Quando o Estado Novo acertava

03/06/2019

Criada em 1945 por despacho de Humberto Delgado, então director do Secretariado de Aeronáutica Civil, a TAP começou por ser uma empresa pública até que em 1953 foi transformada em sociedade de capitais mistos, SARL, na qual o Estado detinha a maioria do capital e como tal tinha o direito de nomear o Presidente do Conselho de Administração. Carlos Bleck, cuja companhia CTA havia sido liquidada em 1949, era também membro deste Conselho, que incluía mais quatro administradores.

A 3 de Agosto de 1953 teve lugar uma reunião importantíssima deste órgão de topo da companhia nacional; nela se decidiria qual o tipo de avião que a TAP ia adquirir para as suas rotas de longo curso. As opções eram três: Douglas DC6, Lockheed L1049 Super Constellation e De Havilland Comet II.

No decorrer da reunião foi apresentado um parecer técnico elaborado por um grupo de trabalho da TAP que recomendava a aquisição do De Havilland Comet II, o primeiro avião comercial totalmente a jacto. Carlos Bleck não podia estar mais feliz: o Comet representava um enorme salto tecnológico em relação aos seus concorrentes, era muito mais rápido que os outros e já equipava algumas das companhias mais importantes do mundo. “Last but not the least”, Carlos Bleck era o representante da marca para Portugal e iria seguramente receber umas boas comissões se o negócio se fizesse.

Com base no parecer técnico elaborado pela TAP, dos cinco elementos do Conselho de Administração três votaram a favor do Comet, um votou contra e outro absteve-se. Faltava o voto do Presidente nomeado pelo Governo, que era decisivo. Quando chegou, rezava assim:

a) O Governo não aprovava a compra do Comet II

b) O Governo não explicava porque não queria o Comet II

c) O Governo informava que se baseou num parecer da Direcção Geral de Aeronáutica Civil, órgão do Estado, para se decidir pela compra do Lockheed Super Constellation. Esse parecer era “confidencial” e como tal não podia ser divulgado.

Antes de dar os trabalhos por encerrados o Presidente do Conselho de Administração entregou a cada um dos membros a minuta de uma carta que todos deviam assinar declarando que aprovavam a escolha do Lockheed Super Constellation. Ponto final. Manda (mandava) quem pode e o resto é conversa.

As coisas acabaram por correr bem ao Governo. O “Super” viria a revelar-se um avião verdadeiramente extraordinário enquanto que o Comet II, pelo contrário, se transformou num pesadelo; depois de sofrer vários acidentes fatais este avião acabou por ser retirado do serviço devido a uma sequência de falhas estruturais graves causando enormes prejuízos às companhias que o operavam.

José Correia Guedes / Jornal dos Clássicos