Renault Type MH: O príncipe do deserto

15/11/2018

No princípio dos anos 20 dois construtores franceses batalharam pela supremacia nas areias do Sahara.

As ligações ferroviárias no norte de África, particularmente nas colónias francesas, eram praticamente inexistentes. Subsistia a questão sobre a capacidade de o automóvel poder ser uma alternativa aos camelos e dromedários. A ausência de estradas e os frequentes obstáculos dificultavam a progressão de automóveis de turismo convencionais. Outras soluções tecnológicas tinham que ser encontradas.

A Citroën foi a primeira a avançar. Adoptou um interessante sistema que combinava a estrutura de um automóvel de fiabilidade comprovada — sobretudo o B2 e o C4, com motor de quatro cilindros, 1,5 e 1,6 litros e 22 ou 30 cv— com um sistema posterior de lagartas, patenteado por Kégresse-Hinstin.

Um grupo de Citroën assim equipados atravessaram pela primeira vez o deserto do Sahara, em 1922. Foi um feito extraordinário e que permitiu mais um golpe promocional para a Citroën, que aproveitou para criar uma empresa de transporte turístico na região.

O multi-rodas da Renault

A Renault foi bastante mais pragmática. As lagartas eram uma solução complexa, dispendiosa e com demasiados componentes com vida curta. O revestimento de borracha das lagartas, por exemplo, durava apenas 6000 quilómetros. Louis Renault decidiu que a solução podia estar em três eixos com rodado duplo, com pneus tipo balão com pressão mais reduzida. Os dois eixos traseiros estavam tão próximos quanto o permitido pelas dimensões dos pneus e seriam ambos motrizes. O eixo dianteiro, também com rodado duplo, seria também direccional.

A base deste modelo foi o robusto modelo KZ, de 10 CV fiscais, equipado com motor de quatro cilindros, 2120 cc e 30 cv. A transmissão era feita aos dois eixos traseiros através de uma caixa de três velocidades, com um desmultiplicador de duas posições, o que permitia, na prática, seis marchas dianteiras.

Baptizado como Renault MH, este modelo começou a ser desenvolvido em 1922, estreando-se no ano seguinte.

Havia interesse das forças armadas francesas, que acompanhavam os projectos de ambos os construtores com interesse. Mas o principal objectivo era estabelecer uma forma de comunicação entre a Algéria e a África ocidental francesa.

Expedições bem sucedidas

Desafiado por Gaston Gradis, fundador da Compagnie Générale Transsahariane, Louis Renault aceita o compromisso de realizar a primeira expedição, atravessando o deserto do Sahara. Para além de Gradis, participaram os irmãos Georges e René Estienne, o engenheiro da Renault Pierre Schwob e três mecânicos.

A caravana de três Renault MH de seis rodas (tecnicamente, 12, por causa dos rodados duplos) saiu de Colomb-Béchar dia 24 de Janeiro de 1924 e chegou ao posto militar de Bourem, no dia 31. Os três Renault chegaram sem problemas mecânicos e evidenciando uma velocidade média muito superior à conseguida pelos Citroën de lagartas, que tinham partido um dia antes para realizar o mesmo trajecto de 2400 quilómetros.

A 15 de Novembro também de 1924, tem início a maior das expedições Renault, partindo da Algéria até à cidade do cabo. A viagem de mais de 23 000 quilómetros, terminou a 23 de Julho de 1925. Durante a viagem, a equipa expedicionária teve que atravessar 35 rios de barco e construiu 129 pontes.

Depois da sua Croisiére Noire (da Algéria a Timbuktu, a Citroën virou-se para oriente, com a Croisiére Jaune, ligando Paris a Pequim.

A Compagnie Générale Transsahariane de Gradis, com o apoio da Renault, começou a ter carreiras regulares entre a Algéria e o Niger, em 1927, utilizando os MH com carroçarias mais confortáveis para os passageiros, uma actividade que duraria até finais dos anos 30.

A rivalidade entre a Citroën e a Renault na conquista das areias do deserto serviram de inspiração para as aventuras de todo o terreno da segunda metade do século XX, incluindo o Rali Paris-Dakar, onde ambos os construtores deixaram a sua marca.

Também no caminho que abriram para os veículos TT de utilização civil, os Citroën de Lagartas e os os Renault de seis rodas foram pioneiros da industria automóvel, um feito que merece ser recordado.

Adelino Dinis/Jornal dos Clássicos

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