Numa demonstração de força, o Grupo Stellantis apresentou a sua nova estratégia para os veículos comerciais ligeiros (VCL), revelando não só um novo modelo ou uma nova gama, mas uma série completamente nova de modelos das suas diferentes marcas, com um foco muito concreto na eletrificação. Isto é feito ao abrigo da nova unidade de negócio Stellantis Pro One.

Se o objetivo da Stellantis era causar um forte impacto, a apresentação da sua ofensiva de comerciais de nova geração cumpriu com essa intenção. Jean-Philippe Imparato, CEO da divisão de Veículos Comerciais Ligeiros da Stellantis (também é o CEO da Alfa Romeo), foi o primeiro a mencionar a importância desta nova estratégia, chegando mesmo a afirmar que “hoje vão sentir o poder da Stellantis”.

De acordo com o mesmo responsável, a Stellantis planeou esta ofensiva do setor comercial com duas mensagens principais: a primeira foi a de que este momento era de “grande orgulho por mostrarmos com estes veículos e com este negócio a transformação do segmento e como estamos a mudar a Stellantis”. Com efeito, a área dos VCL da Stellantis representa um terço da receita líquida do grupo, ou seja, cerca de 60 mil milhões de euros, representando também mais de 30% das receitas líquidas do grupo.

Mas, o objetivo é crescer também aqui, ambicionando duplicar as receitas face a 2021, que foram de cerca de 40 mil milhões de euros. O valor atual, nos 60 mil milhões já permite olhar para o objetivo com credibilidade. A segunda mensagem foi de que “os VCL fazem parte da estratégia do Grupo Stellantis para atingir o plano ‘Dare Forward 2030’, estabelecido anteriormente e que prevê a tal duplicação das receitas líquidas face a 2021, mas também atingir uma receita de 5 mil milhões em serviços.

A mesma ideia foi replicada por Xavier Peugeot, Vice-Presidente Senior da unidade de Veículos Comerciais da Stellantis, para quem o grupo “não pode só vender e comercializar veículos. Temos de ter uma abordagem de 360 graus em linha com uma abordagem de sermos o parceiro preferido de negócio para os clientes, com base em cinco pilares: os produtos que continuam a ser bastante importantes, reforçar a liderança no mercado de emissões zero – hoje temos um mix de 43% de veículos BEV –, melhorar a experiência de cliente, reforçar os serviços conectados e aprofundar a atuação na área das conversões. Temos seis marcas que dão corpo a uma única força comercial da Stellantis”.

Esta é também a frase que melhor descreve a nova denominação da unidade de negócios dos comerciais ligeiros, a Pro One: à importância do setor profissional com as suas diversas necessidades e soluções (Pro), a especificidade de uma única força conjunta (One).

Cinco pilares para uma nova era

Na apresentação da sua ofensiva, que quer tornar a Stellantis numa força dominante neste setor, os cinco pilares da estratégia preveem o reforço dos pontos fortes da companhia, sendo os automóveis o ponto central sobre o qual os outros cinco pilares se baseiam, sendo que todos estão encadeados entre si e diretamente relacionados.

O primeiro pilar é, precisamente, o dos veículos. A Stellantis destaca o posicionamento de liderança neste setor na Europa e na América do Sul, mas também o segundo lugar no Médio Oriente e o terceiro lugar na América do Norte. Em 2022, a Stellantis vendeu 1.6 milhões de carrinhas e pick-ups, mas o volume deste ano aponta já para um crescimento nas vendas, com 1.10 milhões de unidades já vendidas este ano. A renovação da gama por completo compreendendo todas os segmentos permite reforçar a ambição no estabelecimento da liderança nas regiões em que ainda não tem o número um.

Diretamente relacionado com esse, o segundo pilar passa pelos veículos de emissões zero. Esta tecnologia sempre esteve no centro da estratégia de veículos comerciais, com uma gama totalmente elétrica desde 2021, com a Stellantis a dispor de uma quota de mercado de 43% na Europa a 30 países no primeiro semestre de 2023. Uma vez mais, o lançamento da segunda geração de tecnologia elétrica no final de 2023 irá fortalecer a oferta com melhorias na autonomia sem compromisso das capacidades e na flexibilidade.

Além de modelos como o Peugeot E-Boxer, Fiat e-Ducato ou Opel/Vauxhall Movano-e, a oferta irá crescer nos Estados Unidos com a nova Ram ProMaster EV, que é o primeiro passo na ofensiva elétrica daquela marca, prevendo-se a chegada ao mercado de quatro pick-ups eletrificadas nos próximos dois anos, incluindo a nova Ram 1500 REV em 2024. Está assim em linha com a tendência de crescimento da eletrificação do mercado americano.

Ainda no mesmo âmbito, a Stellantis trabalha em novas tecnologias de hidrogénio, com veículos comerciais ligeiros no mercado já em meados de 2024, sendo oferecido também nesse ano uma oferta ‘retrofit’ que permitirá aos clientes que tenham um comercial de combustão interna a passagem para a eletrificação de forma acessível e sem ter de enveredar pela compra de um VCL elétrico novo. De acordo com informações prestadas por Luca Marengo, responsável de produto da Stellantis Pro One, o custo de retrofit para um comercial de segmento médio ficaria entre os dez e os 15 mil euros para substituir um motor de combustão por uma motorização elétrica.

O terceiro pilar é a experiência do cliente, com a Stellantis a garantir que o cliente está no centro de todos os seus planos, criando soluções à medida das suas necessidades. Por exemplo, a interação digital com o cliente irá melhorar, associado a serviços como ofertas de wallboxes da Free2Move ou ofertas de financiamento, a que se juntam ainda os cerca de 20 mil pontos de contacto em todo o mundo com serviços de aconselhamento ao cliente e maior cuidado nos atos de entrega.

Para o quarto pilar, a Stellantis (ou ProOne) determina a relevância das conversões e trabalhos de personalização, que são cerca de 50% das vendas comercias desta área. Tanto Imparato, como Peugeot destacaram a relevância de contar com mais de 400 parceiros técnicos de conversão para um vasto leque de ofertas e resposta a diferentes necessidades. Para tornar esta área mais eficiente, está prevista a criação de um ecossistema digital e integrado entre as entidades fornecedoras de conversões e concessionários. Entre as inovações, destaque para o e-Power Take Off (e-PTO), que usa a bateria de tração do veículo de 400 V para dar energia a diferentes utensílios elétricos – no total, são 17 minutos de energia fornecida.

Por último, o quinto pilar passa pelos serviços conectados. Todos os novos furgões estarão conectados até ao final de 2023 e com atualizações over-the-air a partir de 2026, permitindo o objetivo de alcançar 5 mil milhões de euros em receitas de serviços conectados. A partir de 2024, todos os novos modelos entregues na Europa e na América do Norte serão ativados no momento de entrega, oferecendo pacotes de serviços como a monitorização da manutenção, geofencing na utilização, coaching de condução ou alertas de trânsito e de estado do veículo em tempo real.

Nova geração – eletrificação e não só

Apesar de partilharem componentes, cada modelo irá ter os seus próprios desígnios de identidade em linha com a filosofia de cada marca. Além disso, os valores próprios são incutidos em cada modelo: por exemplo, a Opel assentará mais na lógica tecnológica, com a oferta de série dos faróis de Matriz LED, enquanto a Peugeot terá um foco maior no refinamento e na qualidade estética (Allure). A Fiat terá por ‘carácter’ a funcionalidade e inovações nas soluções de arrumação Magic Cargo, ao passo que a Citroën fará das soluções Advanced Comfort os seus argumentos.

Na Peugeot, a gama será composta por Partner (E-Partner), Expert (E-Expert) e Boxer (E-Boxer), enquanto na Citroën poder-se-á contar com Berlingo (E-Berlingo), Jumpy (E-Jumpy) e Jumper (E-Jumper). A Opel/Vauxhall contará com os modelos Combo (Combo-E), Movano (Movano-E) e Vivaro (Vivaro-E), ao passo que a Fiat estará representada pelos Doblò (E-Doblò), Scudo (E-Scudo) e Ducato (E-Ducato), perfazendo desta forma um total de 12 veículos comerciais ligeiros de três segmentos: compactos, médios e grandes.

Ainda que existam algumas motorizações de combustão interna de última geração, com valores de emissões e consumos mais baixos, o grande foco estará nos modelos 100% elétricos na ótica desejada de uma cada vez maior atenção à eletrificação.

A segunda geração de motorizações elétricas BEV proporciona aos novos furgões compactos uma autonomia até 330 quilómetros. Nos novos furgões BEV de dimensão média, os conjuntos de baterias oferecem 50 ou 75 kWh de capacidade e até 350 quilómetros de autonomia. No segmento dos grandes furgões, uma bateria de 110 kWh (oferta única) oferece a melhor autonomia elétrica da sua classe, com um valor de até 420 quilómetros. Além disso, o carregamento rápido a 150 kW permite que a capacidade da bateria do furgão grande passe de zero a 80% em menos de uma hora.

Os novos elétricos dispõem ainda de novo sistema de bomba de calor para reduzir o desperdício energético e melhorar a eficiência térmica a bordo, reduzindo o impacto da climatização na autonomia.

A Stellantis também dá passos decididos na tecnologia de células de combustível de hidrogénio, prevendo lançar uma segunda geração deste tipo de motorização nos furgões médios em meados de 2024. Este sistema FCEV adota um sistema de potência exclusivo da companhia, proporcionando autonomia até aos 400 quilómetros e tempos de reabastecimento na ordem dos cinco minutos.

A tecnologia de células de combustível a hidrogénio estender-se-á aos furgões grandes em 2024, com a arquitetura de média potência, uma autonomia máxima de 500 quilómetros e um tempo de reabastecimento de cinco minutos.

Para Luca Marengo, responsável de produto da Stellantis Pro One, a questão do segmento comercial é sempre um ponto racional “resultado do ‘feedback’ que é sempre dado pelos clientes em termos de emissões, consumos e capacidades, etc”. A eletrificação é a tónica dominante, mas Marengo destaca que os motores de combustão ainda se manterão enquanto forem pedidos pelo mercado. “Como podem ver com esta ofensiva, estamos a oferecer também o motor a gasóleo com baixas emissões e baixos consumos”, referiu Marengo numa sessão exclusiva de perguntas e respostas na qual o Motor24 esteve presente.

Outras soluções passam pelo hidrogénio, no qual “somos pioneiros e isso dá-nos algum foco para nos movimentarmos rumo ao futuro. É uma solução complementar aos elétricos a bateria em que estamos a investir e permite-nos alargar o leque de soluções. Faz parte da estratégia para responder à ambição de todos os clientes, em resposta ao que será também disponibilidade das estações de carregamento na Europa, que estão atualmente muito concentradas em França e na Alemanha, mas há neste momento um plano da União Europeia para alargar esta rede de abastecimento de hidrogénio”.

Quanto à paridade de preços entre os veículos comerciais com motor de combustão e os elétricos, Luca Marengo não quis falar de dados concretos, mas adiantou que “foi dado um passo na acessibilidade destes carros”.

“Não falamos do preço, mas do TCO (custos de operação) e na comparação entre o veículo elétrico e o motor Diesel vemos que é 40% inferior e o ciclo deste veículo é assegurado por oito anos e 160 mil quilómetros de garantia da bateria”, afirmou.

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