Continue a imaginar: Tinha o seu automóvel e estava muito contente com o seu comportamento. Mas um dia o construtor entrou em falência e o seu carro ficou offline.
Não pense que é impossível. Já acontece na China.
Os automóveis elétricos dependem cada vez mais do software e da nuvem para manterem os sistemas atualizados e em bom estado de funcionamento. Se o construtor deixa de fazer as atualizações, começam a suceder-se os problemas nos automóveis.
O site Rest of the World dá o exemplo do que aconteceu a proprietários da VM Motor, uma empresa popular na China por ter uma gama de automóveis de preços baixos.A VM Motors declarou falência em outubro de 2023 e os seus veículos ficaram offline. Houve proprietários que deixaram de conseguir aceder à aplicação para smartphone e deixaram de conseguir ver até o estado de carregamento do carro no painel de instrumentos.
As queixas no site 12365auto – um site chinês de avaliação automóvel – começaram a suceder-se: “O sistema do carro está paralisado e não consigo entrar no sistema. Todo o sistema de entretenimento está inutilizável e o estado do veículo não pode ser verificado. O carro tornou-se um enorme risco para a segurança!”, escreveu um proprietário.
A VM Motors pediu desculpa pelo tempo de inatividade do servidor e resolveu temporariamente o problema. A empresa não atualizou o seu firmware após o pedido de falência e a aplicação WM Motor não está atualmente disponível nas lojas de aplicações chinesas.
O que aconteceu aos proprietários de automóveis desta marca fez soar os alarmes junto de muitos consumidores.
Na China, o mercado está atualmente num momento darwiniano, em que apenas os mais fortes sobreviverão.
Há na China mais de 100 fabricantes de automóveis elétricos e a maior parte está numa autêntica luta pela sobrevivência.
Os números de julho deste ano mostram essa luta pela sobrevivência, em que a BYD surge como dominadora do mercado, tendo vendido 340.799 unidades. Em segundo lugar surge o grupo Geely, com 59.051 unidades vendidas e em terceiro a Li Auto, com 51.000. A Xiami ocupa a 10ª posição com 14.000 unidades. A partir daí , os números de unidades vendidas desce acentuadamente, com o fabricante que aparece na 18ª posição a vender apenas 6.015 unidades.
A luta pela sobrevivência está ao rubro e as marcas partem para estratégias muito agressivas para ganharem espaço, com as guerras de preços a serem muito intensas. Como se não bastasse, está a assistir-se à eliminação progressiva dos subsídios governamentais.
A VM Motor, que vendeu 100.000 veículos entre 2019 e 2023, foi o mais importante fabricante chinês a tornar-se insolvente.
Entre as empresas de EV que entraram com pedido de falência e aquelas que interromperam as operações, cerca de 160,000 proprietários de automóveis chineses foram deixados em apuros, de acordo com a China Automobile Dealers Association.
A regulamentação automóvel chinesa obriga os fabricantes de automóveis a garantir o fornecimento de peças de hardware e serviços pós-venda durante, pelo menos, 10 anos após a descontinuação de um modelo.
Os veículos elétricos, no entanto, dependem muito mais de software avançado. Acontece que o software não está explicitamente abrangido pelo requisito de apoio pós-venda da China.
A dependência de serviços em nuvem significa que os carros podem ter problemas mesmo quando não há falha no próprio veículo. Em 2021, os proprietários da Tesla em todo o mundo que não tinham as chaves físicas ficaram sem acesso aos seus carros quando a aplicação para smartphone da empresa sofreu uma falha. Em junho, após a falência do fabricante de automóveis norte-americano Fisker, os condutores viram-se impossibilitados de trancar os seus veículos elétricos ou de ligar o ar condicionado, tornando os carros insuportáveis de conduzir no verão.
Apesar de diminuir o apoio à indústria, o governo chinês está a tentar impulsionar a compra de veículos elétricos, tendo introduzido em julho um incentivo de de 20 000 yuans (2 600 euros) para os proprietários de automóveis que pretendam substituir os seus automóveis a gasolina por veículos elétricos.
O caso da VM motor fez soar as campainhas de alarme, e originou uma mudança de atitude que vai ter consequências nefastas para a maioria dos construtores chineses.
Os consumidores chineses parecem estar a afastar-se das jovens empresas emergentes de veículos elétricos. De acordo com os últimos números relativos às vendas de veículos elétricos, os consumidores chineses estão a aderir a marcas mais estabelecidas, como a BYD, a Tesla e a GAC Motor. Apenas um dos 20 modelos de veículos elétricos mais vendidos na China no primeiro semestre de 2024 foi fabricado por uma startup de veículos elétricos – o Li L6 da Li Auto – e oito deles eram da BYD.
“Os consumidores estão agora a ter em conta o risco de falência dos fabricantes”, afirmou um analista ao Rest of the World.