Se o fabricante do seu EV for à falência, vai ter problemas

21/10/2024

Imagine o seguinte cenário. Quando comprou o seu automóvel elétrico ficou muito contente com o que a tecnologia lhe oferecia: abria o veículo com o smartphone, a partir do qual também controlava o ar condicionado. Além do mais, o sistema de som a bordo era de última geração.

 

Continue a imaginar: Tinha o seu automóvel e estava muito contente com o seu comportamento. Mas um dia o construtor entrou em falência e o seu carro ficou offline.

Não pense que é impossível. Já acontece na China.

Os automóveis elétricos dependem cada vez mais do software e da nuvem para manterem os sistemas atualizados e em bom estado de funcionamento. Se o construtor deixa de fazer as atualizações, começam a suceder-se os problemas nos automóveis.

O site Rest of the World dá o exemplo do que aconteceu a proprietários da VM Motor, uma empresa popular na China por ter uma gama de automóveis de preços baixos.

A VM Motors declarou falência em outubro de 2023 e os seus veículos ficaram offline. Houve proprietários que deixaram de conseguir aceder à aplicação para smartphone e deixaram de conseguir ver até o estado de carregamento do carro no painel de instrumentos.

As queixas no site 12365auto – um site chinês de avaliação automóvel – começaram a suceder-se: “O sistema do carro está paralisado e não consigo entrar no sistema. Todo o sistema de entretenimento está inutilizável e o estado do veículo não pode ser verificado. O carro tornou-se um enorme risco para a segurança!”, escreveu um proprietário.

A VM Motors pediu desculpa pelo tempo de inatividade do servidor e resolveu temporariamente o problema. A empresa não atualizou o seu firmware após o pedido de falência e a aplicação WM Motor não está atualmente disponível nas lojas de aplicações chinesas.

O que aconteceu aos proprietários de automóveis desta marca fez soar os alarmes junto de muitos consumidores.

Num mercado que está num momento definidor para os construtores de veículos elétricos chineses, os consumidores têm agora outro fator na hora de compra de um automóvel: a saúde financeira do construtor automóvel.

Na China, o mercado está atualmente num momento darwiniano, em que apenas os mais fortes sobreviverão.

Há na China mais de 100 fabricantes de automóveis elétricos e a maior parte está numa autêntica luta pela sobrevivência.

Os números de julho deste ano mostram essa luta pela sobrevivência, em que a BYD surge como dominadora do mercado, tendo vendido 340.799 unidades. Em segundo lugar surge o grupo Geely, com 59.051 unidades vendidas e em terceiro a Li Auto, com 51.000. A Xiami ocupa a 10ª posição com 14.000 unidades. A partir daí , os números de unidades vendidas desce acentuadamente, com o fabricante que aparece na 18ª posição a vender apenas 6.015 unidades.

A luta pela sobrevivência está ao rubro e as marcas partem para estratégias muito agressivas para ganharem espaço, com as guerras de preços a serem muito intensas. Como se não bastasse, está a assistir-se à eliminação progressiva dos subsídios governamentais.

Desde 2020, mais de 20 fabricantes de veículos elétricos não aguentaram e abandonaram o mercado. Desde o fabricante de topo de gama HiPhi à Aiways, que agora pretende retomar, mas apenas para exportação.

A VM Motor, que vendeu 100.000 veículos entre 2019 e 2023, foi o mais importante fabricante chinês a tornar-se insolvente.

Entre as empresas de EV que entraram com pedido de falência e aquelas que interromperam as operações, cerca de 160,000 proprietários de automóveis chineses foram deixados em apuros, de acordo com a China Automobile Dealers Association.

A regulamentação automóvel chinesa obriga os fabricantes de automóveis a garantir o fornecimento de peças de hardware e serviços pós-venda durante, pelo menos, 10 anos após a descontinuação de um modelo.

Os veículos elétricos, no entanto, dependem muito mais de software avançado. Acontece que o software não está explicitamente abrangido pelo requisito de apoio pós-venda da China.

O software proprietário é frequentemente utilizado para funcionalidades como o carregamento, o acesso remoto, as chaves das portas e até o entretenimento no automóvel. Também estão frequentemente ligados a serviços baseados na Internet que dependem dos servidores em nuvem do fabricante de automóveis.

A dependência de serviços em nuvem significa que os carros podem ter problemas mesmo quando não há falha no próprio veículo. Em 2021, os proprietários da Tesla em todo o mundo que não tinham as chaves físicas ficaram sem acesso aos seus carros quando a aplicação para smartphone da empresa sofreu uma falha. Em junho, após a falência do fabricante de automóveis norte-americano Fisker, os condutores viram-se impossibilitados de trancar os seus veículos elétricos ou de ligar o ar condicionado, tornando os carros insuportáveis de conduzir no verão.

Apesar de diminuir o apoio à indústria, o governo chinês está a tentar impulsionar a compra de veículos elétricos, tendo introduzido em julho um incentivo de de 20 000 yuans (2 600 euros) para os proprietários de automóveis que pretendam substituir os seus automóveis a gasolina por veículos elétricos.

O caso da VM motor fez soar as campainhas de alarme, e originou uma mudança de atitude que vai ter consequências nefastas para a maioria dos construtores chineses.

Os consumidores chineses parecem estar a afastar-se das jovens empresas emergentes de veículos elétricos. De acordo com os últimos números relativos às vendas de veículos elétricos, os consumidores chineses estão a aderir a marcas mais estabelecidas, como a BYD, a Tesla e a GAC Motor. Apenas um dos 20 modelos de veículos elétricos mais vendidos na China no primeiro semestre de 2024 foi fabricado por uma startup de veículos elétricos – o Li L6 da Li Auto – e oito deles eram da BYD.

“Os consumidores estão agora a ter em conta o risco de falência dos fabricantes”, afirmou um analista ao Rest of the World.