Texto: Eduardo Rodrigues
Muitos são os que olham para este KGM e, perante uma marca de que nunca ouviram falar, a sua primeira reação é pensar se trata de (mais uma) criação chinesa. Mas não. Aliás, a KGM, sendo uma empresa nova… não é assim tão nova.
Expliquemos melhor. Lembram-se da sul-coreana SsangYong, que em Portugal nos trouxe em tempos alguns veículos todo-o-terreno originais, bem como “rebrands” de jipes Mitsubishi? Sim, essa mesmo. Acontece que a SsangYong atravessou tempos difíceis e, em 2022, foi adquirida pelo sul-coreano KG Group e rebatizada com o nome com que agora surge na Europa, KGM – sendo que em alguns mercados, o modelo Torres ainda surge sob a chancela SsangYong.
Plataforma mista, poucos compromissos
Este poderia ser o primeiro “mau sinal”, mas não é. Ou seja, apesar de ser produzido a partir de uma plataforma também usada pelo seu irmão a combustão, o Torres EVX não padece das maleitas de muitas destas plataformas “multi-energia”. É o caso da habitabilidade dos bancos traseiros, onde encontramos um piso totalmente plano, com 3 lugares perfeitamente utilizáveis. A este respeito, o posicionamento das baterias (uma unidade com uns generosos 73,4 kWh) não criou quaisquer problemas.
Ou seja, quem não saiba, não irá achar que este não foi um EV criado de raiz. É verdade que não temos “frunk”, mas o mesmo sucede até com EVs criados em plataformas dedicadas. O problema, neste caso, é que este grande SUV tem tração à frente e não só o motor mas também todos os restantes elementos do “powertrain” elétrico ocupam a área onde normalmente iriamos encontrar o motor a combustão.
Valha-nos o facto de que a KGM soube dotar o Torres EVX com uma cobertura plástica que, pelo menos, esconde a parafernália elétrica, pouco estética, que frequentemente encontramos ao abrir o capot de um EV sem bagageira frontal.
Este SUV de dimensões generosas (mais de 4,7 metros de comprimento) apresenta-se assim espaçoso no interior, o que o torna numa opção interessante para famílias à procura de um automóvel elétrico prático e polivalente.
Como já referimos, a habitabilidade atrás é bastante boa, não só em largura, mas também em altura e longitudinalmente – o espaço para os joelhos é igualmente generoso.
A bagageira, cujo portão é de comando elétrico (na versão ensaiada), é outro ponto positivo, com fundo falso para guardar cabos e carregadores, e um espaço bastante vasto para bagagem, de mais de 700 litros – 703 litros, mais exatamente, que vai até aos 1662 litros com os bancos traseiros rebatidos.
O conforto é igualmente outro ponto positivo. Os acabamentos utilizam materiais de qualidade e aparentam igualmente boa qualidade de montagem e execução, e há imensos espaços para arrumação, portas USB-C para carregamento e outros mimos para os ocupantes, como é o caso do carregamento sem fios para smartphones (versão K5).
O carro é grande e pesado (cerca de duas toneladas), é verdade, mas a afinação e a geometria das suspensões (McPherson à frente e multi-link atrás), conjugada com pneus de perfil não demasiado baixo (em jantes de 20” na versão K5 e de 18” na K3), permitem também um excelente conforto em andamento… exceto a alta velocidade. Este é talvez o ponto menos positivo do carro, em termos de conforto: a partir dos 110 km/h os ruídos aerodinâmicos são bastante aparentes, “amplificados” pelo silêncio do motor elétrico. Ou seja, será algo que não se irá sentir na versão a gasolina, cujo motor de combustão é a origem principal do ruído, mas aqui nota-se, e bastante.
De resto, o carro mostra um comportamento dinâmico cujas dimensões e peso dificilmente permitiram antever. A ficha técnica indica 8,3 segundos para a aceleração dos zero aos 100 km/h mas, como sucede com os EVs, o elevado binário disponível a partir das 0 rotações permite que esses mais de 8 segundos pareçam bem menos.
Outra característica dos EV mostra-se também aqui com o veículo em andamento: o elevado peso não implica um grande rolamento em curva, uma vez que a bateria (que pesa, só por si, 515 kg) colocada no piso, contribui para um substancial abaixamento do centro de gravidade. O resultado é um grande e pesado SUV que se conduz como… um SUV mais pequeno e mais leve.
O parâmetro habitualmente mais escrutinado nos EVs, a autonomia, apresenta aqui bons valores. O número WLTP para o ciclo combinado é de 460 km e, para o ciclo urbano, ultrapassa os 500 quilómetros. No entanto, é preciso notar que o consumo médio deste veículo é relativamente elevado (18,7 kW/100) e que a aerodinâmica não é propriamente brilhante, pelo que não se podem esperar milagres se nos quisermos lançar na auto-estrada a alta velocidade. Mas isso é algo que se pode dizer de praticamente qualquer EV, mesmo os que foram criados em plataformas dedicadas e têm melhores valores de coeficiente aerodinâmico.
Outros bons valores são os do carregamento, com a possibilidade de receber corrente AC trifásica (11 kW) e carregamento DC até 120 kW, números idênticos tanto para a versão K3 como para a K5.
Para encontrarmos realmente defeitos neste carro temos que apontar o dedo ao software. Este é um aspeto onde achámos que o Torres EVX poderá vir a beneficiar de atualizações futuras. Nada de grave, mas alguns pontos carecem de afinação. O principal é que o carro, a (muito) baixa velocidade, não tem uma entrega de potência tão suave como a que estamos habituados em praticamente qualquer outro EV; não é algo fácil de descrever – e, como escrevemos atrás, não é grave – mas “está lá” e sente-se, por exemplo, nas manobras de estacionamento.
Encontrámos também alguns bugs que, uma vez mais, não denotam problemas grandes, mas que carecem de solução futura através de atualizações da software. O sistema do K5 inclui câmara de 360 graus que funciona muito bem e ajuda imenso a colocar o grande SUV em espaços apertados, sobretudo em estacionamento longitudinal. Contudo, por mais do que uma vez, a câmara traseira não se ativou (apesar dos sensores de estacionamento continuarem a funcionar).
Outro bug: em duas ocasiões, o Torres EVX recusou-se a “arrancar” – algo que descobrimos que estava relacionado com o portão traseiro: o portão estava corretamente fechado (de resto, sem qualquer indicação no painel de instrumentos de que estivesse aberto) mas os sensores do veículo certamente indicavam o contrário. Em ambos os casos, o problema resolveu-se com a abertura e encerramento do portão.
Veredito
Um detalhe que não o é na verdade, dado tratar-se de um dado extremamente importante, sobretudo para um EV, é a generosa garantia que a KGM oferece neste carro: 7 anos para todo o veículo, mais 10 anos ou um milhões de quilómetros especificamente para a bateria. Quem (ainda) olha com desconfiança para os automóveis elétricos, encontra aqui o tipo de garantia perfeito para lhe dar confiança e paz de espírito.
Os pontos positivos são imensos e os aspetos negativos encontrados são todos facilmente solucionados através de atualizações de software.
Para quem gostar da estética (na minha família, as opiniões dividiram-se de forma particularmente radical…), este é um EV interessante com espaço, prestações e funcionalidades que o tornam num veículo polivalente, tão à vontade na estrada, como fora dela. PVP: a partir de 31.300€ + IVA (versão K3)