Não foi a primeira vez que falámos com Sébastien Ogier mas depois de estar uma manhã com o francês nos testes de preparação que a M-Sport realizou em Vila Nova de Cerveira reforçámos a impressão que já tínhamos: ao contrário de Sébastien Loeb, Ogier contraria a imagem que normalmente associámos aos pilotos franceses, sendo bem mais simpático e acessível do que a maioria dos seus compatriotas que passaram pelo Mundial de Ralis (incluindo o seu homónimo alsaciano).
É certo que as circunstâncias também jogam a favor. Profissionalmente, Ogier continua a ser a grande referência do desporto que o obcecou desde miúdo, quando ia ver os troços do Rali Monte Carlo perto de sua casa, em Gap. Pessoalmente, tudo também parece correr de feição a Ogier, que casou com a apresentadora de TV alemã Andrea Kaiser e com quem há dois anos anos teve o seu primeiro filho, Tim.
Aos 34 anos, Ogier está no topo do mundo mas poucos acreditariam que o melhor piloto de ralis da atualidade esteve a um passo de passar ao lado de uma carreira no desporto, fazendo o seu primeiro rali oficial apenas aos 22 anos. Ogier nasceu em Gap, um pequena vila nos Alpes franceses, e apesar do pai ser um adepto fanático de Ayrton Senna e de ter um tio que corria em autocross, uma eventual carreira de piloto foi durante muitos anos um sonho em vez de um objetivo realista. “A verdade é que venho de uma família modesta”, conta Ogier. “Os meus pais faziam o que podiam mas o desporto automóvel é caro e eu não tinha dinheiro para dar esse passo.”
Aos 8 anos, o pai de Ogier ofereceu-lhe um pequeno kartcross até porque o filho sempre revelou gosto inata pela mecânica e pela velocidade. “Eu seguia a Fórmula 1 porque o Ayrton era o meu ídolo mas só fiz algumas provas amadoras de karting, aos fins-de-semana com os amigos. Mais tarde comecei a estudar para ser mecânico (ndr, trabalhou como mecânico num concessionário da Peugeot em Gap) e fiz uma formação específica para preparar carros de de ralis. “Comecei como mecânico numa pequena equipa em França, a mesma equipa que preparava os carros do Rally Jeunes. Como já trabalhava na equipa e como sempre tive o sonho de ser piloto, um dia decidi inscrever-me”. O resto é… história.
Esse célebre programa de seleção apoiado pela Federação francesa (FFSA) foi a grande oportunidade na vida de Ogier, que na altura também trabalhava como instrutor de esqui. Ganhou a seleção do Rally Jeunes em 2005 e deu nas vistas em 2006 como rookie nos Peugeot 206 XS do troféu. Em 2007 já ninguém conseguiu parar Ogier, que entretanto já tinha começado a fazer dupla com Julien Ingrassia, que concorreu ao Rally Jeunes especificamente para ser navegador de Ogier, após ter reparado no “temperamento” daquele jovem promissor. Juntos ganharam o Volant Peugeot em 2007 com 35 pontos de avanço…A FFSA levou o jovem talento para o JWRC logo no ano a seguir mas poucos esperavam que Ogier ganhasse logo as suas duas primeiras provas no Mundial, no México e na Jordânia. No final do ano foi campeão à primeira tentativa com o Citroën C2 S1600 mas a grande sensação surgiu mesmo no último rali da temporada, em Gales, onde Ogier guiou pela primeira vez um WRC e onde ganhou logo a primeira especial da sua vida no escalão principal, liderando a prova até à quinta especial! “Sinceramente, isso foi uma loucura. Nem eu tinha noção dos riscos que estava a correr para andar assim”, recorda sobre esse famoso Rali de Gales de 2008.
Outro momento significativo foi o Rali de Portugal de 2010, quando Ogier conseguiu a sua primeira vitória no WRC após suportar a pressão de Loeb nos dois últimos dias da prova. Depois de Portugal, outras vitórias se seguiriam mas foi em 2011 que Ogier pôde realmente lutar com Loeb de igual para igual (com as consequências que se conhecem).
VOLKSWAGEN: UMA APOSTA DE RISCO
A famigerada rivalidade com Loeb em 2011 e a permanência do alsaciano na Citroën não lhe deixava outra opção se não sair da equipa francesa no final do ano. Foram públicas as tentativas (falhadas) de Malcolm Wilson para o atrair para a M-Sport, que realisticamente lhe poderia dar um carro competitivo para lutar com Loeb e a Citroën pelo título. Em vez disso, Ogier surpreendeu ao assinar pela Volkswagen, sabendo que teria de passar um ano a guiar um S2000 enquanto a marca alemã desenvolvia o Polo R WRC para entrar no campeonato em 2013.
Por um lado, a Volkswagen dava-lhe o contrato (milionário) e a responsabilidade que Ogier sempre perseguiu. Por outro, tinha de fazer um downgrade nas suas ambições e guiar um Skoda Fabia S2000 durante toda uma época. Uma aposta de risco mas que, claramente, resultou. “Eu sabia que um grande construtor como a Volkswagen tinha os meios para conseguir coisas importantes. Mas nada era garantido e basta ver o que aconteceu à Toyota na Fórmula 1. E foi extremamente frustrante fazer o ano todo com o S2000”, admite. Outro verdadeiro testamento do talento de Ogier foi a forma como colocou um Fabia S2000 na frente de alguns WRC em alguns eventos. Em Monte Carlo, no início desse ano, chegou a andar em 4º da geral até sofrer um acidente.
Seguiu-se o desafio de colocar a M-Sport num patamar onde nunca esteve: A de campeã do Mundo de pilotos. Depois de vencer ralis do WRC com três marcas diferentes, um registo apenas superado por nomes como Kankkunen ou Sainz (quatro), Ogier aproveitou bem a oportunidade para entrar no livro dourado dos ralis mundiais, tornando-se apenas o segundo piloto da História a conquistar cinco títulos mundiais e o único pentacampeão com duas marcas diferentes. E se constatarmos a diferença de meios que ainda continua a existir entre a M-Sport e a Hyundai, Toyota e Citroën, essa será talvez a maior prova de talento do campeão sorridente.
“NÃO TINHA MEDO DE LOEB E ISSO FOI IMPORTANTE PARA MIM”
A famigerada rivalidade entre Ogier e Loeb fez pelo WRC aquilo que os duelos entre Senna e Prost tinham feito pela Fórmula 1. Uma semana antes de falarmos com Ogier , pudemos falar com Loeb na prova do Mundial de Ralicross em Montalegre. O alsaciano confirmou que ele e Ogier não são propriamente amigos mas que falam pontualmente, tendo conversado recentemente sobre o mundo dos helicópteros, onde Loeb está envolvido até como piloto.
“Sim, eu e o Seb Loeb não falámos habitualmente mas liguei-lhe porque tenho uma oportunidade de investimento nessa área (helicópteros), queria saber o que ele achava.” Voltámos à carga: E os problemas que existiram entre vocês em 2011 foram mais uma questão de personalidade? “Talvez. Não gosto de estar sempre a falar do que aconteceu mas em toda a minha vida sempre fui muito competitivo, precisava de competir com alguém e sobretudo, precisava de ganhar. Há pessoas para quem o 2º ou 3º lugares são bons resultados. Eu não sou assim. Para mim o segundo é o primeiro dos perdedores. Quando chegas a um desporto há sempre uma referência e eu acho que deves respeitá-lo mas não temê-lo.
Prost estava no topo da F1 quando Senna chegou, foi por isso que se tornou a referência do Ayrton. O Viñales no MotoGP está na mesma equipa do Rossi mas não se importa e dá tudo. O Seb Loeb foi muito importante na minha carreira porque me obrigou a dar o máximo em todos os momentos, em todos os aspetos. Respeitava-o mas não tinha medo dele, achava que o conseguia bater e isso era importante para mim”, apontou Ogier.
Apesar de ter apenas 10 anos de idade quando Ayrton Senna morreu em maio de 1994, Ogier admite que o brasileiro exerceu uma enorme influência na sua vida, mesmo depois daquele fatídico GP em Imola. Quando lhe perguntámos o que recordava daquele Rali de Portugal de 2010, quando venceu a sua primeira prova no WRC, Ogier falou sucintamente da forma como aguentou a pressão de Loeb nos últimos dois dias, preferindo antes apontar uma efeméride curiosa. “O Ayrton ganhou a sua primeira corrida na F1 no Estoril em abril de 1985. Eu também ganhei o meu primeiro rali no WRC em Portugal, 25 anos depois. Isso deixa-me orgulhoso. As pessoas podem não compreender mas ele era o meu ídolo e ainda hoje me fascina”, confessa Ogier.
Outro facto praticamente desconhecido para a maioria dos adeptos é que Ogier chegou a ser comissário de pista voluntário no GP do Mónaco de F1, em 2004 e 2005. “Era a forma de conseguir estar perto da corrida e de ‘sentir’ o ambiente tão especial daquele Grande Prémio. Como sabes, era ‘a’ pista do Ayrton… Fiquei ainda mais contente quando pude finalmente correr lá, com a Porsche Supercup em 2013. Seja qual for o carro, aquele circuito será sempre especial para qualquer piloto e para mim era uma espécie de troço de asfalto cheio de significado”.
E será que o interesse em helicópteros não para encontrar a forma mais rápida de voltar a casa para a tua família, brincámos. “Podia ser. Claro que as minhas prioridades alteraram-se quando casei, quando tive o meu filho. Antigamente a minha vida girava em torno dos ralis, agora é diferente. Esta continua a ser minha grande paixão, adoro o que faço, mas passou para segundo lugar quando construí uma família”.
Por Ricardo Araújo
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