Ameaçada de extinção, a tecnologia Diesel continua a ser vista por muitos construtores automóveis como uma aliada preciosa para o cumprimento das metas antipoluição estabelecidas pela União Europeia para os próximos anos. Embora a tendência para a eletrificação aumente de forma evidente, há ainda muitos construtores que encontram no Diesel uma forma de o conseguir com custos relativamente acessíveis enquanto os elétricos não se desenvolvem para outras capacidades.
Líder no mercado automóvel nacional há mais de duas décadas, a Renault tem nos seus motores Diesel um forte argumento de vendas, mas Fabrice Crevola, diretor geral da Renault Portugal, admite em entrevista exclusiva ao Motor24 que existe uma “guerra estúpida contra o Diesel”, deixando ainda a sua opinião de que uma forma de acelerar a redução das emissões de CO2 no nosso país seria através de incentivos à renovação do parque automóvel que fosse além dos veículos puramente elétricos.
Lembrando que existe uma transferência de preferências dos condutores portugueses dos carros alimentados a gasóleo para os carros a gasolina, Crevola observa que essa incidência é válida, sobretudo, entre os particulares e não tanto entre os segmentos de frotas, onde as condições estabelecidas em matéria fiscal pelo Estado ajudam à sua manutenção.
É verdade que o mercado português é, tradicionalmente, de empresas e frotas e por isso, mas também porque a fiscalidade vai no sentido de promover o Diesel com a recuperação do IVA sobre o combustível, o que não existe na gasolina, o peso do Diesel é mais forte do que na maior parte do outros países europeus. Dito isso, é verdade que a gasolina está a progredir muito, os particulares, que representam uma parte pequena do mercado, diria um quarto do mercado já fizeram essa passagem e hoje em dia vendemos carros essencialmente a gasolina aos particulares. No caso das frotas é completamente diferente”, começa por referir o responsável pelos destinos do Grupo Renault em Portugal, acrescentando que o impacto do WLTP também aumentou o preço dos carros Diesel pela construção do ISV, havendo uma diferença de preço entre os carros a gasolina e Diesel muito importante. “[Um Diesel] pode fazer sentido para uma empresa, porque tem a fiscalidade a ajudar, mas não faz sentido para um particular”, complementa.
“É evidente que todas as marcas estão a seguir este movimento de passagem progressiva para a gasolina, o que não quer dizer que o Diesel vai desaparecer. Honestamente, é hoje a melhor tecnologia para o ambiente, porque os consumos e as emissões de CO2 são muito mais baixas do que na gasolina. Infelizmente, os políticos não perceberam tudo isso e temos neste momento aquilo que parece uma guerra contra o Diesel, mas é uma guerra bastante estúpida, para ser honesto, porque não faz sentido… Os Diesel modernos, de última geração, são tão bons [no tratamento das] partículas como os carros a gasolina, com a benesse de terem emissões de CO2 mais baixas, pelo que temos o melhor de dois mundos”, explicou. No entanto, apesar desta defesa ao Diesel, Fabrice Crevola não retira às tecnologias elétrica e híbrida o contributo fundamental que terão para se atingirem “os objetivos de emissões CAFE para 2021, que são mesmo muito complicados”, podendo mesmo observar-se à simples ‘extinção’ de gamas mais poluidoras.
“Algumas marcas já anunciaram gamas reduzidas e, se calhar, existem versões com emissões mais altas que vão desaparecer e é um trabalho que estamos a fazer também na Renault, mas com esta vantagem de que já temos um peso importante dos carros elétricos, o que não é o caso da concorrência e um híbrido não pode sozinho fazer uma grande, grande diferença. Vamos continuar a desenvolver soluções elétricas, no plano a médio-termo, como o modelo recentemente lançado no Salão de Xangai. Nesse caso, foi lançado para o mercado chinês, não para o mercado europeu, mas faz parte de uma estratégia global: o mercado chinês é muito importante. Quando os chineses tomam uma decisão, fazem-no com decisão e com rapidez e o mercado elétrico vai crescer muito na China”, afirmou, pintando desta forma um quadro de futuro que tem múltiplas variáveis, como por exemplo o impacto dos veículos elétricos nas gamas vindouras.
“A tecnologia elétrica vai crescer muito porque é uma necessidade para muitas marcas. Para a marca Renault é diferente, porque lançámos os carros elétricos há dez anos e não se falava do CAFE. Era, sim, uma visão, uma estratégia para o futuro. Então, é evidente que vamos acompanhando mas temos uma vantagem porque a Renault arrancou antes dos outros. Temos uma vantagem na tecnologia e basta ver hoje a autonomia dos carros elétricos das marcas generalistas para ver que o ZOE é o elétrico com maior autonomia do mercado. Evidentemente, continuamos a trabalhar para para melhorar a tecnologia e a autonomia”.
No entanto, o diretor-geral da Renault Portugal faz prognósticos mais moderados da progressão dos elétricos no futuro a médio-prazo, considerando que os números falados de uma quota de mercado a rondar os 25% em 2025 ou 2030 serão difíceis de alcançar.
“[O valor de] 25% que se fala para 2025 é muito… Basta ver o peso atual. É verdade que as vendas dos elétricos estão a aumentar muito, mas fica a um nível bastante reduzido. Em Portugal, os particulares ainda não fizeram essa passagem, porque é uma tecnologia mais cara. É verdade que existe um incentivo fiscal em Portugal, mas sobretudo para as empresas. Para os particulares, o incentivo de 2250€ é interessante, mas curto e com o aumento das vendas, o limite apenas a 1000 pedidos não ajuda, pelo que já esgotou. Do lado das empresas é diferente, porque a fiscalidade é muito, muito favorável e o TCO (custo total) de um carro elétrico como o ZOE, embora dependa da quilometragem média, é inferior ao de um carro Diesel para utilizadores que façam menos de 20.000 km/ano. Nesse caso sim, vamos ver uma progressão muito forte”, considerou, além de deixar uma questão quanto a tipologias a ter em conta no momento de considerar um número maior de quota para os elétricos.
“Com o desenvolvimento de todas as marcas no campo dos elétricos, é verdade que vai aumentar muito, mas também vamos ter muitos mais carros híbridos – consideramos esses carros como parte dos 25% ou não?”. Neste tema, Crevola entende que talvez a inclusão dos híbridos nessa contabilidade concorra para se atingir uma quota de mercado na Europa na ordem dos 25% para os veículos eletrificados.
Por outro lado, com um dos parques automóveis circulantes mais antigos da União Europeia (12,3 anos de idade média, de acordo com os últimos dados da ACAP), Crevola acredita que seria benéfico para o meio-ambiente criar incentivos para a substituição de alguns ‘dinossauros’ da estrada na forma de veículos mais antigos e poluidores por outros modernos, mais eficientes e mais seguros.
“Portugal é um país que continua a crescer e temos de arranjar soluções, se calhar com uma fiscalidade diferente, se calhar também com incentivos para renovar o parque, porque temos um problema muito, muito importante em Portugal, que é a idade media do parque automóvel que é uma, se não a mais antiga, da Europa, o que não é bom para as emissões e para a poluição e não é bom para a segurança, porque são carros antigos que não têm todos os sistemas modernos de segurança. É muito importante trabalhar nisso e vamos trabalhar com a ACAP nesse sentido, para encontrar soluções para modernizar o parque e isso passará muito provavelmente, ou por incentivos ou por uma fiscalidade diferente sobre os carros”, destacou.
Liderança como resultado
A primeira posição do ranking de vendas nacionais já não causa estranheza à marca francesa. Líder de mercado há 21 anos, a Renault tem dominado os acontecimentos em Portugal, beneficiando de uma gama que tem o condão de ir ao encontro dos gostos dos clientes nacionais, mas também de se adequar de forma prática aos moldes do clientes empresariais/profissionais, um setor que no mercado nacional tem um peso muito grande no total de matrículas anual. Para Crevola, “o objetivo não é a liderança. A liderança é o resultado da qualidade do trabalho, da força da rede, da marca e dos produtos. O objetivo é sempre ficar com o negócio forte, com uma presença forte, desenvolver tudo o que podemos ainda melhorar e depois vemos no final do ano”, explica, admitindo porém que o mercado nacional está a ter alguns problemas no ajuste provocado pelo WLTP.
“O problema é que o mercado este ano já não é tão brilhante como era e com o efeito do WLTP, as frotas tiveram um período de temporização e o mercado do primeiro trimestre foi mais baixo, até menos 10% e é um fenómeno que para a industria automóvel não é bom”, completou.