“O hidrogénio é uma tecnologia que permite fornecer mobilidade automóvel descarbonizada, mas os clientes não querem saber”, diz o professor japonês, um dos pais das pilhas de combustível a hidrogénio para carros.

 

 

Se há uma autoridade na utilização de hidrogénio para alimentar veículos de forma mais eficiente ele é Katsuhiko Hirose. O veterano japonês foi parceiro estratégico da Toyota durante mais de trinta anos e continua a trabalhar de perto com o chairman do conselho da construtora nipónica, Takeshi Uchiyamada. Professor convidado da universidade de Kyushu, Hirose tem uma longa carreira no desenvolvimento de tecnologias na indústria automóvel, com foco especial nos carros híbridos. É também um dos responsáveis envolvidos na criação do Hydrogen Council, que inclui grandes empresas como a Shell, Toyota e Hyundai, e acredita firmemente no papel fundamental que as células de combustível de hidrogénio terão para uma mobilidade mais sustentável. Objetivo: a descarbonização total da economia.

 

 

Que temas pretende ver abordados na indústria?

Na mobilidade, as pessoas estão apenas a falar de hidrogénio ou baterias elétricas. Mas, se olharmos para as tendências globais no mundo, para atingir a descarbonização a caminho de uma sociedade sustentável, é preciso usar energias sustentáveis para o futuro. Isso, automaticamente, significa usar cada vez mais energias renováveis e também otimizar o uso dos combustíveis fósseis. Os combustíveis fósseis ainda são muito importantes e continuarão a sê-lo por algum tempo. Para fazer isto, o hidrogénio está a tornar-se muito importante. A questão não é apenas entre hidrogénio ou eletricidade, mas como otimizar o uso tanto das energias renováveis como dos combustíveis fósseis para chegarmos a uma sociedade sustentável, de baixo carbono.

Quando é que isso vai acontecer?

Já estamos a ver o seu início. Muita gente reconhece que, para usar mais energias renováveis como a eólica ou solar, é preciso armazenamento da energia e a sua conversão. Toda a indústria não pode trabalhar apenas com energia elétrica. Por exemplo, uma fábrica de metal precisa de químicos para transformar o material.

Acredita que, no futuro, todos os carros serão alimentados a hidrogénio ou haverá um misto de fontes de energia?

O mais provável é que o pequeno carro de passageiros possa ser puramente elétrico, com baterias elétricas. Autocarros, comboios ou navios não. Porque o transporte não significa apenas carros de passageiros. O transporte precisa de ser descarbonizado, o que pode acontecer apenas através do armazenamento alargado proporcionado pelo hidrogénio. Os carros mais pequenos e baratos podem ser competitivos com baterias elétricas e mistas, com hidrogénio. No entanto, durante algum tempo, os combustíveis fósseis com tecnologia híbrida – que parte da indústria chama veículo eletrificado quando não pode usar essa designação – serão a maior parte. Para as deslocações de longo curso, por exemplo camiões, será combustível sintético ou hidrogénio, é a visão de futuro.

Porque é que o hidrogénio é melhor?

O hidrogénio será muito mais popular dentro de pouco tempo, por causa da otimização do uso de energia. Para usar fontes renováveis, é preciso armazenar a energia com algum tipo de químicos, porque as baterias elétricas não conseguem armazenar grandes quantidades de energia. O total de energia usado numa cidade como Amesterdão ou Berlim é grande e para ser fornecido por fontes eólicas ou solares é preciso um enorme sistema de armazenamento em backup. Isso não pode ser alcançado com baterias, mas o hidrogénio permite fazê-lo. Participei numa conferência em Groningen, Holanda [Wind Meets Gas], que é uma cidade famosa por produzir gás natural e vai começar a transitar da sua produção por causa dos terramotos. Estão a pensar mais seriamente no futuro: como usar a infraestrutura existente, tais como os gasodutos? Vão usar energia eólica para produzir hidrogénio e fornecê-lo através dos gasodutos existentes. É uma transição interessante. Também vão usar materiais no subsolo profundo para armazenar hidrogénio.

É mais barato do que outras formas de armazenamento?

Sim, essa é a questão, porque isto já são infraestruturas existentes. Também há exemplos no norte da Alemanha, em Inglaterra e nos Estados Unidos.

Da estrada para o céu, acredita que se os “táxis voadores” se tornarem realidade estes também vão utilizar hidrogénio?

Sim. Se pensar nos drones com baterias elétricas, o alcance da autonomia é de cerca de 50 a 70 quilómetros. Como é que se carregam no fim de cada viagem? Se tem uma capacidade para 50 quilómetros, isso significa que está limitado a 20 ou 30 quilómetros em cada volta. Ou seja, não dá sequer para usar isto entre São Francisco e Silicon Valley, porque é mais de 30 ou 40 quilómetros. Além da questão da distância, o hidrogénio fornecerá combustível muito mais purificado para estes drones.

Como é que isto se alia à visão da condução autónoma?

Esse é o outro caminho para onde a indústria se está a deslocar, com carros ou drones eletrificados. Mas isso não significa que a bateria é elétrica. O hidrogénio permite mais armazenamento e energia. Andam de mãos dadas.

Considera que os governos terão de tomar um passo em frente para fazer que esta transição aconteça, visto que os consumidores não estão assim tão disponíveis para abandonarem os carros a gasolina?

Pois, é um grande problema. O hidrogénio é uma tecnologia que permite fornecer mobilidade automóvel descarbonizada, mas os clientes não querem saber. Basicamente, os clientes estão interessados na conveniência, no conforto e na performance, além do preço. Ao mesmo tempo, as empresas estão interessadas em diminuir as emissões. Penso que a indústria se move à frente dos passageiros. Se os governos impuserem um imposto de carbono adequado, isso ajudará a incentivar que o cliente use uma fonte de energia mais barata. #É uma questão que quero endereçar à audiência no Portugal Mobi Summit. A tecnologia de descarbonização já existe, é apenas uma questão de como combinar o benefício para a sociedade com o dos indivíduos.

No entanto, também é preciso lidar com os lóbis da indústria que não estão interessados numa transição. Como se pode ultrapassar a questão política, espelhada, por exemplo, na decisão do governo federal dos EUA de afrouxar os limites de emissões impostos por estados como a Califórnia?

Não vejo as coisas assim. Estou na indústria e vejo que a preferência é ter uma política correta que leve à descarbonização. O cliente importa-se mais com o preço e menos com a descarbonização. Se os governos implementarem a política adequada, isso será preferível do ponto de vista da indústria. Já me encontrei com várias empresas energéticas e elas de facto têm uma estratégia em vista, como um imposto sobre as emissões. Talvez as pessoas que rodeiam o presidente Trump acreditem numa visão mais antiga, de que os combustíveis fósseis são mais baratos, mas a indústria já está a mover-se para a descarbonização. Os estrategas e responsáveis de lóbi também já estão a mudar a sua estratégia para maior utilização de fontes renováveis nas infraestruturas industriais. É claro, se uma pessoa olhar apenas para a fonte de energia mais barata, ela continua a ser o gás natural nos Estados Unidos. Mas se fizer uma análise, o baixo custo não é sempre o preferível para a economia. As fontes renováveis incentivam o investimento.

O transporte (autocarro ou navio) precisa de se descarbonizar, o que só pode acontecer através do armazenamento alargado que o hidrogénio proporciona.

 

As novas tendências de mobilidade como serviço vão levar as pessoas a comprarem menos carros e a usarem mais serviços partilhados. Como é que isso afetará as construtoras?

Isso vai acontecer, mas de uma forma diferente. A partilha de boleias e de carros será parte da mudança. Eu vejo que as pessoas usam Uber em São Francisco, Nova Iorque ou noutras cidades por razões diferentes. Tem-se entendido mal a transição. A verdade é que as pessoas querem mobilidade privada, confortável e de porta-a-porta. Em Nova Iorque, a maior parte dos clientes de Uber vêm de transportes públicos, não eram pessoas que antes tivessem carro. Em São Francisco sim, as pessoas deixaram de usar o seu carro para usarem Uber. A empresa que oferecer a mobilidade que o cliente quer usar será o vencedor dos serviços de mobilidade, mas não no formato que as pessoas estão a antecipar.

Que tipo de cliente vai continuar a usar carros individual?

Em grandes partes do mundo, incluindo nos EUA, isso continuará. Estes estereótipos que vemos sobre o que será o futuro vêm de pessoas que vivem em Nova Iorque, São Francisco ou Tóquio. São completamente diferentes do mundo onde a maior parte das pessoas vive. Eu vivo fora de Nagoya, uma cidade grande, em que para ir para o trabalho ou escola o comboio serve, mas para ir às compras ou encontrar-se com um amigo é preciso ter carro.

E isso continuará no futuro?

Sim, com uma mistura apropriada de meios. O carro individual pode ser usado a qualquer momento. Nalguns sítios, ter um carro é um obstáculo: numa cidade grande como Tóquio ou São Francisco, o estacionamento é mais caro do que o próprio carro. Aí, a partilha de boleias faz sentido. Se precisar de ir para mais longe, então não.

Tem assistido a um maior interesse em carros com energia limpa devido aos alarmes das Nações Unidas sobre a crise climática e o ativismo de nomes como Greta Thunberg?

Penso que sim. Olhe para a implementação do [Toyota] Prius. Leonardo DiCaprio mudou muita coisa, tornou os carros híbridos cool. As pessoas conduzem o Prius não porque gastam menos, mas porque querem contribuir para um melhor ambiente. Isso tornou-se cool. A comunicação social terá o maior papel na mudança do mundo neste sentido. As pessoas querem contribuir para o futuro ou poupar uns trocos agora? Essa é a questão a colocar.

No fim de contas, são os clientes que têm de decidir comprar carros com fontes de energia mais limpas.

Sim. Na economia pode-se preconizar que as pessoas escolhem sempre a solução mais barata, mas isso não é verdade, porque não explica porque é que alguém compra um Lexus ou um Mercedes em vez de um Yaris. Para ir de um ponto a outro, um carro pequeno é suficiente, e uma pessoa não pode chegar mais rapidamente a um sítio com outro carro devido aos limites de velocidade e trânsito. A economia mostra, então, que as pessoas estão disponíveis a pagar mais se puderem, mas precisam de um motivo para o fazer. Ainda precisamos de algumas ideias para convencer as pessoas de como podem contribuir para o futuro. Não podemos dar-nos ao luxo de não o fazer.

Que mensagem vai querer deixar no Portugal Mobi Summit?

A principal mensagem é que o hidrogénio vai ter um papel muito importante. Também estou a pensar numa surpresa: uma forma diferente de pensar na mobilidade.

Ana Rita Guerra | texto

 

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