Mobilidade do futuro terá engenharia lusa e muitas oportunidades para as marcas

29/01/2018

A convicção de que este é o momento que se inicia a mudança do paradigma da mobilidade para o futuro está também a tomar conta de muitas das grandes empresas que operam em Portugal. Essa mesma noção é transversal a diversos setores, embora se assista também e cada vez mais a um cruzamento entre as indústrias da mobilidade e da conectividade, havendo migração de soluções de um lado para o outro.

Assim, com a ideia de que o futuro da mobilidade começa hoje, o debate sobre as mudanças que irão entrar em ação no futuro próximo levou responsáveis de seis grandes empresas até ao palco do Lisbon Mobi Summit, a primeira conferência de mobilidade organizada pelo Global Media Group que juntou em Lisboa diversos intervenientes com visões diferenciadas, mas com o foco na mobilidade do ‘amanhã’.

Uma das empresas que garante estar a efetuar grandes esforços na revolução da mobilidade é a EDP, com Miguel Stilwell Andrade, administrador da elétrica nacional, a referir que no léxico do futuro da mobilidade estarão as palavras “inteligente, elétrica e partilhada”, pelo que decorre um forte investimento da companhia para fazer com que possa cumprir essas três valências.

Revela, também, que existe uma grande atenção da EDP aos esforços dos proprietários dos veículos elétricos, focando-se muito “na jornada do cliente, desde o início da prospeção do mercado até à data em que o cliente toma a decisão de comprar um elétrico, mas também na sua utilização no dia-a-dia, onde e que carregamentos fazem no seu quotidiano”. A este respeito, aponta que o posto da EDP na Segunda Circular (de Carga Rápida) tem uma média de 69 utilizações diárias, sendo que todos os processos de carregamento permitem à operadora recolher informações preciosas sobre hábitos dos clientes.

Além de mencionar que os custos de operação começam a aproximar-se dos dos veículos mais convencionais, Stilwell Andrade recorda também a importância dos incentivos, dando por exemplo os casos de países como a Noruega, que é um ‘benchmark’ ou a Holanda. Mas, na sua opinião, é sobretudo necessário combater alguns dos obstáculos à utilização de um elétrico em Portugal, como por exemplo ao nível das infraestruturas de carregamento, considerando que “um veículo elétrico ainda tem vários desafios práticos à sua utilização”.

O desafio arriscado dos construtores

Do lado dos construtores, há também um novo mundo de desafios para enfrentar. E, nas palavras de Pedro de Almeida, CEO da SIVA, importadora de marcas como a Volkswagen, Audi, Skoda e Bentley, entre outras, um universo de novas oportunidades que os fabricantes automóveis poderão cavalgar, diversificando o seu leque de operações para uma área também dos serviços.

“A indústria automóvel está no meio de uma revolução, talvez uma que é única desde o início da sua existência, que vai fazer mudar o seu posicionamento e operação. Como qualquer revolução, traz desafios, mas também oportunidades. Por um lado, a partilha de veículos colocará menos carros na estrada, mas esses farão mais quilómetros e terão de ser substituídos mais depressa. Abrem-se leques de serviço como a conectividade. O carro vai ser elétrico, autónomo e partilhado, mas isso é relativo. Em 2025 serão 15% de carros elétricos, pelo que o restante será de carros convencionais e convém não esquecer que as pessoas não compram apenas carros para ir do ponto A ao B, mas sim também pelo prazer de condução, o estatuto, entre outras coisas”, apontou o principal responsável daquela que é uma das maiores empresas automóveis a operar em Portugal.

Pedro de Almeida notou, ainda, que apesar de existir uma alteração no “sentimento de posse das novas gerações, uma vez que ao fazer 18 anos hoje, um jovem não tem o ato de tirar a carta na lista das suas 20 prioridades, possivelmente, mas os fatores emocionais provavelmente continuarão a existir. A conectividade, porém será total. Em 2025 teremos todos os carros conectados e isso abre um mundo de serviço, como agendar reparações ou indicação de avarias em tempo real… O primeiro ‘chip’ que temos de mudar é que passamos não só a ser vendedores de carros, mas também fornecedores de serviços de mobilidade, que é uma própria alteração estrutural do Grupo Volkswagen na Alemanha”.

No âmbito ainda da progressão dos veículos elétricos em Portugal, este executivo destaca ainda a pouca expressividade do setor dos elétricos, com uma quota de mercado que ronda os 2%, já com os híbridos Plug-in, o que é um valor ainda muito baixo, apesar de ter subido gradualmente. Olhando a longo prazo, “o Grupo Volkswagen tem ambições na liderança da mobilidade elétrica. Em 2030 prevemos que cada um dos modelos do grupo tenha uma versão elétrica, não necessariamente o mesmo modelo, mas do mesmo segmento, como é o caso da diferenciação entre o Golf e o ID. O grupo tem um plano previsto de 70 mil milhões de euros na eletrificação até 2030. Desse valor, 20 mil milhões serão investidos nesses modelos e os outros 50 mil milhões nas baterias, já que os grandes obstáculos são os custos e a autonomia das baterias. Depois, são importantes incentivos que não sejam só fiscais, mas também de conveniência, com diferentes benefícios para os utilizadores dos elétricos”.

Brisa: Cada vez mais orientada para os serviços

Grande operadora de mobilidade e de infraestruturas, a Brisa tem na oferta de serviços uma grande aposta para a Via Verde, embora seja exposta a muitos desafios atendendo às necessidades de rentabilização num modelo de mobilidade que será bastante diferente, a julgar pelas previsões dos mais diferentes quadrantes. Porém, o cenário de transformação nas cidades não preocupa enormemente a Brisa, atendendo a que uma grande parte da mobilidade “passa-se fora das cidades”, conforme referiu Pedro Rocha e Melo, vice-presidente do Conselho de Administração da empresa.

“A mobilidade não será apenas nas cidades. A maior parte dela passa-se fora das cidades e a Brisa tem a sua maior operação fora delas, em autoestradas, de ponto a ponto, e isso vai continuar a acontecer, tem sido uma das nossas preocupações. Para que as pessoas possam estar conectadas com todas as comodidades e conveniências, que tem sido a nossa área de atuação. Nas cidades, apareceu um estudo que diz que ficarão apenas 10% ou um pouco mais em comparação com os números atuais, mas esses carros ficam a circular muito mais, já que estão permanentemente a ser utilizados. Já temos uma experiência disso com o Drive Now, em associação com uma marca automóvel, que nos permite perceber que há um sentido latente deste tipo de serviços”.

Aquele responsável lembrou, ainda, que a “Via Verde vai além das portagens e da cidade. Já se expandiu para muito mais do que isso, como os parques de estacionamento ou na aplicação Via Verde Estacionar, uma app para estacionamento de superfície que já está em 10 cidades.

Demonstrando que Portugal tem empresas de âmbito tecnológico entre as mais avançadas do mundo no campo da mobilidade elétrica e dos serviços, Duarte Afonso, responsável na área de estações de carregamento e de soluções de fornecimento de energia da EFACEC, recordou os esforços da empresa ao nível do reforço do seu posicionamento tanto em termos nacionais como internacionais, com uma fábrica praticamente pronta para iniciar a sua atividade na Maia, num investimento orçado em 2.5 milhões de euros.

“A nossa fábrica será, assim, uma forma de podermos afirmar que temos em Portugal uma empresa líder na oferta de carregadores e soluções rápidas e superrápidas. Um cartão-de-visita para chegar a novos parceiros e quebrar fronteiras”, adiantou, recordando que existem neste momento 3000 supercarregadores disponíveis a nível mundial.

No que diz respeito aos progressos expectáveis em termos de carregamento, aponta que estão a ser investigadas “várias frentes para que o ritmo de inovação tecnológica avance fortemente, até mesmo em design, porque um carregador tem características de design urbano”. Terminou, indicando que apesar de todos os desenvolvimentos na área do carregamento, “nada se faz sem um ecossistema e sem estabilidade nessa área”.

As redes que vão mudar as estradas

Para que todo o paradigma da mobilidade se altere na circunstância dos veículos autónomos, reduzindo congestionamentos e melhorando a segurança rodoviária, naquela que é a ótica de muitas das empresas de tecnologia, como é o caso da CISCO Portugal, com Sofia Tenreiro, diretora-geral da companhia, a referir que a nova “mobilidade é uma nova forma de vida. Trata-se da necessidade de repensar totalmente as infraestruturas devido aos novos cenários em termos de comunicação para os carros autónomos e elétricos. Em termos informáticos também será um desafio enorme. Estima-se que em 2020 vão existir 50 mil milhões de equipamentos ligados em rede, como os computadores, smartphones, tablets, com estes a representarem 1/3 do total e os eletrodomésticos e aplicações de casa a significarem os outros 2/3. Queremos que seja tudo rápido e seguro, com marcas e infraestruturas adaptadas”.

Tenreiro aponta que “Portugal é já um exemplo para muitos outros países”, destacando o exemplo da cidade de Braga, que num projeto alavancado pela CISCO Portugal, dispõe de uma rede autocarros a serem “utilizados como uma plataforma com Wi-Fi para a cidade, mas também de recolha de dados, pois graças a uns sensores específicos, podemos saber quais os níveis de poluição, temperatura e manutenção preditiva do próprio carro, além de sabermos como decorre a eficiência da condução do autocarro. Uma mudança na gestão operacional do autocarro que permitirá a redução em termos de custos de funcionamento, operacional e de manutenção”.

Ao nível de soluções tecnológicas para facilitar a vida a condutores, destaca outro exemplo de uma grande cidade mundial, neste caso Paris, em que a conectividade permitida pelos sistemas de smart parking permitem, por exemplo, bloquear um lugar de estacionamento antecipadamente. Outro aspeto que a CISCO está a trabalhar é no da segurança informática, o qual tem hoje uma importância enorme numa época em que os carros autónomos se aprestam a chegar às estradas. Afinal, garante, Sofia Tenreiro, “ninguém quer ter um carro autónomo atacado à distância para fins pouco nobres”.

CEIIA como centro de excelência tecnológica

Sedeado em Matosinhos, o CEIIA tem-se demarcado pelo desenvolvimento e implementação de soluções tecnológicas que visam promover a inovação da mobilidade em diversos níveis, procurando ao mesmo tempo levar a sabedoria e o empenho luso a outros países. Atendendo a que o futuro traz muitos desafios e incógnitas, o CEIIA está a trabalhar já num veículo autónomo que possa ser apresentando e iniciar os seus testes já em 2019.

“Temos de nos preparar [para a mobilidade autónoma]. Há dez anos, quando começámos a falar sobre mobilidade elétrica, isso estava fora de contexto e ninguém tinha a devida atenção para o assunto. Queremos ter em 2019 um autónomo feito em Portugal, ainda não nas estradas, mas é um percurso para conceber um veículo com funções autónomas”, referiu José Rui Felizardo, fundador e presidente da empresa, lembrando também que as transformações para acomodar essa revolução serão imensas, destacando a conectividade a que todos os veículos e infraestruturas terão de responder.

“No futuro, os sinais de trânsito terão de ser digitais. Mas, falar do futuro na área da mobilidade é uma área de racionalidade e de paixão. Influencia a forma como nos movemos. Entre as mudanças substanciais estará a tangibilização da sociedade e a descarbonização. No futuro, quando usarmos um serviço, além de um valor de fatura, poderemos ter um valor de emissões poupadas, unidades de crédito associadas à energia e à poupança de emissões. Trabalhamos com as Nações Unidas neste assunto, entre outras entidades, há dez anos. Queremos ser pioneiros na forma de acumular unidades de energia que nos possam pagar um café, por exemplo”, explicou.

Em termos de serviços, as soluções do CEIIA estão já ao dispor de cidadãos de vários países, graças ao desenvolvimento do software para o serviço de mobilidade da eCooltra, o qual permite a partilha de scooters na cidade. De acordo com José Rui Felizardo, a aposta na operação de partilha de scooters deu-se por “ficar entre as 2 milhas que se fazem de bicicleta e as 5 milhas que se fazem de carro, conseguindo também captar a atenção dos ‘millenials’. Prevemos estar em mais 25 cidades com um sistema de conectividade em tempo real, mas também com a integração de redes de objetos às redes sociais, embora isso seja algo para o qual ainda não estaremos preparados.

Por fim, como mote para o lema da mobilidade do futuro, a ideia de que “a solução para a mobilidade resultará da integração de diferentes sistemas”.

Na era da conectividade e dos dados, todos os intervenientes, em especial do CEIIA e da CISCO Portugal, destacaram a necessidade de políticas fortes de proteção de dados, em especial quando os dados passam a ser vistos como ativos e a cibersegurança assume um papel crucial em todos os aspetos da sociedade.