Publicidade Continue a leitura a seguir

Chevy 500: Uma história surreal

Publicidade Continue a leitura a seguir

POR IRINEU GUARNIER

O Chevette foi um dos mais bem-sucedidos projetos da General Motors do Brasil. Derivado do Opel Kadett alemão, estreou-se no país em 1973, na versão sedan de duas portas. A “família” do compacto Chevette cresceria nos anos seguintes com os lançamentos de modelos hatch, station wagon (Marajó) e sedan de quatro portas. A última variação deste bonito automóvel de linhas minimalistas viria em 1983: a pick-up Chevrolet Chevy 500 (construída sobre a mesma plataforma do sedan).

Resposta da GM ao sucesso das pequenas pick-ups derivadas de automóveis VW Saveiro, Fiat City e Ford Pampa, a simpática carrinha da Chevrolet tinha pouca capacidade de carga (500 quilos), mas levava uma vantagem sobre a concorrência: a tracção traseira, muito útil em declives. Mesmo tendo chegado ao mercado dez anos após o lançamento do Chevette, ainda seria produzida até 1995. Dos utilitários leves da época, é um dos mais cobiçados pelos coleccionadores brasileiros hoje.

No início da década de 1980, era repórter de um jornal rural quando a Chevy 500 foi lançada, e a GM fez questão de nos ceder um modelo para testes, já que percorríamos milhares de quilómetros por mês em estradas de terra batida, e o veículo tinha precisamente como público-alvo a população do interior brasileiro. Como era o repórter que mais gostava de automóveis no jornal, acabei por ser o escolhido para esta missão. Fui até uma concessionária GM, recebi as chaves e o manual do carro, e assinei um documento, em que comprometia a devolvê-lo nas mesmas condições em que o recebi. A cedência seria por uma semana. No mesmo dia, arranquei pela estrada fora.

Após cinco dias de viagem, já tinha todas as informações de que precisava para relatar as minhas impressões sobre a Chevy 500 branca. Lembro-me que elogiei o seu desempenho, o baixo consumo de combustível e a eficácia da tracção traseira, mas critiquei a pequena altura em relação ao solo, que dificultava a circulação por estradas em mau estado, mesmo com pouca ou nenhuma carga. Sugeri que elevassem em alguns centímetros a suspensão e utilizassem rodas um pouco maiores. O que, obviamente, a GM ignorou. Afinal, quem era aquele pirralho de vinte e poucos anos, para dar conselhos aos engenheiros do maior constructor do Mundo naquela época? Mas a verdade é que me apaixonei pela “picapinha”, como dizemos no Brasil (eu tinha, então, um Chevette).

Entretanto, algo surreal aconteceu. Quando fui devolver o carro, sugeriram que ficasse mais uma semana com ele. Não me fiz de rogado. Continuei a trabalhar com a Chevy 500. Na tentativa seguinte de devolução, informaram-me que a pessoa que deveria recebê-la estava em viagem (ou algo assim), e que eu poderia ficar mais uma semana com a pick-up. Fiquei. Nas duas tentativas seguintes, por um ou outro motivo, não consegui que a recebessem. Comecei a utilizá-la no meu dia-a-dia, e até aos fins-de-semana. E assim ganhei afeição à carrinha…

Mais de um mês depois de ter levado a Chevy 500 do concessionário, para efectuar um teste, decidi que era hora de devolvê-la, e que o faria de qualquer forma – nem que tivesse que abandoná-la no pátio da loja, com um bilhete no pára-brisa. O meu relacionamento com a Chevy 500 estava ficando sério demais… Mas a empresa era um tanto ou quanto desorganizada. Ninguém sabia informar-me como, afinal, deveria ser feita a tal devolução. Era como se esta pick-up nunca tivesse existido. Depois de muita insistência, consegui finalmente devolvê-la. Se não tivesse insistido tantas vezes, talvez ainda hoje estaria a andar por aí com a minha bela Chevy 500.

Fotografias: Eduardo Scaravaglione