Pensando num BMW, seja qual for o deambulo da imaginação, a probabilidade de a escolha recair sobre um série 3 E46 ou um série 5 E39, dois dos veículos mais facilmente reconhecíveis do fabricante bávaro, é extremamente elevada. Tentando compreender o porquê de tal legado, grande parte dos inquiridos mencionariam a grelha em formato de duplo rim, a derradeira associação do design automóvel à imagem de marca, representando o sucesso absoluto da preconização mental dos modelos do fabricante. Contudo, tal elemento de design não se encontra só na definição de linhas do gigante alemão.
É neste sentido e no fascínio inegável detido pela gama Neue Klasse da BMW, que surge a associação a um dos supramencionados “vincos de estilo”, onde a subtileza e quebra de rectidão de linha acabam por gerar um legado incontornável na indústria automóvel passada, presente e futura. Eis o Hoffmeister Kink, designado daqui por diante por HK, quer por simplicidade de escrita, quer para evitar um estrangeirismo por uma sigla.
O HK, designação homónima adquirida graças ao Director de Design da BMW entre 1955 e 1970, Wilhelm Hoffmeister, representa um elemento de design automóvel que possui tanto de subtil como de característico: a simples inversão de linha na base no pilar C quando a mesma começa a tender para a secção traseira do veículo, reencaminhando-a de volta para a frente do mesmo por curvatura. Este elemento relevante no design BMW marcou a sua estreia no 1500 Neue Klasse de 1961.

Definição de estilo vindouro
Ao nível histórico, a relação de simbiose entre a BMW e o HK possui relativa linearidade, assumida num período crucial para o estabelecimento dos bávaros enquanto o gigante automóvel que são actualmente. Após a 2ª Grande Guerra, a Alemanha (e a Europa na sua generalidade) enfrentavam um período de elevadas dificuldades. A BMW sobrevivia com recurso à fabricação de cutelaria, tendo-se afastado da indústria automóvel e dos motociclos. A escolha não possuía um cariz de opção, mas antes de escolha motivada pela falta de capacidade económica do povo alemão. Em 1959, a situação económica da BMW era de tal forma desfavorável que a venda à Daimler-Benz parecia inevitável para evitar a bancarrota. Contudo, num esforço final, o investidor Herbert Quandt foi convencido ao emprego de uma soma avultada numa decisão considerada como sendo de alto risco, evitando-se o que parecia certo.Com a chegada de Quandt, e tendo por base a alentada experiência do mesmo no meio industrial, a BMW começou o seu percurso ascendente com o desenvolvimento dos veículos Neue Klasse, após uma fase de deambulo entre os automóveis-bolha como o Isetta e os pequenos desportivos como o 700. A sua criação teve a marca indelével de Fritz Fiedler, cuja compreensão do mercado permitiu o investimento em veículos com cilindradas comportadas entre 1,5 e 2 litros, no seguimento de sedans de elevado sucesso como o Borgward Isabella.
Tido como revolucionário para a época, o primeiro 1500 Neue Klasse foi revelado no Salão Automóvel Internacional de Frankfurt de 1961, no qual a procura pelo mínimo vislumbre era tal que as visitas ao espaço dos bávaros tiveram de ser limitadas.
Poucos seriam os automóveis com o impacto que o 1500 teve na indústria automóvel há época. Com o seu motor de 1,5 litros de 4 cilindros a desenvolver 75 cavalos de potência às 5500 rotações por minuto, os travões de disco à frente e, talvez com maior relevo, um novo design aliado a um preço convidativo, o 1500 roubou as atenções ao mais luxuoso 3200CS apresentado contemporaneamente.
O elogiado design do 1500 teve a crucial incorporação de Giovanni Michelotti no Departamento de Design da BMW, responsável pelo pequeno, mas glamoroso, 700, o 1º automóvel no retorno da BMW à indústria. A grelha em duplo rim, a incorporação do HK (há altura sem designação definida) e a aplicação de uma carroçaria a oscilar entre sedan e coupé vaticinariam o 1500 Neue Klasse como intemporal.

Inspiração generalizada
Antes da BMW, também a Peugeot havia incorporado um elemento similar ao HK no 203 Coupé de 1952, sem, todavia, uma definição de linha do mesmo calibre. No final da década de 50 e início da de 60 também a General Motors e a Fiat procuraram incorporar um elemento semelhante, com particular destaque para o Fiat 600. A Ferrari com o 250 GTE, a Aston Martin com o DB4 GT Bertone Jet e a Lancia com o Beta representam exemplos de veículos de cariz mais desportivo com implementação desta solução de estilo.
Apesar de possuir anterior aplicação, o elemento aparentava possuir um estatuto de one-off, sem grande réplica para os modelos seguintes e sem particular evidência no design geral dos modelos em que era implementado, possivelmente pela falta de um desenho complementar que incorporasse o HK com tanta fidedignidade como o desenvolvido por Hoffmeister e Michelotti.
Contudo, a maior influência para o departamento de design da BMW terá sido a aquisição da Glas em 1966, há altura com o objectivo de obtenção de patentes como a utilização de uma correia com uma árvore de cames à cabeça, algo único na indústria automóvel há data, mas também com o propósito de aquisição da sua fábrica em Dingolfing e da sua mão-de-obra experiente.

Como a longevidade faz o legado
Possivelmente, o factor que mais tende a atenção para a implementação do HK na BMW será a sua longevidade, encontrando-se presente inclusive nos modelos de gama i, onde a ruptura com o passado ao nível de propulsão não impôs uma quebra de costumes relativamente ao design. Poucos serão os fabricantes capazes de lograr de forma tão vindoura um traço característico transversal a todos os modelos, particularmente um não tão evidente como o afamado duplo rim, e que confere ao mais recente dos seus veículos uma porção da história que o antecedeu, história essa remontante de há mais de 60 anos.
Apesar da sua subtileza para o design geral do veículo, é impossível pensar que terá sido um dos fios conductores do design automóvel da casa bávara, um aspecto a incorporar nas mais diversas gamas e criações pelo look desportivo que confere, mas também pela acentuação que permite à porção traseira do veículo, fazendo adivinhar o factor transcendente a todos os modelos BMW até muito recentemente, a tracção às rodas anteriores. Nos segmentos em voga actual e pela existência de pilar D nos segmentos SUV (série X), o HK surge nesta zona, ainda que com a mesma linha conductora dos restantes modelos.
Nos modelos mais recentes é ainda possível encontrar um HK reposicionado no para-choques dianteiro, mais precisamente no contorno superior do duplo rim, algo que a imprensa em geral designou de 7 e 7 invertido. Tal demonstra plenamente a importância que este elemento ainda possui para o departamento de design dos bávaros, assim como a vontade de fazer com que a sua incorporação perdure.

Desde a sua introdução, este traço característico deixou de ser exclusivo à marca bávara, pelo que pode ser encontrado nos mais variados fabricantes, com predominância por segmentos mais altos. Exemplos actuais podem ser encontrados com frequência em fabricantes americanos como a Lincoln, com transcendência para o mercado asiático com a Lexus, a Kia, a Honda e a Hyundai e para o mercado europeu com a Volkswagen.
Por outro lado, e sem necessidade de esclarecimentos posteriores, este traço (ou a sua mera influência) é dificilmente encontrado nos restantes gigantes automóveis alemães.
Sem uma imponência e vivacidade no exercício de memória como a grelha em duplo rim, mas com um papel vigente na história da BMW (e não só), o Hoffmeister Kink representa uma característica de relevância não imediata, mas de influência incorporativa plena, traço este ao qual se augura uma conservação no que será o Design Automóvel moderno não só no domínio bávaro, como também na generalidade dos fabricantes que pretendam um enfase marcante nas suas linhas.

