Combustíveis fósseis: o início do fim começou

14/12/2023

Os países presentes na COP28, que se realizou no Dubai, concordaram com a necessidade de abandonar a queima de combustíveis fósseis, algo que, por estranho que pareça dada a urgência climática, acontece pela primeira vez no processo climático da ONU.

 

O consenso que se chegou na cimeira do clima não chegou, contudo, ao ponto de colocar textualmente a frase “eliminação progressiva” e calendarizada (“phase-out”), como pretendiam mais de uma centena de países, inclusive dos pequenos Estados insulares, que apelaram a uma eliminação rápida dos combustíveis fósseis para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, considerado crítico para a sua sobrevivência.

O consenso conseguido assentou antes na expressão “transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos”.

DOCUMENTO FINAL RECONHECE QUE É NECESSÁRIA A REDUÇÃO DO USO DE COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS, MAS COIBIU-SE DE REFERIR A SUA ELIMINAÇÃO.

Depois de o carvão ter sido alvo de uma “eliminação progressiva” há dois anos, em Glasgow, na COP26, o consenso estendeu na COP28 essa análise ao setor do petróleo e do gás.

Uma delegação que não se juntou à ovação foi a da Arábia Saudita. Os países exportadores de petróleo lutaram arduamente contra a linguagem de eliminação progressiva (“phase-out”) que constava dos projetos anteriores e embora essa expressão não tenha aparecido na redação final, o lobby do petróleo não conseguiu evitar que as palavras “combustíveis fósseis” aparecessem.

O acordo, aprovado por consenso em plenário, apela aos Estados para que iniciem uma transição para longe dos combustíveis fósseis, “de forma ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, com o objetivo de atingir o objetivo de zero emissões líquidas até 2050, de acordo com a ciência”.

“Para aqueles que se opuseram a uma referência clara à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis no texto da COP28, quero dizer que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é inevitável, gostem ou não. Esperemos que não chegue tarde demais”, afirmou António Guterres, secretário-geral da ONU.

O comissário europeu para o Clima, Wopke Hoekstra, diz que, “pela primeira vez em 30 anos, podemos estar a aproximar-nos do início do fim dos combustíveis fósseis. Estamos a dar um passo muito, muito significativo” para limitar o aquecimento global a 1,5°C, destacou.

Harjeet Singh, chefe de estratégia política global da Rede Internacional de Ação Climática, referiu que “depois de décadas de evasão, a COP28 finalmente lançou um holofote sobre os verdadeiros culpados da crise climática: os combustíveis fósseis. Foi definida um caminho há muito necessário para nos afastarmos do carvão, do petróleo e do gás.”

O OTIMISMO É MODERADO, AINDA ASSIM, À CONTA DE DIVERSAS ARESTAS QUE ESTÃO POR LIMAR.

“Mas a resolução está marcada por lacunas que oferecem à indústria dos combustíveis fósseis inúmeras rotas de fuga, dependendo de tecnologias não comprovadas e inseguras”, adverte Harjeet Singh numa alusão ao pacote de medidas que prevê a aceleração da implementação de tecnologias como a captura, utilização e armazenamento de carbono, “em especial nos setores difíceis de eliminar”.

Apesar do pacote energético incluir um esforço para triplicar a capacidade das energias renováveis e duplicar a taxa de melhoria da eficiência energética até 2030, o documento referiu ainda um papel para os “combustíveis de transição”, o que, segundo os ambientalistas, pode ser entendido como gás fóssil.

O acordo incluiu o reconhecimento do papel desempenhado pelas “energias de transição”, numa alusão ao gás, para garantir a “segurança energética” nos países em desenvolvimento, onde quase 800 milhões de pessoas não têm acesso a eletricidade.

Singh também apontou o que considerou “hipocrisia das nações ricas… à medida que continuam a expandir massivamente as operações de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que apenas defendem da ‘boca para fora’ a transição verde”.

Foto: COP28 / Andrea DiCenzo

Harjeet Singh sublinhou que os países em desenvolvimento que ainda dependem dos combustíveis fósseis ficam sem garantias robustas de apoio financeiro adequado na sua “transição urgente e equitativa para as energias renováveis”.

De resto, muitas economias emergentes mostraram-se reticentes em abandonar os combustíveis fósseis, tendo em conta o financiamento limitado disponível para apoiar caminhos de desenvolvimento mais limpos.

A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) considera, igualmente, que o texto representa um “passo em frente”, mas “não fornece o equilíbrio necessário para reforçar a ação global para corrigir o rumo das alterações climáticas”.

“Embora esta COP tenha reconhecido o imenso défice financeiro no combate aos impactos climáticos, os resultados finais ficam decepcionantemente aquém de obrigar as nações ricas a cumprirem as suas responsabilidades financeiras”, acrescentou Harjeet Singh.

As atenções estão agora viradas para a próxima ronda de planos nacionais para o clima que, segundo o acordo, devem estar alinhados com a limitação do aquecimento global a 1,5ºC.