No princípio dos anos 20 dois construtores franceses batalharam pela supremacia nas areias do Sahara.
As ligações ferroviárias no norte de África, particularmente nas colónias francesas, eram praticamente inexistentes. Subsistia a questão sobre a capacidade de o automóvel poder ser uma alternativa aos camelos e dromedários. A ausência de estradas e os frequentes obstáculos dificultavam a progressão de automóveis de turismo convencionais. Outras soluções tecnológicas tinham que ser encontradas.
A Citroën foi a primeira a avançar. Adoptou um interessante sistema que combinava a estrutura de um automóvel de fiabilidade comprovada — sobretudo o B2 e o C4, com motor de quatro cilindros, 1,5 e 1,6 litros e 22 ou 30 cv— com um sistema posterior de lagartas, patenteado por Kégresse-Hinstin.
Um grupo de Citroën assim equipados atravessaram pela primeira vez o deserto do Sahara, em 1922. Foi um feito extraordinário e que permitiu mais um golpe promocional para a Citroën, que aproveitou para criar uma empresa de transporte turístico na região.
O multi-rodas da Renault
A Renault foi bastante mais pragmática. As lagartas eram uma solução complexa, dispendiosa e com demasiados componentes com vida curta. O revestimento de borracha das lagartas, por exemplo, durava apenas 6000 quilómetros. Louis Renault decidiu que a solução podia estar em três eixos com rodado duplo, com pneus tipo balão com pressão mais reduzida. Os dois eixos traseiros estavam tão próximos quanto o permitido pelas dimensões dos pneus e seriam ambos motrizes. O eixo dianteiro, também com rodado duplo, seria também direccional.
A base deste modelo foi o robusto modelo KZ, de 10 CV fiscais, equipado com motor de quatro cilindros, 2120 cc e 30 cv. A transmissão era feita aos dois eixos traseiros através de uma caixa de três velocidades, com um desmultiplicador de duas posições, o que permitia, na prática, seis marchas dianteiras.
Baptizado como Renault MH, este modelo começou a ser desenvolvido em 1922, estreando-se no ano seguinte.
Expedições bem sucedidas
Desafiado por Gaston Gradis, fundador da Compagnie Générale Transsahariane, Louis Renault aceita o compromisso de realizar a primeira expedição, atravessando o deserto do Sahara. Para além de Gradis, participaram os irmãos Georges e René Estienne, o engenheiro da Renault Pierre Schwob e três mecânicos.
A caravana de três Renault MH de seis rodas (tecnicamente, 12, por causa dos rodados duplos) saiu de Colomb-Béchar dia 24 de Janeiro de 1924 e chegou ao posto militar de Bourem, no dia 31. Os três Renault chegaram sem problemas mecânicos e evidenciando uma velocidade média muito superior à conseguida pelos Citroën de lagartas, que tinham partido um dia antes para realizar o mesmo trajecto de 2400 quilómetros.
A 15 de Novembro também de 1924, tem início a maior das expedições Renault, partindo da Algéria até à cidade do cabo. A viagem de mais de 23 000 quilómetros, terminou a 23 de Julho de 1925. Durante a viagem, a equipa expedicionária teve que atravessar 35 rios de barco e construiu 129 pontes.
Depois da sua Croisiére Noire (da Algéria a Timbuktu, a Citroën virou-se para oriente, com a Croisiére Jaune, ligando Paris a Pequim.
A Compagnie Générale Transsahariane de Gradis, com o apoio da Renault, começou a ter carreiras regulares entre a Algéria e o Niger, em 1927, utilizando os MH com carroçarias mais confortáveis para os passageiros, uma actividade que duraria até finais dos anos 30.
A rivalidade entre a Citroën e a Renault na conquista das areias do deserto serviram de inspiração para as aventuras de todo o terreno da segunda metade do século XX, incluindo o Rali Paris-Dakar, onde ambos os construtores deixaram a sua marca.
Também no caminho que abriram para os veículos TT de utilização civil, os Citroën de Lagartas e os os Renault de seis rodas foram pioneiros da industria automóvel, um feito que merece ser recordado.
Adelino Dinis/Jornal dos Clássicos
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