O consenso que se chegou na cimeira do clima não chegou, contudo, ao ponto de colocar textualmente a frase “eliminação progressiva” e calendarizada (“phase-out”), como pretendiam mais de uma centena de países, inclusive dos pequenos Estados insulares, que apelaram a uma eliminação rápida dos combustíveis fósseis para limitar o aquecimento global a 1,5ºC, considerado crítico para a sua sobrevivência.
O consenso conseguido assentou antes na expressão “transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos”.
DOCUMENTO FINAL RECONHECE QUE É NECESSÁRIA A REDUÇÃO DO USO DE COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS, MAS COIBIU-SE DE REFERIR A SUA ELIMINAÇÃO.
Uma delegação que não se juntou à ovação foi a da Arábia Saudita. Os países exportadores de petróleo lutaram arduamente contra a linguagem de eliminação progressiva (“phase-out”) que constava dos projetos anteriores e embora essa expressão não tenha aparecido na redação final, o lobby do petróleo não conseguiu evitar que as palavras “combustíveis fósseis” aparecessem.Depois de o carvão ter sido alvo de uma “eliminação progressiva” há dois anos, em Glasgow, na COP26, o consenso estendeu na COP28 essa análise ao setor do petróleo e do gás.
O acordo, aprovado por consenso em plenário, apela aos Estados para que iniciem uma transição para longe dos combustíveis fósseis, “de forma ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, com o objetivo de atingir o objetivo de zero emissões líquidas até 2050, de acordo com a ciência”.
“Para aqueles que se opuseram a uma referência clara à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis no texto da COP28, quero dizer que a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é inevitável, gostem ou não. Esperemos que não chegue tarde demais”, afirmou António Guterres, secretário-geral da ONU.
O comissário europeu para o Clima, Wopke Hoekstra, diz que, “pela primeira vez em 30 anos, podemos estar a aproximar-nos do início do fim dos combustíveis fósseis. Estamos a dar um passo muito, muito significativo” para limitar o aquecimento global a 1,5°C, destacou.
Harjeet Singh, chefe de estratégia política global da Rede Internacional de Ação Climática, referiu que “depois de décadas de evasão, a COP28 finalmente lançou um holofote sobre os verdadeiros culpados da crise climática: os combustíveis fósseis. Foi definida um caminho há muito necessário para nos afastarmos do carvão, do petróleo e do gás.”
O OTIMISMO É MODERADO, AINDA ASSIM, À CONTA DE DIVERSAS ARESTAS QUE ESTÃO POR LIMAR.
Apesar do pacote energético incluir um esforço para triplicar a capacidade das energias renováveis e duplicar a taxa de melhoria da eficiência energética até 2030, o documento referiu ainda um papel para os “combustíveis de transição”, o que, segundo os ambientalistas, pode ser entendido como gás fóssil.
O acordo incluiu o reconhecimento do papel desempenhado pelas “energias de transição”, numa alusão ao gás, para garantir a “segurança energética” nos países em desenvolvimento, onde quase 800 milhões de pessoas não têm acesso a eletricidade.
Singh também apontou o que considerou “hipocrisia das nações ricas… à medida que continuam a expandir massivamente as operações de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que apenas defendem da ‘boca para fora’ a transição verde”.
Harjeet Singh sublinhou que os países em desenvolvimento que ainda dependem dos combustíveis fósseis ficam sem garantias robustas de apoio financeiro adequado na sua “transição urgente e equitativa para as energias renováveis”.
A Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) considera, igualmente, que o texto representa um “passo em frente”, mas “não fornece o equilíbrio necessário para reforçar a ação global para corrigir o rumo das alterações climáticas”.
“Embora esta COP tenha reconhecido o imenso défice financeiro no combate aos impactos climáticos, os resultados finais ficam decepcionantemente aquém de obrigar as nações ricas a cumprirem as suas responsabilidades financeiras”, acrescentou Harjeet Singh.
As atenções estão agora viradas para a próxima ronda de planos nacionais para o clima que, segundo o acordo, devem estar alinhados com a limitação do aquecimento global a 1,5ºC.