A opinião é unânime entre os responsáveis de alguns dos principais grupos automóveis: a tecnologia elétrica veio para ficar e será crucial para atingir as metas de emissões. Porém, faltam incentivos à renovação do parque automóvel e uma infraestrutura de carregamento capaz de acomodar o aumento de elétricos na estrada.

Presentes no painel da ACAP sobre a mobilidade elétrica em Portugal, os representantes máximos da Mercedes-Benz Portugal, Renault Portugal, Hyundai Portugal, Stellantis e SIVA fizeram coincidir a sua opinião quanto à falta de incentivos para a renovação do parque automóvel, cuja idade média vai já em 13,5 anos em 2022 (segundo dados da ACAP) e à necessidade de conceber um ecossistema completo e estruturado que dê suporte à expansão da mobilidade, além de uma reformulação do próprio sistema fiscal em torno do automóvel.

Otimista quanto à progressão das vendas de veículos elétricos em 2023, Holger Marquardt, CEO da Mercedes-Benz Portugal, é da opinião que “o Governo precisa de dar uma motivação para que os clientes possam comprar mais estes carros. Por enquanto, os elétricos são mais caros na produção, mas com o volume a aumentar, isso tenderá a descer. Mas, neste momento de transição, sem a ajuda do Governo, [a adoção dos elétricos] não vai funcionar”, dando também o exemplo bem-sucedido do mercado brasileiro, por onde passou anteriormente, no qual os incentivos governamentais ajudaram a aumentar as vendas de automóveis mais eficientes.

Do lado da Renault, cuja aposta nos veículos elétricos se iniciou há mais de dez anos, Ricardo Lopes, Diretor Geral daquele grupo que comercializa a Renault e a Dacia, reconhece que, hoje, “todas as marcas têm ofertas perfeitamente adaptadas aos condutores, sejam particulares ou profissionais. Mas isso não chega. É preciso criar uma infraestrutura que permita a adoção dos elétricos. Os construtores fizeram a sua parte, até a um ritmo mais rápido do que o previsto. Mas é preciso mais, sobretudo, na rede de carregamento que até é boa nos dias de hoje, mas que no futuro vai colocar desafios e é preciso evoluir”.

Entrando também no capítulo dos incentivos e da fiscalidade, Ricardo Lopes aponta que esse tem de ser o caminho a seguir para renovar “este parque automóvel, velho e poluente, cuja renovação tem de ser feita mais rapidamente”. Embora destacando a existência de incentivos à compra de veículos elétricos ao abrigo do Fundo Ambiental, recorda que é preciso mais para que não se esgote ao fim de 1000 viaturas. O responsável da marca francesa em Portugal defende igualmente a reformulação do quadro fiscal, “já que Portugal ainda é um dos poucos países que indexa os impostos a pagar à cilindrada, o que já não faz sentido nenhum.

Elétricos para todos vai demorar

Num painel feito de unanimidades, outro dos pontos em que os intervenientes do painel também estiveram de acordo foi na possível incapacidade de os carros elétricos baixarem de preços para valores que os cidadãos portugueses possam efetuar a sua transição para a mobilidade elétrica, mesmo que o desejem.

Outro Ricardo Lopes, este responsável pelas operações da Hyundai Portugal, reforçou a ideia de que os construtores fizeram o seu trabalho e empenharam-se na transição, mas que os desafios ainda estão por ‘desmontar’.

“As marcas fizeram o seu trabalho criando modelos sem emissões. Mas, por outro lado, não conseguimos ainda responder a um país como Portugal, que tem um poder de aquisição baixo, e trazer os automóveis para uma fasquia de preço em que a maior parte dos portugueses possa adquirir um veículo novo”. Ainda assim, assegura que na Hyundai está-se a trabalhar para “estender a mobilidade elétrica a todos os segmentos. A tecnologia vai continuar a evoluir e até lá vamos ter de continuar a ter outras soluções e respostas para as necessidades dos clientes, híbridas e mild hybrid, que ajudam a fazer o caminho nessa escolha”.

Esse é precisamente um caminho que também pode ser seguido, argumenta Ricardo Lopes, lembrando que muitos dos automóveis convencionais atualmente à venda são bem mais eficientes do que qualquer um dos mais velhos que já têm mais de dez anos de idade. “Nem todos os clientes olham ainda para esta escolha [da eletrificação]. Há um caminho que tem de ser feito gradualmente e vai acelerar. Mas há uma realidade que é a do incentivo ao abate. De um dia para o outro não vamos passar todos para a realidade elétrica. A transição tem de ser apoiada e dessa transição fazem pare todas as outras soluções. Reduzir aquele parque automóvel antigo é a melhor forma de ajudar na redução necessária das emissões”, argumenta, deixando ainda a ideia de que os incentivos ao abate seriam fundamentais. “Temos uma oportunidade tremenda para reduzir a pegada ambiental. É um movimento tremendamente simples com resultados rápidos e eficazes”.

Pablo Puey, da Stellantis Portugal (Peugeot, Citroën, Opel, Alfa Romeo, Jeep, etc), não fugiu muito à opinião dos seus congéneres, dizendo que Portugal “tem um parque automóvel muito velho e que, mais cedo ou mais tarde, tem de ser renovado”.

Para melhorar a situação, revela que, em conjunto com a ACAP, já foi apresentado um plano de incentivo à renovação do parque automóvel em Portugal, “que não é feito para nós, construtores, mas para o cliente e para as empresas, porque a partir de qualquer momento, o Governo terá de ser chato com eles e começar a aumentar as taxas dos modelos de combustão ou proibir esses carros nas cidades. Ter um parque velho e não fazer nada não é opção. Temos um plano abrangente, que precisa de infraestruturas para ajudar e incentivar à mudança desse mesmo parque. A secretária de Estado [do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Marques] tem-nos ouvido com muita atenção e isso já é muito importante. Quando foi a pandemia, o Governo ouviu os médicos. Na renovação do parque automóvel também gostaríamos de ter uma palavra a dizer”.

Da parte de outro dos grandes grupos automóveis, a SIVA (Volkswagen, Audi, Skoda, SEAT, CUPRA, etc), Rodolfo Florit está confiante de que o futuro vai ser elétrico, tendo as marcas do Grupo Volkswagen, que representa, planos alinhados para a transição. Mas, tal como os demais, apela ao maior empenho na criação de infraestruturas para incentivar à mobilidade elétrica.

“Tomámos a decisão de seguir a eletrificação, pelo que temos de dar os passos necessários. Temos de assegurar a infraestrutura para garantir essa transformação, renovando também o parque circulante, tirando os carros mais poluentes da estrada, melhorando a segurança e dinamizando a economia com receitas importantes para o Estado. O incentivo ao abate não é uma coisa nova, não é inventado agora e é, até, muito clássico, algo que já se fez em muitos países nos últimos anos com bons resultados. Só é preciso pegar num dos exemplo bem feitos por algum dos outros países e aplicá-lo em Portugal”, reforça.

Num painel feito mais de consensos do que de rivalidade de opiniões, também ficou claro existe uma dificuldades em apontar uma data concreta para o ponto de viragem em que os elétricos sejam, em termos de custo, a escolha mais óbvia face a um modelo de combustão. Neste sentido, a produção e a evolução dos processos de construção fornecimento tenderá a fazer os preços mais baixos.

O facto de praticamente todas as marcas terem em linha um plano de eletrificação total até 2030 também ajudará, mas essa tendência é vista, sobretudo, como uma medida para combater as alterações climáticas. Neste ponto, Holger Marquardt dá o mote: “Não são só os automóveis que precisam de mudar, é a nossa forma de pensar e a forma também como usamos a energia. Portugal tem tudo o que é preciso: vento, Sol e água, tem de saber como aproveitar cada um deles. Temos de pensar mais na importância do futuro e nas nossas crianças”.