce da parceria entre a BMW e a Toyota, estabelecida na primeira metade da década e que tem diversos propósitos, dentre os quais o desenvolvimento de tecnologia de pilha de combustível a hidrogénio e… Também a conceção de uma nova geração de desportivos. Para a BMW resultou o Z4 Roadster, para a Toyota ficou o Supra. De um lado, uma visão um pouco mais fria e racional e, do outro, uma abordagem mais emocional, mais quente. Enfim, mais apaixonante e fogosa. Como o vermelho da carroçaria.

E esse pode ser um dos principais problemas para quem é purista da Toyota. Um Supra não deveria ter o mesmo ‘coração’ e base que um BMW, mas este é um reflexo dos tempos modernos, nos quais a fria realidade da rentabilidade dita leis. Um carro como o GR Supra nunca teria existido se não fosse a colaboração entre as duas companhias. Tão simples como isso. E se muitos irão lançar brados de ‘traição’ ao legado Supra, bastam alguns quilómetros para que se silenciem os ‘velhos do Restelo’. O Supra está bem e recomenda-se, mesmo que – confirma-se – tenha muitas nuances germânicas.

Posto de comando

Aberta a porta do condutor (que revela soleira com a indicação ‘Supra’ num esforço contínuo da marca nipónica de lembrar que este é outra ‘loiça’), deslizamos para as bem ajustadas bacquets que sujeitam de forma ótima o corpo e deparamo-nos com um cenário familiar. Da Bavária, percebemos imediatamente. O interior é quase decalcado do Z4 Roadster, o que não é particularmente mau, já que evidencia elevada dose de requinte nos materiais com que é composto, o mesmo se aplicando na construção, isenta de críticas de maior. Outros detalhes de gosto pessoal entram também em equação: gostaríamos de um volante mais diferenciado, daqueles modernos com recorde desportivo e patilhas de maiores dimensões. Mas não é propriamente uma queixa fundamental…

Aqui, há espaço para dois passageiros e, num detalhe curioso, não há divisória em relação à bagageira, pelo que o que está lá atrás pode vir ter connosco numa travagem mais forte. Sobre isto, o espaço disponível nesse compartimento até é bem interessante (290 litros), dando para arrumar duas malas de viagem de dimensão média e mais qualquer coisa.

O painel de instrumentos oferece o essencial ao condutor, com o conta-rotações bem no centro para assim não perder pitada da subida de regime do bloco de seis cilindros em linha. Olhando pelos espelhos retrovisores laterais, não vemos só o carro ou o ambiente atrás – vemos também os robustos ombros das cavas das rodas.

Bate coração

A energia que provém do motor é suficientemente furiosa para nos colar ao banco do condutor quando o pedal do acelerador é esmagado com força em modo Sport. No total são 340 CV e 500 Nm de binário máximo extraídos a partir de um motor de seis cilindros em linha com 3.0 litros de cilindrada e sobrealimentação, uma solução que dá ao GR Supra um dinamismo quase inesperado. Parece mais potente do que o anunciado e o baixo peso dá-lhe uma reação quase fulgurante assim que se pede mais ritmo, dando-nos uma reação emocional que é sintomática dos bons carros desportivos: ganha-se mais coração do que razão na condução.

VEJA AQUI O NOSSO VÍDEO AO VOLANTE DO SUPRA

A caixa automática de oito velocidades é eficaz na gestão da potência e nas passagens de relação exibe grande compromisso com as vontades do condutor por intermédio das patilhas no volante (mesmo não sendo perfeita na sua missão). Tetsuya Tada, o engenheiro-chefe deste Supra e do anterior GT86, tinha-me prometido um carro emocionante e apaixonante. Valeria a pena dizer-lhe que não se enganou por aí além. A aceleração dos zero aos 100 km/h cumpre-se em 4,1 segundos e sente-se que não há grande engano nessa medição: é muito rápido!

Aberto o capot, somos apresentados ao grande bloco de três litros que não esconde aqui e ali o símbolo da hélice alemã. Fechemos de novo o capot, que o melhor é estar atrás do volante para mais uma sequência de curvas em que até a sonoridade do escape é bem trabalhada (melhor no modo Sport), dando mais alento à condução rápida e emotiva.

A transmissão da potência às rodas traseiras dá-lhe um carácter altamente emocional (e esta vai ser a palavra chave aqui), resultando num modelo tão divertido quanto competente em curva, tirando bom partido do diferencial autoblocante traseiro desportivo afinado pela Toyota, lembrando-nos, ainda assim, de que um abuso pode ter consequências menos positivas. Mas, o seu chassis e a sua agilidade, colocada à prova durante tanto tempo em diversos circuitos mundiais, como o Nürburgring Nordschleife, o ‘inferno verde’ alemão, mostram-nos uma resiliência impressionante a exageros do condutor. Aqui e ali, sobretudo com o piso molhado, maior a dificuldade ao colocar a potência no asfalto, entrando em ação o controlo de estabilidade, que não é intrusivo. Os pneus de grandes dimensões da Michelin ajudam na estabilidade direcional e na motricidade ao asfalto.

A direção, num jogo de palavras, é precisa e preciosa aliada da condução, dando-nos o feedback e a perceção da transferência de massas em curva, sempre bem conseguida. Aliás, o trabalho da suspensão é exemplar na contenção do rolamento da carroçaria em curva, sendo ao mesmo tempo suficientemente perdulária em mau piso para que não tenhamos de marcar consulta rápida no massagista. Virtuosa combinação que nem as jantes de 19 polegadas com pneus de baixo perfil (255/35 R19 à frente e 275/35 R19 atrás) consegue prejudicar.

Já os travões poderiam ser melhores, sobretudo ao cabo de alguma utilização mais intensiva.

Em termos de equipamento, o essencial, como o sistema de navegação e de infoentretenimento com ecrã tátil central de 8.8 polegadas (com manuseamento… familiar da BMW), sistemas de assistência como a travagem de emergência ou de reconhecimento dos sinais de trânsito. Tudo por um preço de 81.000€, muito semelhante ao valor do anterior Supra, que estava a ser comercializado por 16 mil contos. E é exatamente isso. Já foi há tanto tempo que é preciso retornar ao montante em contos para lembrar a anterior geração do Supra. Agora, se a Toyota quisesse mesmo, mesmo marcar uma diferença em relação ao Z4 M40i da BMW era desenvolver uma versão com caixa manual…

VEREDICTO

Em primeiro lugar, este é um desportivo que representa o próprio anacronismo de que os carros apaixonantes têm um lugar privilegiado no coração dos entusiastas, mas que estão condenamentos a uma não-existência, na maior parte dos casos. Têm custos elevados de desenvolvimento e, para as marcas, nem sempre o retorno é suficiente para que se conceba um carro do género. Foi sob essa premissa que a BMW e a Toyota se aliaram para desenvolverem os seus projetos desportivos. E em boa hora.

O espírito do Supra não se dilui totalmente com esta parceria, acabando por ser bem defendida. O que temos à nossa frente é um desportivo de cariz agressivo, com visual chamativo e nota tipicamente nipónica (não faltando até a dupla bolha no tejadilho), com uma condução digna de pertencer ao legado Supra. Acutilante no ataque às curvas e muito sensorial na forma como se guia de forma mais rápida, este Toyota tem todos os condimentos necessários para ser um futuro clássico, mesmo que partilhe o motor (pujante e entusiasmante) e diversos elementos com a marca bávara. Esse será, para quem é ‘amante’ do Supra, o seu principal óbice para amar esta geração (nome de código A90), mas, como atrás foi referido, os tempos atuais são os da fria análise dos números em prol da rentabilidade.

Se o risco era grande, também se deve conceder que os dividendos são muitos. Tada-san e e a sua equipa conceberam um desportivo sério, bem equilibrado nos comandos e com um chassis que é delicioso de explorar. Não haveria muito mais a pedir. E o que houver, o mercado de peças tuning encarregar-se-á de oferecer…

Características Toyota GR Supra
Motor Gasolina, 6 cilindros em linha, injeção direta, turbo, intercooler, 2998 cc
Potência 340 CV às 5000-6500 rpm
Binário 500 Nm às 1600-4500 rpm
Transmissão Traseira, caixa automática de oito velocidades com modo sequencial
0-100 km/h 4,3 s
Velocidade máxima 250 km/h
Consumo anunciado (medido) 7,5 l/100 km (9,8 l/100 km) NEDC correlacionado
Emissões CO2 170 g/km NEDC correlacionado
Comp./Larg./Alt./Entre eixos 4379 mm/1854 mm/1292 mm/2470 mm
Peso 1570 kg
Suspensão (Fr/Tr) Independente McPherson/independente; adaptativa
Mala 290 litros
Pneus 255/35 R19 (fr)-275/35 R19 (tr)
Preço (ensaiado) Preço: 81.000€

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